Estabelece o artigo 98 do Código Tributário Nacional, que “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.” Este dispositivo do CTN tem sido objeto de diversos estudos e debates na área tributária, sendo a sua aplicação extremamente controvertida, em especial quando os tratados internacionais entram em conflito com as leis internas (leis de âmbito nacional).
Muito já se escreveu sobre o tema e a doutrina costuma apontar três critérios para a solução de conflitos: (i) o da hierarquia, segundo o qual, a norma de hierarquia superior prevalece sobre a inferior, (ii) o da especialidade, segundo o qual a norma mais específica prevalece sobre a mais genérica, (iii) o critério temporal, segundo o qual a norma mais nova prevalece sobre a mais antiga.
Nem ao menos no âmbito do Supremo Tribunal Federal existe uniformidade de entendimento.
De fato, a Corte Suprema adotou diversos entendimentos após a edição do artigo 98 do CTN, tais como: (i) os tratados internacionais têm aplicação imediata, inclusive naquilo em que modificam a legislação interna (RE 71.154/PR); (ii) os tratados internacionais devem ser interpretados de forma paritária com as normas internas infraconstitucionais e, consequentemente, eventuais antinomias entre tratados internacionais e leis internas seriam resolvidas apenas por critérios de cronologia (lei posterior derroga lei anterior) e de especialidade (lei especial derroga a lei geral) (RE 80.004/SE), (iii) em matéria tributaria, independentemente da natureza do tratado internacional, se observa o princípio contido no artigo 98 do CTN, qual seja, os tratados internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha (RE 90.824/SP).
Recentemente a matéria voltou à pauta do Supremo Tribunal Federal no RE 460.320 (ainda não definitivamente julgado). O tema veio à tona com um voto interessantíssimo do Ministro Relator Gilmar Mendes que revisitou toda questão avaliando novamente o artigo 98 do CTN sob perspectiva atual considerando a globalização na economia.
Eis algumas conclusões do Ministro:
. Os acordos internacionais “demandam um extenso e cuidadoso processo de negociação, com participação não só de diplomatas, mas de funcionários das respectivas administrações tributárias, de modo a conciliar interesses e a concluir instrumento que atinja os objetivos de cada Estado, com o menor custo possível para sua respectiva receita tributária”;
. No atual contexto deve ser privilegiado o cumprimento dos acordos internacionais, visto que há crescente intensificação das relações internacionais, da interdependência entre as nações, das possibilidades de retaliação, da rapidez do acesso às informações, inclusive no que se refere ao cumprimento dos tratados internacionais firmados, e do retorno dos efeitos negativos do descumprimento dos acordos;
. O Estado Constitucional exige a boa-fé e a segurança dos compromissos internacionais, ainda que contrarie a legislação infraconstitucional interna, principalmente quanto ao direito tributário, cujo desatendimento põe em risco os benefícios de cooperação articulada no cenário internacional.
. Admitir a preponderância da legislação interna, mesmo que posterior aos tratados internacionais, em detrimento a estes últimos desestimula o novo ingresso de capitais externos, gera insegurança dos investidores, dificulta a negociação de novos tratados, além de dar ensejo a retaliações em outras formas de cooperação;
. O descumprimento unilateral de acordo internacional contraria os princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum Estado “pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”;
. A possibilidade de afastar a aplicação de normas internacionais tributárias por meio de legislação interna está ultrapassada com relação às exigências de cooperação, boa-fé e estabilidade do atual cenário internacional;
. O tratado internacional não precisa ser aplicado na estrutura de lei ordinária ou lei complementar, nem ter status paritário com qualquer deles, pois tem fundamento específico na Constituição Federal, com requisitos materiais e formais peculiares.
O julgamento ainda não terminou, pois os demais ministros ainda não deram os seus votos. De qualquer forma, o entendimento do Ministro Gilmar Mendes é muito importante aos contribuintes que pretendem valer operações que se sustentam em acordos internacionais.
(Esclareço que apesar de todas as considerações, pelo voto do Ministro Gilmar Mendes o contribuinte restou vencido, mas por outras razões: o Ministro entendeu que apesar de se aplicar o acordo internacional, não houve interpretação correta do que estava disposto no tratado).
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.