Tributário nos Bastidores

Tributário nos Bastidores

Como fica a coisa julgada tributária benéfica a uma sociedade quando esta sofre operação societária

xa7Existem diversas ações ajuizadas por pessoas jurídicas, que têm por objetivo o reconhecimento do direito de não recolher, ou recolher a menor um determinado tributo inclusive em operações futuras.

Quando o contribuinte sai vencedor, a decisão final e definitiva proferida no processo que declara indevida a cobrança do tributo faz coisa julgada. Vale dizer, a decisão judicial torna-se imutável e indiscutível e a eficácia da decisão perdurará enquanto estiver em vigor a lei em que se baseou e que interpretou para julgar procedente a ação.

A pessoa jurídica beneficiada pela coisa julgada alcança um benefício inestimável e que pode redundar na economia de valores relevantes e inclusive influir no “preço” da sociedade.

Ocorre que, nos dias de hoje, não é novidade que as operações societárias – fusão, cisão, incorporação e transformação – têm se tornado cada vez mais frequentes. Estas operações acarretam modificações profundas na estrutura das sociedades.

A questão que surge, nesses casos, é se a pessoa jurídica que sofreu alterações societárias continua ter o direito à coisa julgada de cunho tributário.

Obviamente que cada operação deverá ser analisada individualmente.

Abaixo, segue análise de um caso concreto, no qual a sociedade sofreu operação de transformação.

Está em causa saber se as modificações nos estatutos sociais da sociedade XX: (i) alteração da denominação e (ii) mudança do objeto social, acarretaram a perda do direito da sociedade YY de aproveitar os efeitos da coisa julgada.

Alteração no Objeto Social

O ato constitutivo é elemento indispensável para a formação da sociedade, sem o qual ela não existe. “O ato constitutivo não se refere à pessoa jurídica; refere-se à entidade que vai ser personificada” (cf. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Editor Borsoi, V. I, fls. 358) e nele deve ser indicado, o nome, a sede, o objeto, a administração, a reformabilidade e o modo, a responsabilidade dos membros, a maneira de se extinguir a pessoa jurídica e o destino do patrimônio no caso de extinção.

Uma vez instituída e arquivado o seu ato constitutivo no Registro de Comércio, nasce juridicamente a sociedade, adquirindo personalidade e autonomia própria. A aquisição da personalidade jurídica implica o começo da existência legal das pessoas jurídicas de direito privado (artigo 45 do CC). A personalidade capacita a pessoa jurídica para ser sujeito de direitos e obrigações, vale dizer, a personalidade jurídica implica na capacidade de direito e na capacidade de ter patrimônio.

Essa personalização acarreta três consequências bastante precisas, conforme leciona Fábio Ulhoa Coelho: 1) titularidade negocial – capacidade para assumir um dos pólos da relação negocial; 2) titularidade processual – capacidade para ser parte processual; a sociedade pode demandar em juízo; 3) responsabilidade patrimonial – patrimônio próprio, inconfundível e incomunicável com o patrimônio de cada um dos sócios (in “Curso de direito comercial”. São Paulo: Saraiva, 11a. ed., 2008, p. 14/16).

Pois bem, um dos principais elementos do ato constitutivo é o objeto, que é o gênero da atividade econômica, necessário verificar se sua alteração configurou a dissolução da sociedade, com a correspondente extinção da personalidade jurídica anterior e, nesta hipótese, a sociedade YY não seria titular do direito reconhecido pelo Poder Judiciário de não pagar o tributo …., ou se as alterações processadas não modificaram a plena identidade da sociedade e não implicaram na extinção da personalidade jurídica anterior e, consequentemente, persistiria o direito da sociedade YY de continuar a usufruir dos efeitos da coisa julgada.

A mudança do objeto social é uma das hipóteses de transformação da pessoa jurídica, muito embora nas normas que tratam da matéria conste que a operação de transformação da sociedade consiste na modificação da forma (tipo – sociedade limitada para sociedade anônima, etc.)

Nesse sentido, Walter T. Álvares comenta:

“…podemos distinguir nitidamente na transformação de sociedades dois aspectos fundamentais: a) transformação do objeto; b) transformação da forma.

