A Fazenda Pública goza de diversos benefícios processuais que não são concedidos aos particulares (contribuintes, administrados e cidadãos).
Dentre eles posso citar que a Fazenda Pública tem prazo em dobro para recorrer e quádruplo para contestar, juízo privativo, processo especial de execução (a execução fiscal tem uma lei própria e não segue as regras das execuções entre particulares).
Essas prerrogativas devem ficar restritas ao que está previsto na lei. Não podem ser ampliadas sem lei que as fundamente, sob pena de se tornarem atos arbitrários, o que pode levar à violação de diversos princípios constitucionais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Ressalto que se é verdade que existem muitos contribuintes que realmente agem em desacordo com a lei, existem muitos outros que são executados por razões diversas, como discordância do valor devido, execuções decorrentes de guerras fiscais (quando dois entes públicos, por exemplo, dois municípios, exigem o mesmo tributo), execução indevida em decorrência de autos de infração mal lavrados, dentre outras.
Recentemente, em decorrência da minha atividade, analisei diversas execuções fiscais, que tramitam tanto na esfera federal, como na esfera estadual, e fiquei perplexa.
De fato, partindo do pressuposto que a Fazenda Pública sempre tem razão (o que não é verdade) na prática estão sendo desatendidos princípios básicos e fundamentais do processo em prejuízo flagrante dos contribuintes.
Geralmente isto ocorre para que se faça a penhora das contas dos contribuintes na surdina, sem que ele tenha nenhum direito de defesa, pois depois do ato realizado, é difícil revertê-lo.
Para ilustrar, vou comentar alguns deles:
Caso 1:
A execução fiscal foi proposta contra crédito tributário que estava parcialmente suspenso por decisão judicial do Tribunal, em desobediência à decisão judicial.
Na execução foi fornecido o endereço incorreto do contribuinte, sendo que a Fazenda Pública, no caso, sabia o endereço correto, pois existem diversas ações em que ambos litigam. Saliento que o contribuinte já havia mudado de endereço há 23 anos.
A citação deveria ser por carta, mas no processo não há qualquer comprovante da expedição de carta de citação e, o AR (Aviso de Recepção) do correio que comprovaria a citação, jamais voltou ou foi anexado aos autos.
Para ter garantia absoluta da entrega da carta registrada ao executado, o legislador obriga a expedição do registrado postal com aviso de recebimento. Referido recibo de recepção deverá ser anexado aos autos para provar que a citação chegou a seu destinatário, isto é, que foi realizada a citação, formando, assim, a triangularidade necessária ao processo. O AR (Aviso de Recepção) é a única prova de que a citação se perfez, por isso a lei exige que seja imediatamente anexado ao processo.
Mas no caso, todas as informações sobre a realização da citação foram fornecidas pela Fazenda Pública (que é parte no processo) e a serventia certificou a realização da citação com base nas informações da Fazenda em flagrante violação ao devido processo legal, assegurado pela CF/88 no art. 5º LIV.
É evidente que não pode participar do ato citatório dando informações sobre o mesmo a Fazenda Pública, pois ela é parte no processo e, nesta qualidade, não tem o dever de imparcialidade. Apenas os magistrados estão submetidos ao dever da imparcialidade, por isso mesmo somente ao Poder Judiciário cabe realizar os atos de citação.
O juiz pediu à serventia para juntar o AR no processo e a serventia certificou que não localizou o A R devido ao grande volume de citações.
Ao deixar de localizar o AR, foi desatendido o Parecer da Corregedoria, que menciona que “os AR ficarão arquivados e só serão juntados aos autos mediante determinação expressa do M.M. Juiz para elucidar eventual impugnação que se torne necessária a providência”;
A falta de citação do contribuinte, que em verdade nunca foi realizada, resultou em prejuízo evidente, que culminou com a penhora de dinheiro.
Caso 2:
Um contribuinte ao saber que estava sofrendo ação de execução fiscal, apresentou defesa (exceção de pré-executividade). Após a apresentação da defesa, transcorreu um ano sem que o contribuinte fosse intimado dos atos processuais ocorridos depois do seu ingresso no processo, apesar de ter advogado constituído.
O contribuinte não foi intimado sequer da decisão que julgou sua exceção.
A falta de intimação dos atos processuais culminou com a penhora on line das conta-corrente, o que o alertou quanto ao fato de que o processo transcorreu à sua revelia.
Mas os vícios processuais não se limitaram à falta de intimação do contribuinte. A mesma decisão que rejeitou à exceção de pré-executividade apresentada pelo contribuinte, também determinou penhora “on-line”.
Jamais poderiam essas duas decisões serem proferidas em conjunto, pois ao proceder desse modo, se suprime a oportunidade do contribuinte de ter ciência de que foi vencido retirando-lhe o direito de pagar o crédito tributário, ou de parcelá-lo, ou mesmo de apresentar recurso com efeito suspensivo, o que caracteriza evidente prejuízo.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.