O nosso sistema tributário é extremamente complexo e composto por tributos da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios. Em algumas ocasiões, um influi no outro. Além disso, existem tributos que têm o mesmo nome, mas têm fato gerador e base de cálculo completamente distinta. Vale dizer, apesar de ter o mesmo nome têm regras específicas, formas de apuração diferentes. São efetivamente outros tributos inconfundíveis com aqueles que têm o mesmo nome. Isto acontece de forma notória nas operações de importação.
Por exemplo, na esfera federal, o PIS e a Cofins têm como fato gerador o auferimento de receita (PIS/Receita e Cofins/Receita). Mas também há o PIS e a Cofins que incidem sobre a entrada dos bens estrangeiros no território nacional (PIS/Importação e Cofins/Importação). O ICMS, por outro lado, é um imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre alguns serviços (ICMS incidente no mercado interno). Todavia, o ICMS também incide sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior (ICMS/Importação).
Regime de Importação por Conta e Ordem de Terceiros
Pois bem, na esfera federal existe um regime de importação denominado por conta e ordem de terceiro. Este tipo de importação, conforme definição da própria Receita Federal, é um serviço prestado por uma empresa importadora (trading), a qual promove, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadorias adquiridas por outra empresa (a adquirente), em razão de contrato previamente firmado.
Disto se depreende que na importação por conta e ordem, apesar da importação ser implementada por importadoras (tradings), o importador de fato é a adquirente do bem ou mercadoria, pois é o verdadeiro mandante da importação, aquele que efetivamente faz vir a mercadoria de outro país, em razão da compra internacional. A importadora (trading) atua como mera mandatária da adquirente. Em última análise, é a adquirente que pactua a compra internacional e dispõe de capacidade econômica para o pagamento.
Dessa forma, mesmo que a importadora (trading) efetue os pagamentos ao fornecedor estrangeiro não se caracteriza uma operação por sua conta própria, mas sim, entre o exportador estrangeiro e a empresa adquirente, pois desta última se originam os recursos financeiros.
De se esclarecer que o contribuinte do PIS/COFINS importação é “o importador, assim considerada a pessoa física ou jurídica que promova a entrada de bens estrangeiros no território nacional” (Lei nº 10.865/94). Desta feita, na modalidade por conta e ordem de terceiros, a importadora (trading) recolherá o PIS e da Cofins apenas sobre o valor da receita auferida com os serviços prestados ao adquirente (verdadeiro importador).
Do Fundap
No Estado do Espírito Santo existe o regime FUNDAP, que concede incentivos fiscais às importações. Exatamente por isso muitas tradings têm sede naquele Estado. Este incentivo reduz muito e difere a carga tributária do ICMS. Somente as empresas localizadas no Espírito Santo contribuintes de ICMS para o Estado do Espírito Santo e que se dediquem ao comércio exterior podem gozar do incentivo.
Quanto ao ICMS/Importação, dispõe o art. 155, § 2º, IX, “a” da CF/88 que o ICMS incidirá sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço. A expressão “estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço” vem sendo interpretada pela doutrina e pela jurisprudência como “estabelecimento do importador”. O importador, por sua vez, é definido como aquele que realiza o negócio internacional, fica responsável pelos direitos e obrigações, paga o preço e paga os tributos aduaneiros que eventualmente incidam.
Disto se conclui que o ICMS/Importação nas operações por conta e ordem de terceiros, deve ser pago pelo adquirente da mercadoria ao Estado onde está estabelecido o adquirente e não pela importadora (trading). Assim, se a empresa trading estiver situada no Espírito Santo e a adquirente em São Paulo, o ICMS incidente sobre a importação deve ser pago ao Estado de São Paulo, mesmo que a mercadoria tenha entrado no país pelo Espírito Santo, via trading.
Polêmicas ligadas à questão
No entanto, o Estado do Espírito Santo entende que o ICMS incidente na importação é devido ao Estado onde estão localizados os importadores (tradings), ainda que a operação seja da modalidade por conta e ordem de terceiros. Isto fez que muitas empresas recolhessem o ICMS ao Estado do Espírito Santo, com todos os benefícios do sistema FUNDAP.
Ocorre que o recolhimento do ICMS/Importação ao Espírito Santo acabou acarretando problemas para algumas importadoras (tradings) na esfera do PIS e Cofins. Conforme mencionado acima, as tradings nas operações por conta e ordem de terceiros atuam como mandatárias e somente pagam PIS e Cofins sob o valor da prestação de serviços.
No entanto, o fisco federal entende que se a importadora (trading) recolheu o valor correspondente ao ICMS em seu próprio nome, atribuindo a si mesma a condição de destinatário final da mercadoria importada, não pode dizer que para fins de PIS e Cofins não é a destinatária da mercadoria e a verdadeira importadora. Em vista disso, descaracteriza a importação na modalidade por conta e ordem de terceiro e a qualifica como importação própria, cobrando o PIS e Cofins não apenas sobre os serviços, mas sobre o valor aduaneiro (base de cálculo do PIS e Cofins/Importação).
Jurisprudência sobre a questão.
Existe precedente do Superior Tribunal de Justiça, francamente desfavorável ao contribuinte. Segundo a Corte Superior, no caso é fato incontroverso que a empresa recolheu o valor correspondente a ICMS em seu próprio nome, atribuindo-se a si a condição de destinatário final da mercadoria importada e, portanto, para fins de PIS e Cofins fica descaracterizada a alegada importação por conta e ordem de terceiro, uma vez que, nessa hipótese, o terceiro é quem seria o contribuinte do ICMS e real destinatário da mercadoria (REsp 1134256/ES).
Recentemente a questão foi considerada de repercussão geral pelo Supremo, que vai se pronunciar sobre o caso (RE 635443 RG). Resta aguardar para saber como será decidida a questão pelo Supremo Tribunal Federal.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.