Os planejamentos tributários estão passando por uma grande crise e são cada vez mais visados pela fiscalização, o que traz grandes riscos, não só de contingências tributárias, mas da empresa se tornar desinteressante para os investidores, especialmente quando se trata de sociedade de capital aberto.
Não é mais novidade que o tribunal administrativo federal, CARF, tem avaliado o propósito negocial e adotado a doutrina da prevalência da substância sobre a forma, assim, aqueles planejamentos que têm por objetivo mera economia tributária têm sido desconsiderados.
Os Tribunais Judiciais ainda não têm posição consolidada sobre o assunto. Geralmente os contribuintes se defendem na esfera administrativa e, se vencidos, procuram o Judiciário para anular a decisão do CARF. Assim, a questão ainda é “nova” na esfera judicial e apesar de haver algumas decisões esparsas, ainda não há um entendimento consolidado.
De qualquer forma, a tendência é que o entendimento do CARF também seja adotado pelo Judiciário, pois o fenômeno da desconsideração dos negócios jurídicos que tenham como fundamento apenas economia tributária é mundial.
Desde meados de 1990 os países ocidentais estão impondo limites aos planejamentos fiscais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização internacional que engloga países de alta renda e desenvolvimento humano, recomendou a adoção de medidas antielisivas. Diversos países no mundo adotaram essa determinação, inclusive o Brasil.
Em 2001 foi editada a Lei Complementar nº 104, introduzindo o parágrafo único no art. 116 do CTN que estabelece que “a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
Na exposição de motivos do Projeto de Lei Complementar ficou claro que o objetivo da norma foi evitar a elisão fiscal (vulgarmente chamada de planejamento tributário), conforme se transcreve:
“A inclusão do parágrafo único do art. 116 faz-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com finalidade de elisão, constituindo-se, dessa forma, em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito”.
Ainda não foi editada a mencionada lei ordinária para regular os procedimentos, mas a norma complementar já demonstra que a tendência legal é cada vez mais desconsiderar operações sem fundo negocial.
Contudo, existem alguns critérios que, se levados em conta, poderão levar a um planejamento sustentável. Descrevo a seguir:
I – Fundamento da Operação:
Não tem sido considerado planejamento tributário lícito a economia conseguida pela prática de transações que não ocorreram de forma real, mas apenas de forma artificial e demonstradas somente em documentação ou na escrituração da sociedade.
Desta forma, na estruturação do planejamento tributário deve considerado, se além da economia tributária, existem motivos de outra ordem, tais como comerciais, financeiros, econômicos ou mesmo societários, e se a transação tem relação com o objeto social da sociedade
Nesse sentido, é salutar verificar se a operação ocasionará, por exemplo, aumento das vendas, entrada em novos mercados, alteração efetiva da composição societária, redução de despesas ou custos, acesso a financiamentos junto a instituições governamentais e privadas, renegociação de dívidas, pagamentos efetivos e não apenas simbólicos.
II – Assessoramento contábil e tributário:
As empresas devem ter uma boa assessoria contábil e tributária. Assim, antes da realização da operação, deve se submetê-la à análise de profissionais da área para que elaborem pareceres, consultas, laudos sobre a viabilidade da transação.
III – O negócio deve trazer retornos financeiros consideráveis em relação à economia tributária que será alcançada:
É importante que exista relevância financeira no negócio implementado em comparação com a economia tributária que será alcançada com a operação e deve ser demonstrado em laudos, pareceres, relatórios ou estudos.
IV – Análise se a operação está dentre aquelas consideradas críticas:
Existem operações que são muito visadas pela fiscalização e que não são bem vistas pelos julgadores. A seguir, cito algumas delas:
– Transações realizadas em curto espaço de tempo: O decurso de prazo entre as operações deve ser razoável para que surta seus efeitos. Neste aspecto se destaca que existem muitas operações, por exemplo, societárias (fusões, cisões, incorporações, transformações) que ocorrem em prazos exíguos dentro do mesmo grupo empresarial. Isto pode indicar falta de propósito negocial, pois não se aguardou um tempo adequado para que a primeira operação tenha surtido efeitos, para passar para outra etapa.
– Operações entre empresas interdependentes: Operações entre sociedades coligadas também tem sido analisadas com mais atenção, pois é comum, nestas hipóteses não haver efeitos econômicos perante terceiros.
– Operações incomuns ou anormais, sem correlação com a rotina societária.
– Operações que envolvem sociedades estabelecidas em paraísos fiscais
V – As empresas devem guardar e apresentar provas para demonstrar o propósito negocial:
– Planos de negócios encomendados antes ou durante a operação que demonstram a estruturação do projeto empresarial, tais como, planos estratégicos, planos de investimentos, planos de expansão, planos operacionais, planos internos, planos de crescimento, planos de custos;
– Pesquisas e estudos realizados para detectar o mercado-alvo, principais concorrentes nacionais e internacionais, para identificar a melhor logística e forma de distribuição de bens;
– Estudos que demonstrem a análise do capital disponível para investimentos;
– Contratos, cartas, e-mails, e demais documentos trocados entre os envolvidos na operação que demonstrem o propósito da negociação.
Com estes cuidados, a operação terá boas chances de ser considerada legal e corroborada pelos Tribunais em caso de desconsideração pela fiscalização.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.