A questão da incidência do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa está longe de ser pacificada. Existem diversas decisões do STJ no sentido de que não cabe a incidência do ICMS nestas operações.
Contudo, o STJ analisou a questão sob outro enfoque. No caso analisado, o contribuinte não discutiu se cabe ou não a incidência de ICMS nas operações interestaduais de transferência, pois partiu do pressuposto que haveria incidência. A discussão versou sobre a base de cálculo incidente nas operações de transferência.
No caso analisado, uma empresa foi autuada pelo RS, porque o referido estado entendeu que nas operações de entrada de mercadorias recebidas por transferência de filial localizada em SP houve apropriação indevida de créditos de ICMS.
A operação era realizada da seguinte forma: O estabelecimento industrial da empresa, localizado em SP, Capital, transferia a produção para outro estabelecimento comercial localizado em São Bernardo, SP, chamado de Centro de Distribuição – CD. Nessa transferência, a contribuinte apurava e recolhia o ICMS tomando por base o valor da entrada mais recente. Para finalidade de valor patrimonial dos produtos estocados no CD, a contribuinte indicava o preço de custo da mercadoria produzida.
O CD, por sua vez, transferia as mercadorias recebidas do estabelecimento industrial, para estabelecimentos comerciais também da mesma empresa, localizados em outros estados, aplicando o “valor da entrada mais recente” como base de cálculo do imposto (valor bem próximo ao valor da venda final).
No entanto, de acordo com a fiscalização do RS, a base de cálculo nas transferências realizadas entre o centro de distribuição de SP e o estabelecimento comercial no RS deveria ser o valor do custo da mercadoria, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento e não o valor da entrada mais recente. Ainda segundo a fiscalização do RS, eventuais transferências internas realizadas dentro do Estado de São Paulo entre estabelecimentos da mesma empresa não alteram essa regra.
Assim, segundo a fiscalização gaúcha, se um estabelecimento industrial transferir mercadorias de sua produção a outro estabelecimento comercial da mesma empresa, sendo ambos situados no mesmo Estado, e este estabelecimento comercial transferir as mercadorias para filial localizada em outra Unidade da federação, a base de cálculo desta última transferência será o custo da mercadoria produzida, em respeito ao disposto no inciso II do § 4º do artigo 13 da Lei Complementar nº 87/96.
Para melhor entendimento, transcrevo o artigo 13, § 4º da Lei Complementar 87/96:
“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
§ 4º Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é:
I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento”.
Vale dizer, a contribuinte aplicava o artigo 13, § 4º, inciso I, e o fisco gaúcho entendeu que deveria ser aplicado o artigo 13, § 4º, inciso II, da LC 87/96.
De acordo com o RS, o procedimento da contribuinte (que aplicava o artigo 13, § 4º, I, da Lei Complementar 87/96) ocasionava destaque a maior de ICMS, e, portanto, apropriação indevida de créditos e diminuição do saldo de imposto a pagar no tocante às transferências de mercadorias feitas pelo CD paulista para o estabelecimento localizado no RS. Alegou ainda que a contribuinte agia dessa forma para, aproveitar incentivos fiscais no Estado de origem – SP.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu ganho de causa ao Estado do Rio Grande do Sul. Inconformada, a contribuinte recorreu ao STJ que manteve a decisão do TJRS, aduzindo que o Centro de Distribuição é mero prolongamento do parque industrial, e que “o ICMS nas operações interestaduais entre os estabelecimentos do mesmo titular – centro de distribuição (SP) e filial de vendas (RS) – deve ter por base de cálculo o custo da produção (art. 13, § 4º, II, da LC 87/1996), e não o valor de entrada”.
Eis parte da ementa:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. BASE DE CÁLCULO. ESTABELECIMENTOS. MESMO TITULAR. TRANSFERÊNCIA ENTRE FÁBRICA E CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO. ARTIGO 13, § 4º, DA LC 87/96.
1. Discute-se a base de cálculo do ICMS em operações efetuadas pela recorrente entre a Fábrica (SP), o Centro de Distribuição (SP) e a Filial situada no Rio Grande do Sul. Precisamente, a controvérsia refere-se à base de cálculo adotada na saída de produtos do Centro de Distribuição com destino ao Estado gaúcho, o que demanda a interpretação do artigo 13, § 4º, da LC 87/96.
2. Em resumo, a recorrente fabrica mercadorias em São Paulo-SP e as transfere às filiais espalhadas pelo Brasil. Em virtude do grande volume, utiliza, algumas vezes, o Centro de Distribuição localizado em São Bernardo do Campo-SP, antes de proceder à remessa.
3. Constatou o aresto que, na saída das mercadorias do Centro de Distribuição paulista, a recorrente registrava como valor das mercadorias um preço superior ao custo de produção, próximo ou maior do que o valor final do produto (nas alienações ocorridas entre a Filial gaúcha e o comércio varejista ou atacadista daquele Estado).
4. A sociedade empresária recolheu aos cofres paulistas ICMS calculado com base no valor majorado, gerando crédito na entrada dos bens na Filial do RS, onde a alienação das mercadorias a terceiros acarretou débito de ICMS, que acabou compensado com os créditos anteriores pagos ao Estado de São Paulo. Em consequência, concluiu o acórdão recorrido: “… o Estado de origem acaba ficando com todo o imposto, e o Estado de destino apenas com o dever de admitir e compensar os créditos do contribuinte” (fl. 1.172v).
5. A questão jurídica em debate, portanto, refere-se à base de cálculo do ICMS na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado do mesmo titular – artigo 13, § 4º, da LC 87/96.
6. Na espécie, por diversas razões a base de cálculo do ICMS deve ser o custo da mercadoria produzida nos termos do artigo 13, § 4º, II, da LC 87/96 (e não a entrada mais recente).
7. Em primeiro, a interpretação da norma deve ser restritiva, pois o citado parágrafo estabelece bases de cálculos específicas. Em segundo, os incisos estão conectados às atividades do sujeito passivo, devendo ser utilizado o inciso II para estabelecimento industrial. Em terceiro, a norma visa evitar o conflito federativo pela arrecadação do tributo, o que impede a interpretação que possibilita o sujeito passivo direcionar o valor do tributo ao Estado que melhor lhe convier.
(…)
16. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte”.
(REsp 1109298/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 25/05/2011)
Após a decisão do RESP, o contribuinte opôs ainda dois embargos de declaração, tendo o último sido rejeitado em julgamento realizado em 2013.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.