A Lei Estadual nº 13.296, de 2008 do Estado de São Paulo estabelece no seu artigo 6º, inciso II, que são responsáveis pelo pagamento do IPVA e eventuais acréscimos legais o proprietário do veículo automotor que o alienar e não fornecer os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA no prazo de 30 (trinta) dias, em relação aos fatos geradores ocorridos entre o momento da alienação e o do conhecimento desta pela autoridade responsável.
Tal norma vem sendo questionada pelos alienantes que se enquadram nessa situação e foi tema de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, e acabou sendo julgada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça.
O ponto fundamental da controvérsia reside na existência de responsabilidade do antigo proprietário do automóvel em relação a débitos tributários relativos ao Imposto de Propriedade de Veículo Automotor – IPVA, quando não houve a comunicação ao órgão executivo de trânsito acerca da transferência de propriedade do veículo alienado.
Os argumentos quanto a inconstitucionalidade da regra do artigo 6º, inciso II, da Lei Estadual nº 13.296/2008 são os seguintes:
– A norma viola o artigos146, inciso III, “a”, porque somente poderia ter sido criada por lei complementar, visto que cabe à este veículo legislativo estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados na Constituição, a dos respectivos fatos geradores bases de cálculo e contribuintes;
– Além disso, diante da falta de vínculo jurídico entre o ex-proprietário e o veículo na data da ocorrência do fato gerador do tributo, a exigência se consubstanciaria em confisco, em violação ao artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal;
– A norma estadual também viola os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, pois preceitua que o descumprimento de mera obrigação acessória acarreta a obrigação ao pagamento do IPVA;
– O artigo 6º, inciso II, da Lei Estadual nº 13.296/2008 viola o princípio da segurança jurídica, ao criar responsabilidade tributária, sem qualquer ligação do responsável com o fato gerador, visto que o vendedor não é mais proprietário do veículo;
– Por outro lado, o artigo 115, do Código Tributário Nacional estabelece que o fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação distinta da que configura a obrigação principal;
– A jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, em especial a Súmula nº 585 estabelece: “a responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no artigo 134, do Código de Trânsito Brasileiro CTB, não abrange o IPVA”.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do TJSP, ao analisar a arguição de inconstitucionalidade suscitada, declarou a inconstitucionalidade do artigo 6º, inciso II, da Lei Estadual n. 13.296/08, afastando a exigência do IPVA alienante do veículo.
Eis a ementa da decisão:
“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 6º,inciso II, da Lei 13.296, de 23 de dezembro de 2008, do Estado de São Paulo, que atribui responsabilidade tributária ao ex-proprietário de veículo automotor para o pagamento de IPVA. O dispositivo em comento constitui novo fato gerador do tributo para terceiro que sequer integra a relação tributária. Violação dos artigos 146, III, alínea “a”, 150, inciso IV, 155, inciso III, todos da Constituição Federal, ao art. 121, inciso II, do Código Tributário Nacional, bem como ao art. 1.228, do Código Civil. Incidente procedente.
Artigo 6º, inciso II, da Lei Estadual nº 13.296/2008, de São Paulo, que dispõe que “são responsáveis pelo pagamento do imposto e acréscimos legais o proprietário de veículo automotor que o alienar e não fornecer os dados necessários à alteração no Cadastro de Contribuintes do IPVA no prazo de 30 (trinta) dias, em relação aos fatos geradores ocorridos entre o momento da alienação e o do conhecimento desta pela autoridade responsável”.
O artigo 134, do Código de Trânsito Brasileiro atribui responsabilidade semelhante à da norma impugnada, ex vi: “No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação”.
Não obstante a semelhança entre os dispositivos, cumpre trazer à baila, recente jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça que sumulou o entendimento de que o artigo 134, do CTB não se aplica às relações tributárias.
“Súmula nº 585: A responsabilidade solidária do ex-proprietário, prevista no artigo 134, do Código de Trânsito Brasileiro CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação”. (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0055543-95.2017.8.26.0000)
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.