A transformação orgânica pode consistir na passagem para o novo objeto social, pondera Mossa, de sorte que, uma sociedade que explora determinado empreendimento abandona-o por um outro de natureza distinta…

Enquanto isto, a sociedade pode também mudar de forma, e então, a transformação será uma troca de roupagem jurídica” (Direito Comercial, v. I, 3ª Ed. p. 352/353).

A transformação desencadeou no passado grandes debates jurídicos, pois havia divergências no sentido de se estabelecer se a referida operação acarretaria a criação de nova sociedade, ou se a antiga sociedade subsistiria. Havia três posições distintas segundo as quais: (i) a transformação consistiria numa dissolução seguida da criação de outra pessoa jurídica; (ii) a transformação seria uma novação; (iii) a transformação se consubstanciaria em mera alteração societária não atingindo a personalidade jurídica da sociedade, que permaneceria intocada.

Em outras palavras, questionou‑se se a transformação implicaria necessariamente na constituição de uma nova pessoa jurídica, de tipo diverso da sociedade transformada.

José Xavier Carvalho de Mendonça entendia que:

“A transformação produz a dissolução da sociedade lá existente, importando a constituição de nova?

Geralmente se resolve a questão mediante o seguinte critério: se a transfor­mação é autorizada pelo contrato social ou pelos estatutos, conservando os mesmos elementos, o mesmo objeto, o mesmo capital e os mesmos sócios, considera‑se modificação ao con­trato social. Nesse caso, a pessoa jurídica subsiste, gravada com o passivo anterior à transformação, não se altera o fun­do, mas simplesmente a forma, que, na frase de Vivante, tem mera função instrumental, secundária, relativamente ao es­copo prático a que os sócios se propõem. A transformação é a execução de uma cláusula contratual Dá‑se aqui a transfor­mação que se denomina pura ou simples.

Se, porém, a trans­formação não é autorizada pelo contrato primordial ou pelos estatutos, importa a constituição de nova sociedade. Para es­se fim é essencial o consentimento expresso de todos os sócios. Essa transformação é chamada constitutiva.

Outrossim, exis­te nova sociedade se, não obstante autorizada a transforma­ção pelo contrato social ou pelos estatutos, se adicionam elementos novos, como se muda o objeto ou aumenta o capital” (Tratado de Direito Comercial, vol. 3, Ed. Livraria Freitas Bastos, 1963, p. 64/65).

Tal teoria entendia que a personalidade jurídica das so­ciedades se materializa na espécie, tipo ou forma legal assumida e, em razão disso, na operação de transformação, seja pela mudança do objeto social ou do tipo, a pessoa jurídica anterior permaneceria até o instante em que se transforma em outra pessoa jurídica acarretando sempre a constituição de uma outra pessoa jurí­dica sem que, entretanto, desapareçam as partes que integravam a antiga pessoa jurídica.

Por sua vez, Waldemar Ferreira e Cunha Peixoto entendiam que na transformação mantém-se incólume a personalidade jurídica da sociedade (Waldemar Ferreira in Tratado de Direito Comercial, Saraiva, v. 3, 1961, p. 223/224 e Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, in Sociedade por Ações, Saraiva, 1973, vol. 5, p. 5).

Atualmente a transformação vem tratada no artigo 220 da Lei das S.A, segundo a qual “a transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro”.

Tal conceito foi confirmado pelo art. 1.113 Código Civil vigente, nos seguintes termos: “O ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se.”

Assim, a transformação, tal como é concebida no atual art. 220 da Lei das S.A e no artigo 1.113 do Código Civil, não importa a dissolução da sociedade, a qual continua a existir. Não tem mais vez o debate a respeito da natureza da transformação, quando foi sustentada a chamada teoria da dissolução seguida da criação de outra pessoa jurídica e a teoria da novação.

A doutrina recente tem seguido agora sem divergências a teoria da identidade ou continuação, ou seja, tem entendido que o ato de transformação se processa sem que se altere a plena identidade da sociedade e, designadamente, sem que ocorra a dissolução dela, constituindo tal ato uma emanação do princípio geral da liberdade dos sócios de alterarem o pacto social.

Desta feita, a transformação, conservando a personalidade jurídica da sociedade, produz modificação nos seus atos constitutivos, contudo, não opera a dissolução (art. 1.087 CC), mas sim a continuação do organismo social precedente. Não se produz nenhuma alteração subjetiva, mas apenas a modificação na estrutura. Os direitos e as obrigações perante terceiros permanecem na sociedade transformada, não há alteração nas relações contratuais e extracontratuais anteriores da sociedade, razão pela qual a mudança do objeto social da XX, atual YY, não acarretaria a perda do direito de usufruir da coisa julgada.

