Tributário nos Bastidores

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Portaria RFB 1265/2015 – Cobrança Administrativa Especial tem também a finalidade de impedir o acesso ao Judiciário

No dia 04 de setembro foi publicada a Portaria RFB 1265/2015 instituindo procedimentos para a chamada Cobrança Administrativa Especial no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil. A medida evidentemente pretende agilizar a cobrança de tributos aumentando rapidamente a arrecadação federal.

A Portaria menciona que a Cobrança Administrativa Especial – CAE – abrangerá obrigatoriamente os créditos tributários que estejam na condição de exigíveis, cujo somatório, por sujeito passivo, seja igual, ou maior que R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), mas que a unidade da Receita Federal poderá incluir na Cobrança Administrativa Especial outros créditos tributários que não estejam enquadrados nos critérios de R$10.000.000,00 por sujeito passivo. Assim, conclui-se que qualquer sujeito passivo poderá ser incluído nessa cobrança especial, desde que a unidade da Receita Federal assim decida.

Desta forma, basta um sujeito passivo ter um débito exigível e não pago e tenha sido intimado na CAE para regularizar o débito (pagar ou parcelar) e não o faça para que sofra diversas punições.

Referidas sanções inviabilizarão totalmente as atividades  do sujeito passivo (listarei no final do post as punições impostas para que o leitor avalie a afirmação).

A gravidade da medida decorre do seguinte. Além de receber tributo “pretensamente devido” de forma mais rápida, é evidente que, com esse procedimento, a Fazenda pretende afastar o Poder Judiciário das discussões tributárias desestimulando (inviabilizando) o acesso ao Poder Judiciário.

Quando um sujeito passivo deve valores acima de R$10.000.000,00 ao fisco e não tem acordo de parcelamento, geralmente se deve a duas situações distintas:

  • O sujeito passivo não tem numerário para pagar. Nessas situações o fisco não consegue receber o seu crédito, pois o sujeito passivo não tem bens ou dinheiro para saldar a dívida;
  • O sujeito passivo entende que os valores cobrados pelo fisco são indevidos. Geralmente o crédito tributário é gerado por meio de lançamento (auto de infração) e em grande parte das vezes o contribuinte apresenta defesa administrativa junto às Delegacias da Receita e depois junto ao CARF contestando os valores exigidos.

Pois bem, com a Portaria RFB 1.265/2015 não haverá muita alteração com relação ao sujeito passivo que consta no item 1, por motivos óbvios. Claro é, que o alvo são os sujeitos passivos que constam no item 2, que geralmente apresentam defesas administrativas junto ao CARF.

Aliás, as medidas para alcançar esse sujeito passivo têm sido inúmeras. Foram realizadas diversas alterações no âmbito do CARF.  O CARF tem novo regimento interno, nova composição. Tudo para aumentar a rapidez no recebimento dos créditos tributários. Grande parte dos conselheiros foram substituídos e agora se espera que as decisões favoráveis aos contribuintes sejam reduzidas.

Veja que em nenhum momento pretendo afirmar que não havia problemas no CARF, que deveriam mesmo ser resolvidos. Mas, obviamente, as mudanças não foram somente para sanar eventuais problemas. Segundo o próprio Ministro Levy, após a Operação Zelotes, o CARF “terá papel primordial para reforçar o caixa do governo federal em momento de queda na arrecadação”.

Está claro que, a partir de agora, o sujeito passivo terá mais dificuldade em obter êxito junto ao CARF e, aquele sujeito passivo que realmente acredita no seu direito e tiver insucesso, com certeza pretenderá buscar o Poder Judiciário para discutir um lançamento que entende incorreto ou falho do fisco.

Ocorre que, enquanto a discussão está em trâmite no CARF, o crédito tributário tem a sua exigibilidade suspensa. Julgado o processo no Conselho, o crédito torna-se imediatamente exigível, o que autorizaria a mencionada “Cobrança Administrativa Especial” constante da Portaria RFB 1265/2015.

Parece que esta foi também a forma que a Receita Federal encontrou para impedir o acesso do contribuinte ao Judiciário sem o recebimento desde logo dos valores, pois o sujeito passivo que entender indevido um crédito tributário e pretender ajuizar uma ação, durante a discussão judicial sofrerá as penas da “Cobrança Administrativa Especial”  constante da Portaria RFB 1265/2015.

Só existem duas formas de o sujeito passivo não sofrer as sanções da CAE nesta hipótese. Ou pelo depósito do montante integral do valor em discussão, que fica desde logo à disposição do Tesouro Nacional, o que geralmente é inviável ao sujeito passivo, visto que os valores são elevadíssimos (ainda mais se forem realmente indevidos).  Ou por meio de concessão de medida liminar de suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo Judiciário.

Destaco que a concessão de liminar para suspender o crédito tributário decorrente de auto de infração atualmente é medida muito difícil de ser concedida pelo Judiciário, pois envolve a análise liminar de questões, em geral, muito complexas e de alta indagação jurídica. Certo que a Procuradoria da Fazenda Nacional tem plena ciência disso.

