O ICMS é um imposto estadual que incide sobre a circulação de mercadorias. Este imposto é a maior fonte de receitas dos Estados. Como existem inúmeras operações interestaduais (comércio de mercadorias que transitam por diversos estados até chegar ao consumidor final), a Constituição Federal (CF/88) prevê com antecedência as regras gerais relativas a estas operações.
Vale dizer, a CF/88 estabelece as diretrizes para repartir a arrecadação do ICMS interestadual entre os Estados considerando vários aspectos, como por exemplo, divisão deste imposto entre Estados produtores e os Estados não produtores, regras para criação de benefícios fiscais. E isto é assim, porque apesar do Brasil ser uma Federação e os Estados gozarem de independência, esta autonomia tem limites, pois não pode por em risco os princípios gerais e os interesses econômicos e sociais do país.
Pois bem, a Constituição Federal prevê que qualquer benefício fiscal, isenção e incentivo relativo ao ICMS só pode ser outorgado por meio de Convênio (acordo) firmado entre os Estados e o Distrito Federal (art. 155, § 2º, inciso XII, letra “g”, da CF). Isto significa que os Estados não podem conceder benefícios fiscais sem o consentimento dos demais Estados.
Ocorre que, na prática, para atrair grandes indústrias e atacadistas os Estados concedem inúmeros favores fiscais sem a permissão dos demais Estados. E muito embora possa parecer bom, num primeiro momento, acaba tornando-se imensamente desfavorável a longo prazo, pois isto deflagra a famosa guerra fiscal, com um Estado concedendo mais benefícios do que o outro e, ao final, gera uma “concorrência desleal” entre estes.
De fato, os incentivos fiscais acarretam diminuição da receita pública e isto pode levar a um desequilíbrio com despesas superiores às receitas, acabando por limitar a capacidade dos Estados de atender as necessidades básicas da população, como saúde, educação, moradia, saneamento, infra-estrutura. Todos os entes políticos acabam perdendo, inclusive a União e os Estados que com menor arrecadação ficam dependentes dos repasses federais. Por outro lado, as vantagens auferidas pelos Estados que concedem os incentivos, como a criação de empregos e investimentos locais, têm se mostrado frágeis e não sustentam esta política.
Por estas razões o Supremo Tribunal Federal em junho do ano passado declarou a inconstitucionalidade de diversas normas que outorgaram benefícios fiscais na esfera do ICMS unilateralmente pelos Estados. De acordo com o STF o Estado-membro não pode conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao ICMS de forma unilateral, por meio decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio no âmbito do CONFAZ.
Ocorre que, mesmo após a decisão do STF, grande parte dos Estados deixou de exigir os valores de ICMS que não foram recolhidos por força dos benefícios ilegalmente concedidos. Alguns estados inclusive começaram a editar normas concedendo anistia, remissão aos contribuintes.
Contudo o Ministério Público do Distrito Federal resolveu exigir o imposto que não foi pago, fazendo às vezes do Distrito Federal. Em vista disso, a questão foi levada ao STF sob a alegação de que o MP não poderia exigir estes pagamentos, pois não teria legitimidade para tanto, pois o parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/1985 estabelece que não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos.
No entanto, o STF decidiu que a CF/88 estabeleceu, no art. 129, III, que é função institucional do Ministério Público, dentre outras, promover ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social e de outros interesses difusos e coletivos e, assim, o MP tem sim legitimidade para propor ação civil pública com o objetivo de anular Acordo firmado entre o particular e o DF exigindo o imposto que deixou de ser pago (RE 576155, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2010, Repercussão Geral).
Desta forma, os contribuintes favorecidos com benefícios estaduais concedidos unilateralmente pelos Estados têm motivos para se preocupar, pois a cobrança não depende exclusivamente dos estados-membros. Assim, se todos os Ministérios Públicos estaduais resolverem fazer o mesmo que o MP do DF, os contribuintes que receberam benefícios fiscais inconstitucionais poderão vir ser acionados para que devolvam o valor do ICMS que deixou de ser pago, por conta dos favores fiscais que obtiveram.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.