As Leis nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que instituíram a não cumulatividade na cobrança, respectivamente, da Contribuição para o PIS e da Cofins, elencaram em seus arts. 3º, as hipóteses em que o contribuinte poderá descontar, do valor apurado dessas contribuições, créditos em relação a custos, despesas e encargos.
Dentre essas hipóteses, as pessoas jurídicas poderão descontar créditos em relação as aquisições efetuadas no mês, de bens para revenda, e as aquisições efetuadas no mês utilizados como insumo na prestação de serviços e na fabricação ou produção de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes.
A Instrução Normativa (IN) SRF nº 404, de 12 de março de 2004, que regulamentava a cobrança da Cofins não cumulativa, trazia informações para o fim de aclarar qual seria o custo desses bens destinados para revenda e insumos. Dizia a referida Instrução Normativa quanto aos créditos a descontar:
“Art. 8º Do valor apurado na forma do art. 7º, a pessoa jurídica pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:
I – das aquisições efetuadas no mês:
- a) de bens para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos nos incisos III e IV do § 1º do art. 4º;
- b) de bens e serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes, utilizados como insumos: (…)
- 3º Para efeitos do disposto no inciso I, deve ser observado que:
I – o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente na aquisição, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens;
II – o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços”.
A norma mencionada, ao dispor que determinado imposto inclui-se ou não se inclui no “custo dos bens” ou no “custo de aquisição de bens e serviços”, para efeito do cálculo dos créditos, deixava claro que as regras que regulamentavam a cobrança do PIS e da Cofins considerava o custo de aquisição como a base de cálculo desses créditos.
Por essa razão, dispunha a IN SRF nº 404, de 2004, que o IPI incidente na operação, quando recuperável, não integra o valor do custo dos bens, e que o ICMS integra o valor do custo de aquisição de bens e serviços.
Há uma razão pela qual o ICMS está incluído no valor do custo de aquisição de bens e serviços, conforme previa do art. 8º, § 3º, II da IN SRF nº 404, de 2004. Nos termos do disposto no art. 13, § 1º, I da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, o montante do ICMS integra sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. Trata-se do chamado cálculo “por dentro”, que acarreta o seguinte efeito, o montante do imposto não pode ser dissociado do valor da mercadoria e, por essa razão, integra o seu custo de aquisição.
Eis o teor do artigo da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996:
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
(…)
- 1o Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:
I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle”,
Por isso, no regime de apuração não cumulativa do PIS e da Cofins, o valor do ICMS, incidente na aquisição integra a base de cálculo da Cofins para fins de crédito e faz parte do custo de aquisição do bem ou serviço.
Contudo, recentemente, a pretexto de consolidar as normas sobre apuração de PIS e Cofins, a Instrução Normativa RFB nº 1911, de 11 de outubro de 2019, acabou por revogar todas as normas regulamentares anteriores, inclusive o inciso II, do § 3º do artigo 8º da Instrução Normativa n. 404, de 2004.
Ocorre que na nova regulamentação foi suprimida a norma que autorizava a apuração do crédito de PIS e Cofins sobre todo o custo de aquisição de bens e serviços, incluindo o ICMS. Isso leva ao entendimento que a Receita Federal poderá exigir a exclusão do ICMS na apuração de créditos, o que pode ser questionável, pois o imposto integra o preço da mercadoria.
Note-se que a Lei no 10.833, de 29 de dezembro de 2003 e Lei no 10.637, de 30 de dezembro de 2002, ao dispor que a pessoa jurídica poderá descontar créditos de bens e serviços, estabelece que a dedução deve ser calculada sobre o valor desses bens, visto que o parágrafo 1º, inciso I, do art. 3º das Leis n. 10637 e 10833 alude ao “valor … dos itens mencionados nos incisos …”.
O termo “valor” é mais abrangente do que o preço de aquisição, e pode englobar, além do preço, outros gastos. Há que se ressaltar que o preço sempre está inserido no valor.
Assim, a Instrução Normativa RFB nº 1911, de 11 de outubro de 2019, ao suprimir o valor do ICMS, incidente na aquisição, na base de cálculo da Cofins para fins de crédito, é ilegal, por contrariar a lei, o que pode levar a discussões judiciais.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.