Considerando tudo isso, a Receita Federal foi muito hábil ao editar a Portaria RFB 1265/2015, que é perigosíssima, pois autoriza ao Fisco lançar e deixar o contribuinte à sua total mercê.

Hoje, chegamos em uma situação no país em que o mesmo Poder (Executivo) lança (cria o crédito), julga o crédito, cobra e aplica a punição pelo seu não pagamento e o Judiciário fica à margem disso.

E se o sujeito passivo pretender discutir a questão no Judiciário também somente poderá fazê-lo se depositar imediatamente todo o valor (que fica imediatamente à disposição do Tesouro Nacional). Resumindo, lavrado o auto de infração, ou o contribuinte paga, ou paga.

E as questões discutidas em muitos desses processos são de alta relevância jurídica e talvez poucas ou nenhuma delas jamais sejam apreciadas pelo Judiciário. Ironicamente ficarão no âmbito do Poder Executivo, justamente porque os valores envolvidos são muito elevados, o que é muito confortável à Fazenda.  A Fazenda Nacional ganhou tanto poder nos últimos anos que o desequilíbrio de forças é gritante.

Leio nos jornais diversas declarações dando a entender que esses sujeitos passivos devem tanto dinheiro que, se pagassem, sanariam diversos problemas de caixa do país. Esquecem aqueles que os acusam, que são esses mesmos sujeitos passivos, que mantém o país, pois já recolhem tributos altíssimos e que o Brasil já está dentre aqueles países que têm a mais alta tributação do planeta. Olvidam também, que os débitos constantes do CARF podem ser absolutamente inválidos.

Claro que existem lançamentos realizados que a fiscalização pode ter razão, mas muitos desses lançamentos decorrem de interpretações bem questionáveis por parte do fisco que na sua sede arrecadatória não tem limites. Dos bilhões noticiados nos jornais e devidos nesses processos, metade (no mínimo) não se tratam sequer de valores principais, decorrem de multas e juros (a menor multa aplicada nesses processos é de 75% mais taxa Selic).

Esses autos de infração são constituídos por agentes fiscais que, muito embora bem preparados em temas contábeis/fiscais, na sua maioria não tem formação jurídica.

E tem mais um ponto de gravidade nisso tudo. O CARF é um órgão que não pode julgar todas as matérias de direito. Por exemplo, não pode julgar matéria de ordem constitucional, o que já mostra que as suas decisões são limitadas.

Na prática, o que vem acontecendo nos últimos anos é que, aquele contribuinte que não obtém êxito no CARF, acaba aderindo aos parcelamentos (REFIS, etc.)  concedidos “favorecendo” esse sujeito passivo que não consegue ter acesso ao Judiciário, porque não  pode dispor dos montantes estratosféricos que lhe são exigidos para fazer frente aos depósitos a vista para discutir judicialmente as questões jurídicas sem ter seu nome inscrito no CADIN, sem CND, etc.  Com a nova  Portaria RFB 1265/2015, foi dado o golpe final, o acesso ao Judiciário ficou impossível sem uma liminar.

Chama a atenção que a Receita Federal se surpreendeu e declarou que não entendeu a reação contra a Portaria RFB 1265/2015, pois todo o seu conteúdo já está previsto em lei, não há novidade. Segundo a Receita, ela somente vai aplicar aquilo que já poderia e não fazia totalmente. Isso somente reforça o que foi dito acima, o sujeito passivo está sob total controle da Fazenda e indefeso.

Esperamos que o Judiciário considere todas essas questões fáticas e se sensibilize concedendo liminares aos sujeitos passivos que pretenderem discutir os lançamentos realizados, para avaliar as questões e proferir o seu entendimento, dando segurança jurídica e norte ao sujeito passivo, visto que o papel constitucional deste Poder é garantir a efetividade dos direitos.

Mesmo porque, a Portaria RFB 1265/2015 traz diversas restrições que são ilegais e inconstitucionais e que de qualquer forma não poderiam ser impostas, razão pela qual aconselhamos aos interessados em cancelar créditos tributários em tentar ajuizar ação com pedido de liminar para afastar os efeitos da Portaria RFB 1265/2015.

