Grande parte (para não dizer a imensa maioria) dos casos de quebra de sigilo fiscal pelo fisco ocorre de forma ilegal. No entanto, é possível anular autos de infração lavrados de maneira irregular. A anulação pode ser realizada através de defesa administrativa, ou por meio de uma ação judicial, desde que o auto de infração tenha sido lavrado a partir de 2006 (em vista da decadência). Também naqueles casos em que já houve pagamento de imposto, é possível requerer a devolução dos valores pagos.
Muito embora a lei tenha autorizado os agentes fiscais tributários a examinar documentos de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras (LC 105/2001), o procedimento para efetuar a quebra do sigilo bancário deve atender regras muito específicas, não basta que a fiscalização queira ao seu bel prazer fazer a quebra.
A própria LC nº 105/2001 que autorizou a quebra do sigilo bancário pelo fisco, somente permite a análise de dados sigilosos se “tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”. Isso quer dizer que antes da quebra é imprescindível que tenha havido uma investigação através de outros documentos, ou meios de prova, que resultou infrutífera e torne absoltamente indispensável o exame dos documentos bancários.
O procedimento de quebra é regulamentado pelo Decreto nº 3.724/2001 que estabelece que primeiro o contribuinte deve ser intimado para apresentar informações sobre a movimentação financeira. Isto não significa a apresentação dos extratos das contas bancárias, mas de outras provas que podem ser produzidas, como por exemplo, apresentação de contratos, cópias de cheques, boletos de pagamento, procurações, cópias de processo, contratos de intermediação.
As informações prestadas poderão ser objeto de verificação nas instituições financeiras, mas nesta fase o fisco apenas poderá comparar as informações fornecidas pelo contribuinte, tais como datas, valores, sem ter acesso aos extratos, ou outros documentos bancários.
Se após isso se verificar que as informações e documentos fornecidos pelo contribuinte são insuficientes, ou não condizem com a realidade, a fiscalização poderá requisitar informações e examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, mediante solicitação por meio de um documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) dirigida ao Bacen, à CVM, às instituições financeiras, às agência bancárias. Neste RMF deve constar um relatório detalhado explicando o motivo do pedido da quebra de sigilo.
Na prática, geralmente a Receita Federal intima logo de início o contribuinte para apresentar documentos cobertos pelo sigilo bancário. O contribuinte, quando recebe a intimação, sem saber que o procedimento fiscal está incorreto apresenta os extratos de suas contas correntes.
Chama a atenção que em regra, nas intimações para apresentar os extratos bancários constam advertências no sentido de que o não atendimento da solicitação pelo contribuinte poderá acarretar: lançamento de ofício, agravamento de multas, quebra do sigilo direto pelo fisco, presunção de omissão de rendimentos (que pode levar a uma ação penal), aplicação de regimes especiais; caracterização de embaraço à fiscalização e, consequentemente, requisição do auxílio da força pública. Trata-se de verdadeiro constrangimento contra o contribuinte.
Em outras palavras, além do procedimento incorreto, de acordo com grande parte das intimações fiscais, ou o contribuinte abre imediatamente o seu sigilo bancário, ou sofre punições gravíssimas e diante da absoluta falta de opção os contribuintes acabam apresentando toda a movimentação bancária de suas contas correntes.
Contudo, nosso ordenamento jurídico não admite no processo judicial ou administrativo provas obtidas por meios ilícitos (artigo 5º LVI da CF/88). No que concerne ao processo administrativo, a Lei nº 9.784/99 estabelece no artigo 30 que “são inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos”.
A prova obtida da forma descrita é prova ilícita, alcançada mediante a transgressão a normas constitucionais e normas legais.
Finalmente, para reforçar ainda mais o argumento, lembro que o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo seu PLENÁRIO no Recurso Extraordinário nº 389.808 no dia 15.12.2010, que somente o Poder Judiciário pode realizar a quebra de sigilo, e mesmo assim, apenas no caso de investigação criminal, ou instrução processual penal.
Isso reforça o direito do contribuinte, que além de pedir anulação do auto de infração com base em prova obtida de forma ilícita, poderá requerer a anulação com base em inconstitucionalidade, pois segundo o Supremo, somente o Judiciário pode quebrar o sigilo bancário.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.