Dando sequência ao post “CARF anula lançamentos por omissão de receita com base em depósitos não justificados”, neste post trataremos das razões legais da nulidade.
De acordo como o art 42 da Lei nº 9.430/96, caracterizam-se omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, regularmente intimado, não comprove, a origem dos recursos utilizados nessas operações.
Referida norma criou uma presunção legal de renda omitida com suporte na existência de créditos bancários de origem não comprovada, transferindo o ônus da prova ao contribuinte.
No entanto, toda presunção legal necessita de parâmetros para ser contida e não levar a ações arbitrárias com exigências descabidas, tributando como renda ou receita aquilo que não é renda nem receita. Por isso, o § 3º do artigo 42 da Lei nº 9.430/96 determina que para efeito de determinação da receita omitida, os créditos serão analisados individualmente.
Vale dizer, a interpretação do “caput” do art. 42 da Lei nº 9.430/96 deverá ser realizada de acordo com o preconizado no seu parágrafo terceiro, pois uma das finalidades do procedimento administrativo é a busca da verdade material.
O legislador, sabendo que são diversas as possibilidades de valores movimentados nas contas correntes não se caracterizarem como rendimentos tributáveis e, com a finalidade de impedir a adoção, pelo Fisco, de critérios indiscriminados de apuração de valores de rendimento e/ou receita, estipulou que para a validade da presunção, a fiscalização deverá individualizar os créditos em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira tidos como não comprovados pelo seu titular. Trata-se de determinação legal imperativa, que deve ser obrigatoriamente observada pela fiscalização.
E nem poderia ser de outra forma, pois como poderá haver possibilidade de defesa de um contribuinte se não são apontados pela fiscalização os créditos suspeitos? Não há dúvidas que § 3º veio pôr aparas no emprego da presunção da Lei nº 9.430/96, para evitar que se acabe por atingir o que não é renda nem lucro, e tributando valores intributáveis.
Toda a presunção, ainda que estabelecida em lei, deve ter relação entre o fato adotado como indiciário e sua consequência lógica, a fim de que se realize o primado básico de se partir de um fato conhecido para se provar um fato desconhecido. Destarte, quando o Fisco recorre a uma presunção legal tem o dever de observar os ditames da lei.
Desta forma, ainda que o artigo 42 da Lei nº 9.430/96 admita um rito probatório especial para os depósitos bancários e aplicações financeiras, mesmo assim, como toda presunção legal, a nova regra também exige, de quem a emprega, o atendimento de requisitos, em rigorosa observação do princípio da proporcionalidade, da razoabilidade e da impossibilidade do cerceamento de defesa, albergados em nosso sistema jurídico. Por isso, certas restrições ao emprego da presunção já vieram destacadas na própria norma, em especial no § 3º do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, que diz respeito à análise individuada dos depósitos bancários.
Quem se vale de presunção legal deve demonstrar, de forma analítica todos os motivos e dados detalhados que o levaram a presumir a omissão de rendimentos. A base de cálculo dos tributos, mesmo quando decorre de presunção, não pode prescindir de um grau de certeza, por se constituir na materialização do fato gerador de tributos. Exatamente por isso é imperativo que no levantamento da suposta “receita omitida” com base no artigo 42 da Lei nº 9.430/96, a análise dos créditos seja realizada de forma individual (um por um).
Se os créditos não forem analisados individualizadamente, haverá violação do princípio da legalidade, bem como o princípio da legalidade estrita ou de tipicidade fechada previsto no ordenamento jurídico e a que está obrigada à Administração Pública. Além disso, ocorrerá cerceamento de defesa do contribuinte, visto que este deve ter conhecimento do que está sendo acusado, ou seja, quais os depósitos que foram considerados omissão de receitas.
Não se pode olvidar que nos termos do artigo 59, II, do Decreto nº 70.235/72, são nulos os despachos e decisões proferidos por autoridade com preterição do direito de defesa.
Ademais, o lançamento tributário é procedimento administrativo que tem por finalidade verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, nos termos do art. 142 do CTN. Vale dizer, pelo lançamento a autoridade competente busca constatar a ocorrência concreta do evento ou fato e descrever a lei violada, requisitos necessários ao nascimento da obrigação fiscal correspondente. Este fato deve ser certo e determinado e deve ser expressamente declinado e identificado pela autoridade fiscal que efetuou o lançamento.
Em suma, o lançamento com base em depósito bancário de origem não comprovada tem validade apenas no caso se a fiscalização individualizar os depósitos que entende como não comprovados, para que com base nessa individualização o autuado se defenda e apresente provas.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.