É zero a alíquota das contribuições para o PIS e Cofins incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de operações de exportação de bens e serviços para o exterior, desde 01/07/2014 (conforme inclusão do § 3º ao art. 1º do Decreto nº 8.426/2015, pelo Decreto nº 8.451/2015).
Contudo, a Receita Federal publicou o Ato Declaratório Interpretativo RFB (ADI RFB) nº 8, de 16 de novembro de 2015 dispondo sobre o tema. De acordo com o ato declaratório interpretativo, a alíquota zero somente incide até a data do recebimento pelo exportador dos recursos decorrentes da exportação. Em outras palavras, somente as variações cambiais ocorridas antes do recebimento dos recursos terão incidência da alíquota zero. A alíquota zero, por sua vez, não atingirá as variações cambiais ocorridas a após a data de recebimento pelo exportador dos recursos decorrentes da exportação, que será tributada à alíquota de 4% para a Cofins e 0,65% para o PIS.
Quanto essa norma foi publicada há um mês, diversos tributaristas respeitáveis deram seu parecer em sentidos opostos, alguns mencionando que:
– a receita decorrente da exportação é imune, por força do art. 149, § 2º, I, da CF/1988, que assegura a desoneração das receitas de exportação e, portanto, o ADI RFB 8 de 16.11.2015 seria inválido por contrariar a Constituição.
Outros diversamente entendendo que:
– considerando que a exportação se encerra com o recebimento do preço, não havendo mais vínculo entre a receita de variação cambial e a operação de exportação o ADI RFB 8 de 16.11.2015 seria válido e aplicável.
Demorei a tratar desta questão porque os dois argumentos me pareciam bem fortes, mas ao final, acabei por adotar a primeira posição, vale dizer, o Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal realmente desobedece a norma constitucional.
Eis, o teor do artigo 149 da CF/88:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de (…)
- 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação.”
Pois bem, a CF/88 enuncia claramente que as contribuições sociais (como o PIS e a Cofins) não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação. E o que são receitas?
Receitas nada mais são do que mutações patrimoniais criadas por fluxos entrados no patrimônio. Vale dizer, receitas compreendem os ingressos de recursos com relevância patrimonial. Toda e qualquer receita é um plus que se incorpora definitivamente ao patrimônio da pessoa não sujeito a condições ou eventos futuros e incertos. Assim, receita se configura como tal quando não estiver mais submetida a fatos ou condições falíveis e isto ocorre no momento da realização.
Disto decorre que receita de exportação é composta de valores entrados e incorporados ao patrimônio da pessoa jurídicas originários de uma operação exportação. Desta forma, se o montante recebido não for convertido em real porque os recursos estão mantidos no exterior, sobre eles não poderá haver incidência de PIS e Cofins, sob pena de violação direta à CF/88.
Saliento que o Supremo Tribunal Federal em diversos julgados já enfrentou a questão de forma indireta. Veja o voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 564413:
“É indubitável, pois, que o art. 149, § 2º, I, da Constituição, ao utilizar o termo “receitas decorrentes de exportação”, abrange tanto a receita propriamente dita quanto a receita bruta, ou faturamento, e a receita líquida.” (Voto Gilmar Mendes no RE 564413, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, com Repercussão Geral).
Ao consultar os acórdão do STF verifiquei que nunca houve dúvidas no sentido de que as receitas auferidas definitivamente com a exportação são desoneradas do PIS e da Cofins. A incerteza existia quanto a desoneração do PIS e da Cofins sobre a variação cambial ativa que ocorria antes da liquidação da operação (antes da data do recebimento pelo exportador dos recursos decorrentes da exportação). A questão existia porque, no regime de competência adotado por algumas pessoas jurídicas, a variação cambial é reconhecida a cada período, independentemente da liquidação da operação. A questão foi enfrentada pelo STF e decidiu que nem mesmo sobre as variações ocorridas antes da liquidação da operação poderiam incidir as contribuições.
Isso ficou bem claro no voto da Ministra Rosa Weber (Relatora) quando do julgamento do Recurso Extraordinário 627.815 PR:
“Logo, resta definir, no âmbito do presente recurso, a questão relativa à imunidade das referidas variações cambiais frente à COFINS e à contribuição ao PIS.
No julgamento dos recursos supracitados, discutiu-se o que se deve entender por “receitas de exportação”. Conforme o entendimento prevalecente, receitas são os ingressos que a pessoa jurídica aufere e que se incorporam ao seu patrimônio, não se restringindo à noção de faturamento (receita percebida na alienação de mercadorias e/ou na prestação de serviços), mas a abarcar também o produto de operações financeiras e de qualquer outra natureza, desde que revelador de capacidade contributiva. Exportação, por sua vez, é a operação de envio de bem ou prestação de serviço a pessoa residente ou sediada no exterior.
O art. 149, § 2º, I, da Constituição, como se vê, refere-se às receitas qualificadas pela atividade de que decorrem. Receita decorrente de exportação é o ingresso proveniente de uma operação de exportação de bem ou serviço, sempre que se incorpore ao patrimônio da empresa exportadora.
O que se discute nestes autos é se as receitas das variações cambiais ativas podem ser consideradas como receitas decorrentes de exportação, de modo a atrair a aplicação da regra de imunidade e afastar a incidência do PIS e da COFINS.
Tenho que a resposta é positiva”.
Desta forma, o Ato Declaratório Interpretativo RFB (ADI RFB) nº 8, de 16 de novembro de 2015 acaba exonerando da tributação do PIS e da Cofins as receitas das variações cambiais ativas, que ocorrem até a data do recebimento pelo exportador dos recursos decorrentes da exportação, porque o STF apreciou especificamente a questão no RE 627815 com força de repercussão geral, afastando a incidência sobre essas variações. Mas o STF apreciou este tema, porque havia dúvidas somente sobre esta parte.
Quanto a não incidência após o recebimento dos valores, jamais houve dúvidas, como se vê das manifestações dos Ministros acima transcritas (mencionadas de passagem em diversos julgados ao apreciar outros temas), quando deixam bem claro que receita de exportação são os recursos incorporados (e, portanto já entrados) ao patrimônio da exportadora.
Assim, quem quiser questionar a exigência deve ajuizar ação com fortíssima chance de êxito visto que a exigência é inconstitucional.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.