O STJ pacificou o entendimento no sentido de que a inclusão da capatazia no valor aduaneiro, majora ilegalmente a base de cálculo do imposto de importação.
Trata-se do seguinte. Capatazia, nos termos do artigo 40, §, I da Lei 12.815/2013, é a “atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário”.
Para a consecução da atividade é cobrada uma taxa pela administradora chamada taxa de capatazia.
Ocorre que a Receita Federal tem exigido dos importadores a inclusão dos gastos com a capatazia no valor aduaneiro, que é a base de cálculo do Imposto de Importação.
O valor aduaneiro, por sua vez, é apurado na forma prevista no Acordo Sobre a Implementação do Artigo VII do GATT (Acordo de Valoração Aduaneira – AVA-GATT), aprovado pelo Decreto Legislativo n° 30/94 e promulgado pelo Decreto Executivo nº 1.355/94, o qual estabelece as principais regras sobre valoração aduaneira no país.
O GATT é um acordo internacional sobre tarifas e comércio firmado entre diversos países integrantes da OMC, que trata do comércio de bens e tem por finalidade acabar com a discriminação, reduzir tarifas e outras barreiras ao comércio internacional de bens. As normas do Tratado Internacional referido são aplicáveis no País e prevalecem sobre a legislação tributária interna nos exatos termos dos artigos 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal, 96 e 98 do Código Tributário Nacional.
A aplicação do AVA-GATT quanto aos gastos com capatazia, atualmente, é disciplinada pelos artigos 76 a 83 do Decreto no 6.759/2009 e pela Instrução Normativa SRF nº 327/03.
O artigo 1º do AVA-GATT estabelece que “o valor aduaneiro de mercadorias importadas será o valor de transação, isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições do Artigo 8º”.
Já o artigo 8º, item 2, alíneas “a”, “b” e “c”, da Parte II do GATT estabelece que “ao elaborar sua legislação, cada Membro deverá prever a inclusão ou exclusão, no valor aduaneiro, no todo ou em parte, dos seguintes elementos: a) o custo de transportes de mercadoria importadas até o ponto ou local de importação. b) os gastos relativos ao carregamento, descarregamento e manuseio, associados ao transporte das mercadorias importadas até o porto ou local de impo ou local de importação. E c) o custo do seguro (…)”.
No Brasil, o artigo 77 do Decreto nº 6.759/2009 deixa claro, que o país resolveu incluir para fins de determinação do valor aduaneiro os itens “a”, “b” e “c”, mencionados acima, in verbis:
“Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado:
I – o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;
II – os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e
III – o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II”.
Ocorre que o artigo 4º, § 3º da IN SRF 327/2003 estabelece que os gastos relativos à descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, independentemente da responsabilidade pelo ônus financeiro e da denominação adotada.
Em outras palavras, a IN SRF 237/2003, desconsidera que somente integram o valor aduaneiro os gastos de carga e descarga associados ao transporte da mercadoria até o porto ou o aeroporto (AVA-GATT e artigo 77 do Decreto nº 6.759/2009), e manda incluir os gastos de descarga de mercadoria após a entrada no porto/aeroporto.
A expressão “até o porto ou o aeroporto” claramente não engloba os gastos de descarga dos bens importados no território nacional, pois se trata de despesa que ocorre após a chegada ao porto. As únicas despesas com movimentação de cargas que podem ser incluídas na base de cálculo (valor aduaneiro) são aquelas realizadas no porto de origem e durante o transporte dos bens importados, devendo ser suprimidas as despesas que eventualmente são dispendidas entre a chegada da mercadoria no porto brasileiro e o desembaraço aduaneiro.
Em vista disso, a Instrução Normativa SRF 327, de 2003 ao determinar que os gastos de descarga da mercadoria do veículo de transporte internacional no território nacional serão incluídos no valor aduaneiro, violou o art. 8º do Acordo de Valoração Aduaneira (que prevalece sobre a legislação interna) e o art. 77 do Decreto nº 6.759/2009, pois majorou a base de cálculo do imposto de importação, uma vez que autoriza que as despesas atinentes à descarga das mercadorias ocorridas após a chegada no porto alfandegado sejam considerados na determinação do imposto.
Tanto a Primeira Turma, como a Segunda Turma do STJ adotaram essa posição, conforme ementas:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESAS DE CAPATAZIA. INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 4º, § 3º, DA IN SRF 327/2003. ILEGALIDADE.
O Acordo de Valoração Aduaneiro e o Decreto 6.759/2009, ao mencionar os gastos a serem computados no valor aduaneiro, referem-se à despesas com carga, descarga e manuseio das mercadorias importadas até o porto alfandegado. A Instrução Normativa 327/2003, por seu turno, refere-se a valores relativos à descarga das mercadorias importadas, já no território nacional.
A Instrução Normativa 327/2003 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado. Precedentes: AgRg no REsp 1.434.650/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; REsp 1.239.625/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 4/11/2014.
Agravo interno não provido”.
(AgInt no REsp 1566410/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 27/10/2016)
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL, QUANTO À ALEGAÇÃO GENÉRICA DE OFENSA AOS ARTS. 489, 1.022 E 1.025 DO CPC/2015. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS DISPOSIÇÕES DO DECRETO 92.930/86, DA CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS E DO ART. 3.2 DO ENTENDIMENTO RELATIVO ÀS NORMAS E PROCEDIMENTOS SOBRE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (ESC). PREQUESTIONAMENTO CONFIGURADO, EM RELAÇÃO ÀS DEMAIS DISPOSIÇÕES NORMATIVAS INVOCADAS NO RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR ADUANEIRO. DESPESAS DE CAPATAZIA. INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 4º, § 3º, DA IN SRF 327/2003. ILEGALIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA PARTE, IMPROVIDO.
(…).
Na forma da jurisprudência do STJ, o art. 4º, § 3º, da IN/SRF 327/2003, ao incluir os gastos de capatazia, efetuados após a chegada da mercadoria no país importador, na constituição do valor aduaneiro, para fins de cobrança do Imposto de Importação, desbordou de seus limites de regulamentação da legislação federal. Precedentes: STJ, REsp 1.239.625/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/11/2014; AgRg no REsp 1.434.650/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/06/2015; AgInt no REsp 1.566.410/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/10/2016; REsp 1.528.204/SC, Rel. p/ acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/04/2017.
Os serviços de capatazia encontram lastro normativo constitucional e infraconstitucional idôneo para a incidência de outro imposto, de competência dos Municípios, qual seja, o imposto sobre serviços de qualquer natureza, como se constata por simples leitura do art. 156, III, da CF/88 c/c o item 87 da Lista de Serviços a que se refere o art. 8º do Decreto-lei 406/68, correspondente ao item 20 e subitens 20.01 e 20.02 da Lista de Serviços a que se refere o art. 1º da Lei Complementar 116/2003, que contemplam, como fato gerador do ISSQN, a prestação de serviços de capatazia em portos e aeroportos.
Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nessa parte, improvido”.
(REsp 1626971/SC, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 04/05/2017)
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.