Tributário nos Bastidores

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A compensação forçada de precatórios com débitos do contribuinte fere princípios do direito

el-pensadorA EC nº 62/2009, que introduziu os §§ 9º e 10 ao artigo 100 da Constituição Federal, autorizou que no momento da expedição dos precatórios, seja compensado o valor dos débitos que o contribuinte tem com a Fazenda Pública devedora. Ficaram fora desta compensação apenas aqueles débitos cuja execução está suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. Para regular a EC nº 62/2009, sobreveio em 27 de junho de 2011, a Lei º 12.431, que além de repetir os termos da EC nº 62/2009, estabeleceu detalhes do procedimento.

Essas normas são uma verdadeira aberração porque conferem à Fazenda Pública poderes que se sobrepõem ao princípio da separação dos poderes, prolongam indefinidamente os processos judiciais (que já são insuportavelmente longos) e afetam a segurança jurídica. Além disso, as normas mencionadas dão possibilidade à Fazenda de se esquivar de pagar os seus débitos, pois basta que apresente um crédito de valor inscrito ou não na dívida ativa, para efetuar compensação. Vale dizer, a Fazenda sequer precisa ajuizar uma execução fiscal para receber seus créditos, foi lhe dado o direito de promover execução forçada.

Com efeito, a EC 62/2009 e a Lei nº 12.431/2011 atribuíram à Fazenda Pública, que é parte no processo, direito muito superior ao que se pode atribuir a uma parte. É inconcebível que um contribuinte ajuize uma ação contra a Fazenda, acabe vencedor e simplesmente não consiga receber seu crédito, porque a Fazenda (parte processual perdedora) alega ter um crédito contra o contribuinte (parte vencedora). O contribuinte pode nem ter conhecimento sobre a existência de “débito” perante da Fazenda Pública, por exemplo, na hipótese do crédito acabar de ter sido constituído.

O crédito do contribuinte e o crédito da Fazenda têm força jurídica muito diversa. O crédito do contribuinte, por ser decorrente de coisa julgada é inquestionável, além de ter status constitucional. Por outro lado, o crédito contra o contribuinte pode ser alterado, inclusive pela própria administração. Não há homogeneidade de créditos possível a autorizar a compensação forçada.

É notório que o fato de existir um crédito contra o contribuinte não significa que este crédito é definitivo, pois pode vir a ser desconstituído. Os tribunais administrativos (CARF, TIT, Conselhos Municipais) estão super lotados de processos discutindo lançamentos tributários. Os Tribunais Judiciais idem. O número de execuções fiscais embargadas é enorme. Ações tributárias pedindo nulidade de lançamentos atolam nossos tribunais judiciais.

Ademais, a Fazenda Pública não tem o dever de imparcialidade no processo. O ordenamento jurídico proíbe que se atribua a uma parte, que tem interesse no desfecho de uma ação, mecanismos que podem levar à não execução da decisão judicial, sob pena de colocar em risco a segurança jurídica.

Ao impor ao Judiciário que autorize a compensação de crédito administrativo com crédito judicial, as normas em questão violaram a competência do Poder Judiciário (princípio da separação dos poderes) retirando-lhe poder , pois além de atribuir a um título judicial imutável (sentença transitada em julgado) a mesma força de um crédito decorrente de mero lançamento feito por agentes do fisco (ou pelo próprio contribuinte), autorizaram que a Fazenda Pública prescinda do ajuizamento da competente ação de execução fiscal para receber os seus créditos, o que viola o princípio do devido processo legal, que assegura às partes, antes da expropriação forçada, a possibilidade de defesa.

Não se pode esquecer que o Supremo Tribunal Federal já disse repetidas vezes que ao Poder Público é proibido aplicar meios indiretos para coagir o contribuinte e realizar o acertamento da relação tributária, constrangendo-o a pagar tributos, pois se trata de comportamento estatal arbitrário e inadmissível (Súmulas 70, 323 e 547 daquela Corte).

É importante esclarecer que apesar do procedimento de compensação em análise ter origem em uma Emenda Constitucional, não significa que seja inquestionável. As Emendas Constitucionais também podem ser declaradas inconstitucionais.

De fato, mesmo entre as leis constitucionais existe hierarquia. Isto está muito claro no artigo 60, § 4º da CF/88, que estabelece que a Constituição pode ser emendada, desde que a alteração não suprima, dentre outras coisas, as denominadas cláusulas pétreas, a saber: a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Inserem-se na categoria de direitos e garantias individuais, a proteção à coisa julgada; o seguro de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; o direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Assim, apesar de ter status de norma constitucional, conforme visto acima, os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC nº 62/2009, e os artigos da Lei nº 12.431/2011 que regulamentaram o procedimento de compensação, são inconstitucionais, pois atingiram os chamados direitos e garantias individuais assegurados pela CF/88 por ofender: o art. 2º da CF/88 (princípio federativo que garante a independência dos poderes); o art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88 (garantia da coisa julgada/segurança jurídica);  o art. 5º, inciso LV, da CF/88 (princípio do devido processo legal); artigo 5º caput da CF/88 (princípio da isonomia).

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