Não se pode perder de vista que a própria Receita Federal entende que a “transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro (Lei das S.A. – Lei nº 6.404, de 1976, art. 220)”, conforme publicado no seu site.

Não obstante isso, a transformação é tratada pelo artigo 132 do CTN, que está localizado na seção II do Capítulo V, que trata da responsabilidade dos sucessores, in verbis:

“Art.132. Apessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas”.

Por tratar a transformação como uma operação que produz uma relação de sucessão, pode ser que o fisco venha a entender que o CTN adotou a concepção de que a transformação acarreta a dissolução da sociedade – seguida de reconstituição ou novação e assim, que a sociedade transformada é sucessora da antecedente. Contudo, mesmo que o fisco venha a entender que na verdade ocorreu uma sucessão, no nosso entendimento, a YY continuará a gozar dos efeitos da coisa julgada.

De fato, nos termos do artigo 472 do CPC, primeira parte, via de regra, “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não se beneficiando, nem prejudicando terceiros”.

Entende-se, porém, como partes, para fins de determinação dos limites subjetivos da coisa julgada, não apenas as que se confrontaram no processo como autores e réus, mas também: a) os sucessores das partes, a título universal, b) o substituído, no caso de substituição processual; c) em certos casos, o sucessor a título singular, como o adquirente da coisa litigiosa.

Atualmente, não se questiona mais se a coisa julgada atinge os sucessores das partes. Egas Muniz de Aragão ensina: “Se a res é submetida à apreciação do juiz, para que a seu respeito profira julgamento, este sobre ela recai, convertendo-se em res judicata. Ao ser a res transmitida, mortis causa ou inter vivos, o adquirente a recebe tal como existente perante o Direito no momento da transmissão, isto é, como iudicata. Logo, a extensão da coisa julgada aos sucessores não infringe o artigo 472 do CPC. A alienação lhes transfere os cômodos e os incômodos, os ônus, vantagens, direitos, deveres e obrigações”.(in “Sentença e Coisa Julgada”, p. 302 – destacamos)

E este entendimento decorre do próprio conceito de sucessão que significa substituição (sub + cedere). Isto é, a sucessão determina a transferência de deveres e de direitos a outrem. Portanto, é pacífico que a coisa julgada exerce efeitos extra partes no caso de sucessão e desta forma não pode haver dúvidas de que a coisa julgada transmite-se ao sucessor.

Alteração da Denominação Social

A mudança da denominação social não afeta a personalidade jurídica da sociedade, e isto porque as normas que tratam da denominação social visam proteger o nome empresarial e estabelecer regras relativas à denominação em razão do tipo social.

Estas normas estão previstas especialmente na Lei das S.A. e no Código Civil da seguinte forma:

Lei das S.A:

“Art. 3º A sociedade será designada por denominação acompanhada das expressões “companhia” ou “sociedade anônima”, expressas por extenso ou abreviadamente mas vedada a utilização da primeira ao final.

§ 1º O nome do fundador, acionista, ou pessoa que por qualquer outro modo tenha concorrido para o êxito da empresa, poderá figurar na denominação.

§ 2º Se a denominação for idêntica ou semelhante a de companhia já existente, assistirá à prejudicada o direito de requerer a modificação, por via administrativa (artigo 97) ou em juízo, e demandar as perdas e danos resultantes.”

Código Civil:

“Art. 1.160. A sociedade anônima opera sob denominação designativa do objeto social, integrada pelas expressões “sociedade anônima” ou “companhia”, por extenso ou abreviadamente.

Parágrafo único. Pode constar da denominação o nome do fundador, acionista, ou pessoa que haja concorrido para o bom êxito da formação da empresa.”

Se respeitadas estas regras, a alteração do nome empresarial pode ser voluntária pela deliberação da maioria dos sócios ou obrigatória, quando a lei o exigir e a mera modificação da denominação social não afeta a personalidade jurídica da sociedade, pois não produz qualquer mutação nos elementos principais da sociedade, tais como no tipo ou na estrutura, permanecendo assim a sociedade que teve sua denominação alterada com os mesmos direitos e obrigações anteriores.

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