Diversos estabelecimentos sofrem com saldos credores de ICMS, que não têm como ser compensados. De fato, a legislação paulista proíbe a transferência de crédito de um para outro estabelecimento, excetuadas algumas hipóteses previstas no artigo 70 do RICMS/SP e a condiciona à prévia autorização da Secretaria da Fazenda.
Ocorre que algumas empresas realizam a transferência de titularidade destes créditos por meio de operações societárias e têm sido autuadas pelo fisco paulista.
Recentemente, um caso foi analisado pelo TIT que decidiu anular o lançamento realizado pela fiscalização. Trata-se do Processo DRT5-609971-09.
No processo julgado, os créditos de ICMS, que originalmente pertenciam a empresa “A”, foram transmitidos por meio de uma cisão parcial para empresa “B”, que, na qualidade de sucessora, incorporou a fração cindida, que se constituía exclusivamente de créditos de ICMS.
A empresa “B” foi autuada pelo fisco paulista que entendeu que a cisão parcial da empresa “A”, com posterior incorporação pela empresa “B” da parcela cindida, teve apenas a finalidade de transferir os créditos de ICMS. A fiscalização entendeu que ocorreu abuso de forma, o que implicaria em fraude, pois ao realizar a operação foram desatendidas as condições que as normas do ICMS impõem para que se realize tal transferência. Ainda de acordo com a fiscalização, por meio da cisão a empresa conseguiu obter, por via indireta, o que a lei não lhe autorizava obter diretamente, a transferência dos créditos de ICMS.
Em suma, de acordo com o fisco, ocorreu transferência ilícita de créditos de forma dissimulada através de “uma manobra formalmente lícita (a cisão), a qual visava unicamente viabilizar a transferência irregular e nada mais, o que autoriza o Fisco a desconsiderar o negócio jurídico, para efeitos fiscais, pois os fatos deixam claro que o real objetivo da operação não era o alegado projeto de reestruturação societária, mas pura e simplesmente transferir créditos do imposto em hipótese não permitida pela lei, haja vista que o objeto da cisão era um “estabelecimento” cujos “ativos contábeis” eram constituídos exclusivamente por créditos do ICMS e do IPI”.
Em defesa a empresa “B” alegou que ocorreu cisão parcial da empresa “A” nos termos permitidos pelo artigo 229 da Lei das Sociedades Anônimas, com a posterior incorporação de parcela do patrimônio por ela (empresa “B”).
Afirmou ainda, que a referida cisão integrava um projeto de reestruturação societária que visava alcançar eficiência operacional que a hipótese é de simples transferência de titularidade e não de transferência de créditos de um estabelecimento para outro diferenciado, considerando que se trata do mesmo estabelecimento, o qual apenas recebeu nova inscrição estadual ao ter sua titularidade alterada em razão da cisão e posterior incorporação.
Ao julgar o caso, o TIT decidiu favoravelmente à empresa, pelas seguintes razões:
– as operações de cisão e de incorporação admitem a sucessão em direitos e obrigações e referidas operações geralmente são realizadas com o objetivo de alcançar maior eficiência a um menor custo;
– a documentação que comprova a cisão e a incorporação está registrada na JUCESP e foi anexada ao processo;
– a única forma de descaracterizar referidas operações seria mediante a prova de que ocorreu dissimulação e o fisco não a provou;
– o fato de que apenas o saldo credor de ICMS foi vertido ao patrimônio da empresa “B” não é irregular;
– os valores foram levantados por meio de laudo de avaliação e, portanto, cumprida a exigência da Lei 6.404/76 (lei das sociedades anônimas).
Eis a ementa do julgado:
“ICMS – RECEBIMENTO DE CRÉDITO EM TRANSFERÊNCIA EM VIRTUDE DE INCORPORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO. OPERAÇÃO SOCIETÁRIA. DESCONSIDERADA E DESCRITA COMO FRAUDE A LEI PELO FISCO. – ALTERAÇÕES SOCIETÁRIAS QUE TÊM EFEITOS JURÍDICOS DE VÁRIAS ORDENS E QUE ULTRAPASSAM A SIMPLES TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE ICMS. VIABILIDADE DO PROCEDIMENTO, AINDA QUE ENTRE OS FINS VISADOS ESTIVESSE A INCORPORAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA CANCELAR O AIIM” (Processo DRT5-609971-09).
Este julgamento é importantíssimo e serve de precedente para operações similares realizadas por outras sociedades.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.