Nos termos da redação original do inciso IX, § 2º do art. 155 da Constituição Federal, a incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto na importação de bem por pessoa física. De acordo com o STF, não sendo comerciante, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadoria. (RE 203075, Relator: Min. Ilmar Galvão, Relator p/ Acórdão: Min. Maurício Corrêa, Primeira Turma, julgado em 05/08/1998, DJ 29-10-1999, pp-00018).
Após a Emenda Constitucional 33 de 11 de dezembro de 2001 o texto constitucional foi alterado para autorizar que pessoa física fosse também alcançada pela incidência do imposto. Não obstante isso, o art. 146. III, “a” da CF/88, determina a necessidade de edição de lei complementar para definir o fato jurídico tributário, base de cálculo e os contribuintes abrangidos pela incidência. Assim, para aplicar a nova norma constitucional seria necessária a elaboração de uma lei complementar regulando a matéria.
Para atender o ditame constitucional foi editada a Lei Complementar n.º 114/02, alterando o inciso I do § 1º do art. 2º da Lei Complementar 87/96, que passou a ter a seguinte redação: O imposto incide também: “sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade”.
Contudo, para fazer valer a nova incidência, na esfera dos Estados é necessário a edição de lei local posterior à edição da EC 33/2011 e também da da LC 114/02. De fato, o Supremo Tribunal Federal decidiu que é necessária a edição de lei local posterior à EC. nº 33/01 e à Lei Complementar nº 114/02, para a exação tributária, conforme RE nº 439.796/PR, julgado com força de repercussão geral:.
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. PESSOA QUE NÃO SE DEDICA AO COMÉRCIO OU À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO OU DE TRANSPORTE INTERESTADUAL OU INTERMUNICIPAL. “NÃO CONTRIBUINTE”. VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2002. POSSIBILIDADE. REQUISITO DE VALIDADE. FLUXO DE POSITIVAÇÃO. EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO. 1. Há competência constitucional para estender a incidência do ICMS à operação de importação de bem destinado a pessoa que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, após a vigência da EC 33/2001. 2. A incidência do ICMS sobre operação de importação de bem não viola, em princípio, a regra da vedação à cumulatividade (art. 155, § 2º, I da Constituição), pois se não houver acumulação da carga tributária, nada haveria a ser compensado. 3. Divergência entre as expressões “bem” e “mercadoria” (arts. 155, II e 155, §2, IX, a da Constituição). É constitucional a tributação das operações de circulação jurídica de bens amparadas pela importação. A operação de importação não descacteriza, tão-somente por si, a classificação do bem importado como mercadoria. Em sentido semelhante, a circunstância de o destinatário do bem não ser contribuinte habitual do tributo também não afeta a caracterização da operação de circulação de mercadoria. Ademais, a exoneração das operações de importação pode desequilibrar as relações pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os princípios da isonomia e da livre concorrência. CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS PARA TRIBUTAÇÃO 4. Existência e suficiência de legislação infraconstitucional para instituição do tributo (violação dos arts. 146, II e 155, XII, § 2º, i da Constituição). A validade da constituição do crédito tributário depende da existência de lei complementar de normas gerais (LC 114/2002) e de legislação local resultantes do exercício da competência tributária, contemporâneas à ocorrência do fato jurídico que se pretenda tributar. 5. Modificações da legislação federal ou local anteriores à EC 33/2001 não foram convalidadas, na medida em que inexistente o fenômeno da “constitucionalização superveniente” no sistema jurídico brasileiro. A ampliação da hipótese de incidência, da base de cálculo e da sujeição passiva da regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior à EC 33/2001 e à LC 114/2002 não serve de fundamento de validade à tributação das operações de importação realizadas por empresas que não sejam comerciais ou prestadoras de serviços de comunicação ou de transporte intermunicipal ou interestadual. 6. A tributação somente será admissível se também respeitadas as regras da anterioridade e da anterioridade, cuja observância se afere com base em cada legislação local que tenha modificado adequadamente a regra-matriz e que seja posterior à LC 114/2002. Recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul conhecido e ao qual se nega provimento. Recurso extraordinário interposto por FF. Claudino ao qual se dá provimento”.(RE 439796, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-051 DIVULG 14-03-2014 PUBLIC 17-03-2014)
Vale dizer, apenas se acolhe a exigência do ICMS sobre operações de importação realizadas por não contribuintes do ICMS caso exista, na esfera do Estado membro, lei posterior à Emenda Constitucional nº 33/2001 e à Lei Complementar nº 114/2002, prevendo tal hipótese de incidência.
Ocorre que, no Estado de São Paulo, a incidência do ICMS sobre operações de importação realizadas por não contribuintes foi estabelecida pela Lei Estadual nº 11.001, de 21 de dezembro de 2001, que apesar de ter sido editada após a promulgação da Emenda Constitucional nº 33/2001, é anterior à Lei Complementar nº 114/2002, o que torna inviável, a cobrança do imposto pelo Estado de SP, nos termos do entendimento consolidado no RE 439796.
Com base nisso, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem reiteradamente decidido afastar a exigência do ICMS na importação de pessoa física, não contribuinte habitual de ICMS, com fundamento em inconstitucionalidade da Lei n.º 11.001/11, por ser anterior à Lei Complementar n.º 114/02, definidora das regras previstas na EC 33/01.
Ocorre que, recentemente, no julgamento do RE 917.950 em 05.12.2017, a Segunda Turma do STF decidiu de forma contrária ao RE 439796 (com força de repercussão geral), no sentido de ser válida a lei paulista que prevê a incidência de ICMS sobre importação de veículo por pessoa física e para uso próprio, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes. De acordo como Ministro não há nulidade da norma, uma vez que ela foi editada após a Emenda Constitucional 33/2001.
Contudo, esse julgamento, até agora, não afetou o Judiciário de São Paulo, que continua aplicando o entendimento do RE nº 439.796/PR.. Prova disso é que mesmo após a decisão do RE 917.950, foram proferidas decisões para afastar a exigência do ICMS na importação de pessoa física, não contribuinte habitual de ICMS com fundamento em inconstitucionalidade da Lei n.º 11.001/11, por ser anterior à Lei Complementar n.º 114/02, definidora das regras previstas na EC 33/01.
Nesse sentido a decisão proferida no Processo 1038556-13.2017.8.26.0114, pela 1ª Vara da Fazenda Pública – Foro de Campinas, conduzido pelo escritório Fauvel de Moraes, que concedeu a segurança, para declarar a inexigibilidade do tributo para a operação de importação por pessoa física.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.