A tese que pretende afastar a exigência do Difal para 2022 já tem julgados do TJSP.
Os contribuintes têm impetrado mandados de segurança objetivando a concessão de segurança para declarar a inconstitucionalidade e a ilegalidade da cobrança do Difal/ICMS incidente sobre as operações de venda interestadual de mercadorias efetuada a consumidores finais (não contribuintes) durante o exercício de 2022 (anterioridade anual).
E isso porque, o STF, por meio do RE 1.287.019 julgou inconstitucional a cobrança do Difal/ICMS introduzido pela EC 87/2015, ante a ausência de Lei Complementar que regulasse a matéria, modulando os efeitos da decisão para a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão do julgamento (2022).
Com o advento da Lei Complementar nº 190/2022, vários estados da federação, dentre eles São Paulo (Lei nº 17.470/2021) baixaram normas para criar o Difal/ICMS nas operações interestaduais destinadas a não contribuintes do ICMS com vigência e efeitos já a partir de 2022.
Por outro lado, a Lei Complementar 190/2022, mencionada, foi publicada apenas em 05 de janeiro de 2022, ou seja, durante o presente exercício financeiro, assim como o Convênio ICMS nº 236, que visa regulamentar a Lei Complementar em questão.
Ocorre que a exigência do DIFAL ainda em 2022 contraria o princípio da anterioridade tributária, uma vez que o Difal/ICMS somente poderá ser exigido a partir de 01/01/2023.
Desse modo, não há no exercício fiscal de 2022 autorização para que os estados e DF exijam o DIFAL nas operações interestaduais de circulação de mercadorias para consumidor final não contribuinte do imposto, por força dos princípios da não-surpresa, segurança jurídica e anterioridade.
Conforme comentei em outro post, a tese tem grande chance de ganho junto ao STF, pois consultando a jurisprudência da Corte Suprema em matéria similar, verifica-se que o STF, quando se trata do ICMS entende que deve ser aplicada a anterioridade anual.
O relator da ADI 7066, Ministro Alexandre de Moraes, já se debruçou sobre o tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5733 apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que questionava a Lei 4.454/2017, do Amazonas, que institui o adicional de 2% sobre o ICMS a incidir, entre outros, na primeira operação de saída de insumos para produção de refrigerantes. Segundo a CNI, a norma majorou o tributo e previa a cobrança do adicional no mesmo exercício financeiro da lei que o criou, sem respeitar a anterioridade situação que violaria à anterioridade anual tributária prevista na CF.
O Ministro Alexandre de Moraes, relator do processo entendeu que a anterioridade anual deveria ser aplicada pois, segundo o ministro, “o Princípio da Anterioridade (art. 150, III, “b”, da CF), por configurar uma das maiores garantias tributárias do cidadão em face do Estado/Fisco, é consagrado pelo Supremo Tribunal Federal como cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF (ADI 939, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 18/03/1994). Além de constituir garantia individual, assegura a possibilidade de o contribuinte programar-se contra a ingerência estatal em sua propriedade, preservando-se, pois, a segurança jurídica.”
Em outra ação que se questionava a majoração da margem de valor agregado do ICMS-ST, no Estado do Rio de Janeiro, o Ministro Edson Fachin, relator, decidiu que “toda modificação legislativa que, de maneira direta ou indireta, implicar carga tributária maior, há de ter eficácia no ano subsequente àquele no qual veio a ser feita”. Afirmou ainda que “os novos percentuais referentes à margem de valor agregado que integra a base de cálculo do ICMS, instituídos pelo Decreto nº 45.258/2015, por acarretarem majoração da carga tributária, devem surtir efeitos apenas no exercício financeiro seguinte à sua publicação” (ARE 1281713 AgR-segundo, Relator(a): Edson Fachin, Segunda Turma, julgado em 17/02/2021, processo eletrônico dje-055 divulg 22-03-2021 public 23-03-2021).
Por outro lado, o Ministro Dias Toffoli, ao julgar o RE 363577 AgR, que discutia o aumento da base de cálculo do ICMS, decidiu que “toda modificação legislativa que, de maneira direta ou indireta, implicar carga tributária maior há de ter eficácia no ano subsequente àquele no qual veio a ser feita” .
Não obstante isso, a maior parte das decisões do TJSP, proferidas em sede de agravo de instrumento têm sido desfavoráveis aos contribuintes. Nesse sentido:
“Agravo de Instrumento. Mandado de segurança. ICMS. Operações interestaduais com consumidores finais não contribuintes do imposto. Pretensão à concessão de liminar para obstar a cobrança do diferencial de alíquotas (DIFAL-ICMS) no exercício de 2022. Liminar indeferida pela decisão agravada. Exame do mérito que deve adequar-se aos limites estreitos do mandado de segurança. Ilegalidade não comprovada. Inexistência de risco de ineficácia da medida, caso concedida a final art. 7º, III, da Lei 12.016/2009). Pedido subsidiário formulado para que seja garantido à agravante o direito de depositar em juízo as parcelas vincendas do diferencial a partir de 01.04.2022. Impossibilidade de apreciação nesta fase procedimental, sob pena de supressão de instância. Agravo parcialmente conhecido e, na parte conhecida, não provido.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2016993-21.2022.8.26.0000; Relator (a): Antonio Carlos Villen; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 7ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 07/03/2022; Data de Registro: 07/03/2022)
“Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Irresignação autoral contra indeferimento de liminar destinada a suspender a cobrança pelo Estado de São Paulo do ICMS-DIFAL até 31/12/2022. Não acolhimento. Inexistência de risco de ineficácia da medida, caso concedida a final. Inteligência do artigo 7º, inciso III, da Lei n.º 12.016/2009. Exigência do tributo, ademais, que ainda se encontra obstada pelo curso da anterioridade nonagesimal prevista na Lei Complementar Federal n.º 190/2022. Decisão mantida. Recurso não provido.” (TJSP; Agravo de Instrumento 2033887-72.2022.8.26.0000; Relator (a): Jose Eduardo Marcondes Machado; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 02/03/2022; Data de Registro: 02/03/2022)
“Agravo de Instrumento. Decisão que, em Mandado de Segurança, não deferiu liminar postulada para ser suspensa a exigibilidade de ICMS em decorrência da cobrança de diferencial de alíquotas na aquisição de mercadorias oriundas de outras Unidades da Federação. Manutenção da decisão, seja por ausente comprovação hábil do “periculum in mora”, seja por não caracterizado o “fumus boni iuris”, não havendo evidência de que, caso concedida a final a segurança, resulte lesão irreparável ao afirmado direito da impetrante-agravante, bem assim se estar em esfera de cognição provisória em que inadequado a apreciação do mérito. Recurso improvido”.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2020820-40.2022.8.26.0000; Relator (a): Aroldo Viotti; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 2ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 22/02/2022; Data de Registro: 22/02/2022)
Contudo, embora não seja a maioria, também há decisões favoráveis aos contribuintes. Nesse sentido:
MANDADO DE SEGURANÇA ICMS – Diferencial de alíquotas – Suspensão da exigibilidade – Ano calendário de 2022 – Liminar – Possibilidade: – Presente a relevância do fundamento e o perigo da demora a liminar não pode ser negada.
(TJSP; Agravo de Instrumento 3000738-68.2022.8.26.0000; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 15ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 22/02/2022; Data de Registro: 22/02/2022)
No entanto, a decisão final será do STF, e nesse sentido, há boas chances de êxito.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.