Existe uma operação de reestruturação societária que vem sendo muito utilizada nos últimos anos, trata-se da operação de incorporação de ações prevista no artigo 252 da Lei das Sociedades por Ações.
Por meio desta operação são incorporadas todas as ações do capital social de uma sociedade ao patrimônio de outra sociedade, de forma que, a primeira, transforma-se em subsidiária integral, tornando-se a única acionista da companhia cujas ações foram incorporadas. A sociedade que teve suas ações incorporadas continua a existir com seus direitos e obrigações, mas com a alteração do controle acionário.
Por outro lado, a sociedade incorporadora das ações aumenta seu capital mediante a emissão de novas ações, a serem subscritas pelos antigos acionistas da sociedade convertida em subsidiária integral. Ou seja, os acionistas da companhia cujas ações foram incorporadas adquirem participação societária na incorporadora, entregando para isso as ações originárias.
A operação de incorporação de sociedades, não se confunde com a operação de incorporação de ações. A primeira está prevista no artigo 227 da Lei das SA. De acordo com o artigo 227, a incorporação de sociedades ocorre quando uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, sendo que a sociedade incorporada deixa de existir.
A incorporação de ações tem sido utilizada para diversas finalidades.
De fato, a operação é um meio alternativo para a mudança de controle das sociedades, para fugir das implicações de uma simples transferência de controle. E isto porque, na alienação pura e simples do controle da companhia, o novo controlador tem a obrigação de realizar oferta pública para adquirir as ações pertencentes aos acionistas minoritários titulares de ações com direito a voto (art. 254-A da Lei das S.A.), De acordo com o artigo 254-A “a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle”.
Mas não é somente para esta finalidade que a operação é adotada. Em algumas hipóteses, a sociedade que terá suas ações incorporadas pode ter um regime fiscal especial que não quer abrir mão, ou alguma autorização para operar que não pode ser transferida por meio de sucessão, ou ainda, pode ser que realize atividades por meio de concessão pública e, para manter a atividade pretende continuar com personalidade jurídica própria.
Para fins tributários, na incorporação de ações, se a sociedade cujas ações foram incorporadas tiver prejuízos fiscais acumulados ou créditos tributários acumulados, não perderá o direito de utilizá-los. Por outro lado, na incorporação de sociedades o prejuízo não seria aproveitado.
Daniel Kalansky, esclarece que “do ponto de vista tributário, na incorporação de sociedade perde-se o direito de compensar prejuízos e créditos tributários existentes na companhia incorporada, enquanto na incorporação de ações a possibilidade de apropriação das vantagens fiscais pela operação lucrativa da companhia após a reestruturação pode motivar a utilização desta operação. Além disso, existem casos em que a sociedade incorporada tem regime fiscal especial que não pode ser transferido por meio de sucessão e, para mantê-lo é preciso continuar com personalidade própria” (Incorporação de ações: estudo de casos e precedentes. São Paulo: Saraiva, 2012. p.43)
Ademais, na incorporação de ações, tendo em vista que a sociedade que teve suas ações incorporadas permanece, não há transferência da responsabilidade sobre os seus passivos.
Pois bem, um contribuinte, pessoa física, foi autuado, pois, segundo o fisco, omitiu o ganho de capital obtido “na alienação de sua participação societária” (realizada por meio de incorporação de ações).
No caso fiscalizado, ocorreu a incorporação das ações da empresa X, pela empresa Y, que se efetivou pelo valor de mercado. O contribuinte autuado, pessoa física, deixou de ser detentor de 45.000.999 ações da empresa X, no valor de R$ 45.000.999,00, e passou a possuir 287.995.524 novas ações da empresa Y, no montante de R$ 287.995.524,00. Segundo a Fiscalização, a incorporação de ações teria resultado em um acréscimo do patrimônio do contribuinte no valor de R$242.994.525,00 (R$ 287.995.524,00 – R$ 45.000.999,00). Em face disso, a Fiscalização concluiu ter se configurado ganho de capital na alienação de participação societária, ou seja, acréscimo patrimonial omitido pelo contribuinte, sujeito à incidência do IRPF.
Pois bem a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF analisou o assunto e por maioria, decidiu cancelar o Auto de Infração, por entender que não há ganho de capital na operação de incorporação de ações. Segundo o julgado:
– A operação de incorporação de ações tem natureza de permuta, pois o acionista entrega a sua participação societária em troca de novas ações, cujo valor pode ser idêntico, inferior ou superior ao valor de custo;
– A circunstância de que as novas ações tem valor superior ao valor contabilizado (ou valor de custo), não significa que ocorreu acréscimo patrimonial, pois não há disponibilidade efetiva de renda, que somente ocorrerá quando o contribuinte vender a participação societária, recebendo, em contrapartida, o preço. O ganho de capital, portanto, depende da realização da renda;
– No momento que ocorrer a alienação efetiva das ações é que se poderá avaliar se houve ganho de capital tributável. Por enquanto o “ganho” decorrente da troca de ações é puramente potencial;
– Não se pode esquecer que o mercado de capitais é volúvel, em vista disso, as ações do contribuinte podem desvalorizar, bem como ter nova valorização, e assim sucessivamente;
– O contribuinte ainda não recebeu dinheiro pelas ações, mas outras ações, cujo valor, ainda que superior, poderá ser momentâneo, diante da variação do valor das ações no tempo;
– Desta forma, não ocorreu ganho de capital tributável pelo IRPF, pois não houve acréscimo patrimonial, mas mera possibilidade de acréscimo, a ser verificado quando da efetiva alienação destas ações.
Eis a ementa do julgado
“IRPF – OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DE GANHO DE CAPITAL. A figura da incorporação de ações, prevista no artigo 252 da Lei n° 6.404/76, difere da incorporação de sociedades e da subscrição de capital em bens. Com a incorporação de ações, ocorre a transmissão da totalidade das ações (e não do patrimônio) e a incorporada passa a ser subsidiária integral da incorporadora, sem ser extinta, ou seja, permanecendo com direitos e obrigações. Neste caso, se dá a substituição no patrimônio do sócio, por idêntico valor, das ações da empresa incorporada pelas ações da empresa incorporadora, sem sua participação, pois quem delibera são as pessoas jurídicas envolvidas na operação. Os sócios, pessoas físicas, independentemente de terem ou não aprovado a operação na assembléia de acionistas que a aprovou, devem, apenas, promover tal alteração em suas declarações de ajuste anual. Ademais, nos termos do artigo 38, § único, do RIR/99, a tributação do imposto sobre a renda para as pessoas físicas está sujeita ao regime de caixa, sendo que, no caso, o contribuinte não recebeu nenhum numerário em razão da operação autuada. Não se aplicam à incorporação de ações o artigo 3°, § 3°, da Lei n° 7.713/88, nem tampouco o artigo 23 da Lei n° 9.249/95. Inexistência de fundamento legal que autorize a exigência de imposto de renda pessoa física por ganho de capital na incorporação de ações em apreço.Recurso especial negado”. (CARF – Câmara Superior de Recursos Fiscais CSRF, ACÓRDÃO: 9202-003.579, Processo nº 10680.726772/2011-88)
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.