Eis as medidas da Portaria RFB 1265/2015:

– encaminhamento dos dados do sujeito passivo para inclusão no Cadin, o que inviabilizará a realização de operações de crédito que envolvam a utilização de recursos públicos, a concessão de incentivos fiscais e financeiros e a celebração de convênios, acordos, ajustes ou contratos que envolvam desembolso, a qualquer título, de recursos públicos, e respectivos aditamentos, por órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta e indireta

– exclusão do sujeito passivo do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), ou do parcelamento a ele alternativo, estabelecidos pela Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, com exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago, bem como automática execução da garantia prestada;

– exclusão do sujeito passivo do Parcelamento Especial (Paes), instituído pela Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, com exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago;

– exclusão do sujeito passivo do Parcelamento Excepcional (Paex), instituído pela Medida Provisória nº 303, de 29 de junho de 2006, com exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago;

– exclusão do sujeito passivo do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional);

– encaminhamento ao Ministério Público Federal de Representação Fiscal para Fins Penais;

– propositura de Representação Fiscal para Fins Penais junto ao Ministério Público Federal por deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social retidos, caso os débitos objeto da Cobrança Administrativa Especial sejam dessa natureza;

– aplicação de multa à empresa e a seus diretores e demais membros da administração superior, na hipótese de irregular distribuição de bônus e lucros a acionistas, sócios, quotistas, diretores e demais membros de órgãos dirigentes, fiscais ou consultivos;

– arrolamento de bens e direitos para acompanhamento do patrimônio do sujeito passivo;

– representação aos Departamentos de Trânsito (Detran), às Capitanias de Portos e Tribunal Marítimo e ao Departamento de Aviação Civil para que seja exigida Certidão Negativa de Débitos (CND) quando da alienação ou oneração a qualquer título, de bem móvel de valor superior ao definido pelo Poder Executivo;

– comunicação às respectivas Agências Reguladoras para que seja revogada a autorização para o exercício da atividade, no caso de sujeito passivo detentor de Concessões e Permissões da Prestação de Serviços Públicos, tendo em vista a ausência de regularidade fiscal para com a União;

– representação aos bancos públicos para fins de não liberação de créditos oriundos de fundos públicos, repasses e financiamentos, inclusive de parcelas de financiamentos ainda não liberadas;

– representação ao órgão competente da administração pública federal direta ou indireta, para fins de rescisão de contrato celebrado com o Poder Público, tendo em vista a ausência de regularidade fiscal para com a União;

– exclusão de benefícios e/ou incentivos fiscais, relativos a tributos administrados pela RFB, inclusive os vinculados ao Comércio Exterior;

– cancelamento da habilitação ao Despacho Aduaneiro Expresso (Linha Azul) e da certificação ao Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado, tendo em vista a ausência de regularidade fiscal para com a União;

– representação à Administração Pública Estadual ou Municipal para fins de rescisão de contrato ou exclusão de benefício e/ou incentivos fiscais ou creditícios, na hipótese da existência de débitos relativos a tributos destinados à seguridade social;

– bloqueio do Fundo de Participação do Distrito Federal, do Estado ou do Município;

– representação para interposição de medida cautelar fiscal, caso o sujeito passivo se enquadre em uma das hipóteses previstas no art. 2º da Lei nº 8.397, de 6 de janeiro de 1992, e no art. 15 da Instrução Normativa RFB nº 1.565, de 11 de maio de 2015;

– lançamento de ofício de multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do pagamento mensal do tributo determinado sobre base de cálculo estimada, que deixou de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, nos termos da alínea ‘b’ do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

– declaração de inaptidão da pessoa jurídica caracterizada como “não localizada” pela não confirmação do recebimento de 2 (duas) ou mais correspondências enviadas pela Cobrança Administrativa Especial, ou por diligência, com encaminhamento de carta aos sócios para ciência da declaração de inaptidão;

– suspensão da inscrição no Cadastro da Pessoa Física (CPF), no caso de não recebimento das correspondências enviadas pela Cobrança Administrativa Especial devido a inconsistências cadastrais;

– revogação da moratória nos termos do inciso I do art. 8º da Lei nº 12.688, de 18 de julho de 2012, no caso de entidades mantenedoras de instituições de ensino superior integrantes do sistema de ensino federal que aderiram ao Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies);

– revogação da moratória e da remissão de débitos nos termos do art. 37 da Lei nº 12.873, de 24 de outubro de 2013, no caso de entidades que aderiram ao Programa de fortalecimento das entidades privadas filantrópicas e das entidades sem fins lucrativos que atuam na área da saúde e que participam de forma complementar do Sistema Único de Saúde (Prosus);

– exclusão do parcelamento e do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut), nos termos do art. 4º da Lei nº 13.155, de 4 de agosto de 2015, ficando a entidade proibida de usufruir de incentivo ou benefício fiscal previsto na legislação federal ou de receber repasses de recursos públicos federais da administração direta ou indireta pelo prazo de 2 (dois) anos, contado da data da rescisão, no caso das entidades desportivas profissionais de futebol que aderiram ao Programa; e

– encaminhamento do débito para inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), sobre o qual incidirá 20% (vinte por cento) de encargos sobre o montante total do débito, além dos demais acréscimos legais, bem como ajuizamento de execução fiscal, com penhora ou arresto de bens;

– a Unidade da RFB poderá adotar outros procedimentos, inclusive a inserção do sujeito passivo e, no caso de pessoa jurídica, dos respectivos sócios e responsáveis em programa especial de fiscalização.

– na hipótese de pessoa jurídica, os procedimentos da Cobrança Administrativa Especial deverão também ser aplicados aos sócios que responderem solidariamente pela dívida.

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