TRFs e TJs discordam quanto ao ressarcimento dos gastos com seguro garantia e fiança em caso de ganho do contribuinte.
Na esfera do direito tributário, o seguro garantia tem por objetivo garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo contribuinte, perante a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, ou ainda as obrigações assumidas em função de processos administrativos e processos judiciais, inclusive execuções fiscais.
O Código de Processo Civil anterior já previa a possibilidade de substituição da penhora por fiança bancária ou seguro-garantia judicial, desde que acrescido ao valor do débito o percentual de 30%.
O Código de Processo Civil atual trouxe importante alteração nesse assunto, ao tratar sobre a ordem preferencial de bens e a substituição da penhora, expressamente equiparando a fiança bancária e o seguro-garantia judicial ao dinheiro (artigo 835. Parágrafo 2º).
Ocorre que o seguro garantia tem um custo para o contribuinte que representa um percentual sobre o valor garantido. Por essa razão, surgiu uma nova discussão judicial no sentido de se estabelecer o seguinte. Se o contribuinte sagrar-se vencedor, a quem deverá ser imposto o ônus desse custo, ao próprio contribuinte, ou à parte vencida?
A jurisprudência não está consolidada, os Tribunais de Justiça estaduais, vem reconhecendo o direito ao ressarcimento ao contribuinte pela despesa com seguro garantia e fiança bancária.
Recentemente, a Vigésima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível nº 0277301-41.2017.8.19.0001, julgada em 17/08/2021, e relatada pelo Desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva, decidiu que o seguro garantia é despesa e “toda esta despesa (ou dispêndio) que foi suportado pelo contribuinte pode e deve ser devolvido, quando do final do processo de embargos à execução fiscal, em atenção as regras processuais, e também ao princípio da proporcionalidade, considerando que este princípio traz concretude aos direitos fundamentais do contribuinte, evitando violação de seu patrimônio”.
Destacou ainda que “no processo de execução, aplicam-se os termos do art. 776, do Código de Processo Civil, segundo o qual “o exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução”. … “Além disso, a própria Lei nº 6.830, que regula o processo executivo fiscal prevê à responsabilidade da Fazenda Pública pelo ressarcimento das despesas processuais, caso vencida ao final (art. 39, parágrafo único).”
Por outro lado, o TJSP também vem julgando em favor do contribuinte. No Agravo de Instrumento 3001282-90.2021.8.26.0000, relatado pelo Desembargador Francisco Bianco da 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 31/05/2021, decidiu-se que “o valor desembolsado pela parte embargante, na contratação de seguro garantia, para a interposição de embargos do devedor, configura despesa processual, passível de ressarcimento” por força dos artigos 82, § 2º e 776 do CPC/15 e 39, parágrafo único, da Lei Federal nº 6.830/80.
Por outro lado, os TRFs estão decidindo contra o contribuinte.
De fato, o TRF da 3ª Região, ao julgar a Apelação Cível nº 0062687-86.2011.4.03.6182, Relatada pelo Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho da 1ª Turma, julgado em 25/06/2020, decidiu que “no que se refere ao pedido de condenação da exequente ao pagamento dos custos advindos da contratação do seguro-garantia, deve ser ressaltado que a conduta do fisco não é capaz de gerar dano indenizável, na medida em que age premido pelo poder-dever de constituir e cobrar os tributos previstos em lei. Além disso, o seguro-garantia não é modalidade de garantia imposta ao contribuinte, conforme se observa do art. 9º da Lei nº 6.830/80”. Em vista disso, negou o ressarcimento das despesas com seguro-garantia ao contribuinte.
O TRF 4ª Região, ao julgar o processo 5058075-42.2017.4.04.7100, relatado pelo Desembargador Alexandre Rossato da Silva Ávila, em 09/04/2021, decidiu que o “ressarcimento das despesas suportadas pela parte contrária, como efeito da sucumbência, não compreende as despesas com o seguro-garantia utilizado para garantir a execução fiscal”.
O TRF2, igualmente, ao julgar a Apelação/Reexame Necessário nº 0027203-11.2013.4.02.5101, relatado pelo Desembargador Theophilo Antonio Miguel Filho, da 3ª Turma, decidiu que “a carta de fiança e o seguro-garantia são contratos celebrados pelo executado com a instituição bancária/segurador para que estes assumam o risco de pagamento do débito em caso de sucesso do exequente. A utilização de contratos desse tipo para os processos de Execuções Fiscais é uma faculdade do executado, que tem total liberdade para decidir se vai pagar para transferir o risco ao banco ou à seguradora. Por serem contratos privados, firmados de acordo com o livre arbítrio do executado, não se mostra admissível a sua inclusão como ônus sucumbencial, pois a se admitir tal hipótese estar-se-ia transferindo ao Estado o patrocínio indireto de bancos/seguradoras, algo inimaginável no Estado Democrático de Direito; bem como haveria verdadeira condicionante à atuação do Fisco, qual seja, ajuizar Execuções Fiscais “perfeitas”, que não dessem azo a embargos, o que também é inimaginável”.
Muito provavelmente, essa questão será dirimida e pacificada no futuro pelo Superior Tribunal de Justiça, competente para uniformizar a matéria.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.