O tema planejamento tributário é muito amplo e complexo e impossível de ser tratado com detalhes num post. Assim, o que se pretende com este artigo é tentar sintetizar algumas das questões inquietantes em relação ao tema.
Atualmente os planejamentos têm influenciado de forma contundente a economia tributária das empresas e são um fenômeno mundial. Parte dos planejamentos praticados no Brasil são, inclusive, “importados”. Existem também muitos planejamentos na esfera das relações internacionais.
Não só as grandes corporações, mas também as empresas de porte médio fazem planejamentos tributários. E é saudável e natural que seja assim, pois cabe às empresas procurar meios de ter menos gastos. As empresas são constituídas com o objetivo de ter lucros. Mesmo o Poder Público também quando exercita sua competência administrativa procura formas de diminuir os gastos, através de licitações e outros meios.
É importante que fique claro, que:
I – Os planejamentos fiscais não são necessariamente ilegais, são operações que usam o sistema legal para reduzir a carga tributária trazendo economia para as empresas. Em verdade, grande parte dos planejamentos ocorre dentro da legalidade respeitando normas tributárias. São chamados no direito de elisão fiscal (esclareço que os meios ilícitos para evitar o pagamento de tributos são denominados evasão fiscal);
II – Os planejamentos fiscais questionados pelo fisco não são expressamente autorizados pela lei, mas também não são proibidos pela a lei.
Por exemplo, a lei confere direito a uma determinada empresa escolher entre o regime do lucro real ou lucro presumido. Obviamente a empresa irá optar pelo regime que lhe dará menos encargos tributários. Este tipo de situação não é questionada pelo Poder Público, pois a lei expressamente prevê a hipótese de escolha pelo contribuinte do regime que mais lhe convém.
Para que fique mais claro, vou dar exemplos de planejamentos que foram e alguns que ainda são utilizados pelos contribuintes e que, apesar de realizados sem desobedecer às leis societárias e tributárias, foram e são vistos com muitas reservas pela fiscalização que tende a desconsiderá-los exigir todo o tributo que deixou de ser pago, com acréscimo de juros Selic e multas que variam entre 75% e 150%.
Entrada de sócio seguida de operação de cisão: Ao invés de adquirir um imóvel de uma pessoa jurídica, o interessado ingressa como sócio nessa pessoa jurídica e em seguida, se faz uma operação de cisão. O sócio antigo fica com a participação societária de uma sociedade cujo ativo é o dinheiro aportado em aumento de capital. Aquele que queria adquirir o imóvel, por sua vez, fica com uma sociedade cujo ativo é o imóvel. Dessa forma, evita-se a tributação do imposto de renda sobre a apuração de ganho de capital na operação.
Incorporação invertida: quando uma empresa com prejuízo fiscal incorpora uma companhia lucrativa, adota um nome muito parecido ao da empresa lucrativa que incorporou com o objetivo de compensar o prejuízo fiscal da empresa incorporadora.
Sociedade industrial cria distribuidores: Uma indústria vende seus produtos por um valor reduzido para distribuidores que criou, para pagar menos IPI e transfere sua lucratividade para as distribuidoras.
Subcapitalização: Uma pessoa jurídica domiciliada no exterior ao constituir subsidiária no País, efetua uma capitalização de valor irrisório substituindo o capital social necessário à sua constituição por um empréstimo, que gera, juros a pagar que diminuem os resultados da subsidiária brasileira. Os juros são deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL acarretando uma economia tributária
Pois bem, a fiscalização quando se depara com operações assim, onde não há outro objetivo senão evitar uma tributação específica, autua as empresas alegando simulação, fraude, etc.
Por sua vez, o principal argumento dos contribuintes é que o direito tributário é regido pelo princípio da tipicidade cerrada. Vale dizer, todo o direito é regido pelo princípio da legalidade, mas o direito tributário sofre duplamente este efeito, pois o artigo 150, I da CF/88 enuncia que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
O argumento é fortíssimo, pois efetivamente a Constituição proíbe expressamente que os entes políticos exijam qualquer tributo sem que a lei determine a exigência. Então os contribuintes sustentam que se respeitaram a lei, não devem pagar nada. Alegam também, que para desconsiderar um negócio jurídico implementado, seria necessário que o ato praticado não pudessem ser realizado, ou por expressa proibição legal, ou por outro motivo jurídico. Vale dizer, os particulares, quando defendem as suas operações perante os órgãos fazendários, apontam justamente o fato de que as operações que realizaram não eram proibidas por lei e, portanto, permitidas.
Respeitadíssimos doutrinadores, a quem admiro muito, escreveram sobre a licitude da prática de procedimentos elisivos. O argumento tinha grande aceitação dos julgadores, mesmo que o planejamento tivesse sido realizado almejando unicamente reduzir a carga tributária.
Contudo, as alegações de licitude das operações, que num primeiro momento eram aceitas pelos Tribunais (administrativos e judiciais), hoje em dia têm perdido a força. Surgiu forte corrente jurisprudencial e doutrinária, também apoiada em juristas de peso, no sentido de que, se as operações praticadas apontam não ter a empresa outra meta senão a deixar de se submeter a uma tributação determinada, os atos realizados não são oponíveis ao fisco.
O argumento também é fortíssimo e se baseia em um conceito, segundo o qual, o direito deve ser exercido de acordo com a sua finalidade e na proporção do interesse do seu titular, ou seja, o exercício do direito não pode resultar em um prejuízo à coletividade. Trata-se do famoso abuso de direito, cuja consequência é a retirada da proteção jurídica.
Conforme dito, esta última posição tem sido muito aceita junto aos Tribunais e tem influenciado muito os julgadores. Cada vez mais são comuns decisões no sentido de que se os atos formalmente praticados apontam que não há outra finalidade na operação, que não seja se esquivar de uma tributação determinada, e quando os fundamentos do negócio não coadunam com seus os fins, tais atos devem ser desconsiderados.
Assim, para sustentar um planejamento fiscal é aconselhável que as empresas consigam aliar a economia tributária com um propósito negocial real e sustentável, pois se forem questionadas, poderão apresentar uma defesa mais robusta. Um dos aspectos mais analisado pelos julgadores é a falta de propósito negocial e o abuso de forma.
Outro aspecto que precisa ser pensado é que os planejamentos fiscais feitos em massa (adotados por muitos contribuintes de forma idêntica ou quase idêntica) são muito visados e se a empresa for auditada, dificilmente passará despercebido pela fiscalização.
É urgente a necessidade de se criar mecanismos mais específicos para regular a questão, sob pena de ficar ao critério subjetivo de agentes da fiscalização o que é ou não um planejamento aceitável ou inaceitável. Além disso, as lacunas da lei precisam ser analisadas e regulamentadas para que se crie segurança jurídica quanto à questão.
Muitas das discussões relativas a estes planejamentos infelizmente findam na esfera administrativa. Ocorre que estas questões têm um fundo constitucional que merece ser analisado pelo Judiciário e ao final pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, a questão da estrita legalidade em matéria tributária e se esta pode ser flexibilizada diante de outros outros princípios constitucionais.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.