O fornecimento de medicamentos manipulados em farmácia de manipulação é uma operação mista que envolve fornecimento de mercadoria (medicamento manipulado) e prestação de serviços (manipulação). Essa atividade compreende a elaboração de produto (medicamento) por meio de encomenda, de acordo com receita de profissional de saúde e destinado a consumidor final.
Vale dizer, as farmácias são estabelecimentos não apenas destinados ao comércio, mas também realizam espécie de prestação de serviços.
Por essa razão, há discussão sobre qual o imposto incide sobre a operação, ICMS de competência estadual, ou ISSQN de competência municipal.
Os que defendem que incide o ISSQN alegam que:
– A Constituição Federal, no art. 155, I, b, reservou à competência dos Estados a criação de ICMS, destacando no § 2º, inc. IX, alínea b, do mesmo dispositivo, que o imposto estadual “incidirá também: sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”;
– De outra parte, no art. 156, IV, reservou à competência dos Municípios a instituição de impostos sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN), não compreendidos no art. 155, II (que trata do ICMS), definidos em lei complementar;
– Ainda nessa linha, o art. 2°, inciso IV da LC 96-87 estabelece que o ICMS incide sobre fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
– Tendo em vista que os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03, que indica os serviços sujeitos à incidência do ISSQN, a partir da vigência da Lei Complementar 116, a manipulação de medicamentos está no campo de incidência do ISSQN.
Aqueles que defendem que sobre a operação incide ICMS alegam que:
– A atividade da farmácia de manipulação resulta em um produto – medicamento – que é um bem material, um produto, uma mercadoria. Portanto, está no campo de incidência do ICMS;
– Afirmam ainda, que a farmácia, a partir de uma receita médica, produz uma mercadoria no seu estabelecimento. O consumidor final do produto não fornece o material para que o farmacêutico crie o medicamento, ou seja, as farmácias de manipulação adquirem matéria prima, que sofrem transformações, para posterior venda. O consumidor recebe o produto já elaborado e pronto para uso. Em outras palavras, a atividade econômica principal é a venda do medicamento e não a sua elaboração;
– Alegam ainda, que o art. 156, III da atual Constituição Federal, estabelece competir aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, da CF (que trata do ICMS) e definidos em lei complementar;
– Assim, os municípios não receberam competência tributária para legislar sobre quaisquer serviços, mas, apenas e exclusivamente sobre aqueles não alcançados pela competência dos Estados e do Distrito Federal (a saber serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação). Assim, o ISS pode gravar todos os serviços, à exceção dos já onerados por imposto estadual;
– O ISS, segundo esse raciocínio, caracteriza-se como imposição a atividades taxativamente contidas na lista de serviços, porém, nas atividades que configuram “serviços”.
– Por outro lado, a Lei Complementar 87/96, em seu artigo 2°, inciso IV, é expressa ao dispor que o ICMS incide sobre o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.
O STJ ao apreciar o tema, consolidou o entendimento no sentido de que “os serviços farmacêuticos constam do item 4.07 da lista anexa à LC 116/03 como serviços sujeitos à incidência do ISSQN. Assim, a partir da vigência dessa Lei, o fornecimento de medicamentos manipulados por farmácias, por constituir operação mista que agrega necessária e substancialmente a prestação de um típico serviço farmacêutico, não está sujeita a ICMS, mas a ISSQN” (REsp. 881.035/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 26.3.2008 e REsp 975.105/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 9.3.2009)
Contudo, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada em 01/04/2011 e irá apreciar a questão sob o enfoque constitucional. Eis a ementa da decisão:
“EMENTA Tributário. ISS. ICMS. Farmácias de manipulação. Fornecimento de medicamentos manipulados. Hipótese de incidência. Repercussão geral. 1. Os fatos geradores do ISS e do ICMS nas operações mistas de manipulação e fornecimento de medicamentos por farmácias de manipulação dão margem a inúmeros conflitos por sobreposição de âmbitos de incidência. Trata-se, portanto, de matéria de grande densidade constitucional. 2. Repercussão geral reconhecida”. (RE 605552 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 31/03/2011, DJe-090 DIVULG 13-05-2011 PUBLIC 16-05-2011 EMENT VOL-02522-02 PP-00342)
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.