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Não incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade

Está sendo noticiado que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o salário-maternidade e as férias do trabalhador não estão sujeitos à contribuição previdenciária, e que a decisão contraria a jurisprudência que até então havia sido adotada pelo Tribunal. Assim, o tema voltará à pauta da 1ª Seção, responsável por uniformizar o entendimento em questões tributárias e administrativas.

Em vista disso, publico meu entendimento sobre a não incidência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade. Quanto às férias, deixo para abordar em outra ocasião.

Salário-Maternidade

Estabelece o inciso XVIII, do art. 7º da Constituição Federal, que é direito das trabalhadoras urbanas e rurais licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias.

Como se vê, a Constituição Federal destinou à Previdência Social a incumbência de arcar com a mais importante prerrogativa social conferida à mulher trabalhadora: o salário-maternidade, isto é, o salário integral da empregada durante o período de 120 dias em que estiver afastada do trabalho pelo nascimento de seu filho.

Referido benefício está previsto na Seção V – “Dos Benefícios”, Subseção VII, da Lei nº 8.213/91, que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social, da seguinte forma:

Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Por sua vez, o artigo 72 deixa claro que o pagamento do salário maternidade deve ser compensado pela Previdência Social :

“Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral.

§ 1o Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.

O Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) estabelece:

“Art. 93. O salário-maternidade é devido à segurada da previdência social, durante cento e vinte dias, com início vinte e oito dias antes e término noventa e um dias depois do parto, podendo ser prorrogado na forma prevista no § 3o.

Art. 94. O salário-maternidade para a segurada empregada consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral e será pago pela empresa, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, devendo aplicar-se à renda mensal do benefício o disposto no art. 198.

Art. 97. O salário-maternidade da empregada será devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego, observadas as regras quanto ao pagamento desse benefício pela empresa.”

O inciso II, do artigo 131 da Consolidação das Leis do Trabalho também determina que o salário-maternidade será pago pela Previdência Social:

“Art. 131 – (…)

II – durante o licenciamento compulsório da empregada por motivo de maternidade ou aborto, observados os requisitos para percepção do salário-maternidade custeado pela Previdência Social.

A Constituição Federal na redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, estabelece no seu artigo 201, inciso II que a previdência social atenderá a proteção à maternidade, in verbis:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

Da análise das normas conclui-se que o sujeito passivo da obrigação de pagar o salário maternidade é o INSS, sendo o empregador simples agente pagador que adianta à trabalhadora o valor de seu salário, efetuando posteriormente a compensação quando do recolhimento de suas contribuições ao INSS.

Em vista disso, no nosso entendimento, o salário-maternidade não se harmoniza na definição de remuneração, por não ter a natureza contraprestação de atividade laboral, trata-se na verdade de benefício de natureza previdenciária.

Tanto isso é assim que quando a Emenda Constitucional 20/98, em seu art. 14, trouxe uma inovação com relação aos benefícios previdenciários a saber, restringiu o limite máximo para a concessão de todos os benefícios previdenciários, dentre eles ao salário-maternidade, a um valor “fixado em R$1.200,00 (um mil e duzentos reais), o Partido Socialista Brasileiro – PSB propôs a ADIN 1.946-5, para que o Supremo Tribunal Federal decidisse se o benefício do salário-maternidade se submeteria ou não ao disposto no referido artigo.

Nesse julgamento, o Supremo Tribunal Federal tratou da natureza jurídica do salário maternidade e ao final decidiu que não obstante se tratasse de um benefício de caráter previdenciário, não se submetia ao valor de R$1.200,00, conforme ementa abaixo:

 “DIREITO CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. LICENÇA-GESTANTE. SALÁRIO. LIMITAÇÃO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 14 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15.12.1998. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 3º, IV, 5º, I, 7º, XVIII, E 60, § 4º, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. O legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais claramente desde 1974, vem tratando o problema da proteção à gestante, cada vez menos como um encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza previdenciária. Essa orientação foi mantida mesmo após a Constituição de 05/10/1988, cujo art. 6° determina: a proteção à maternidade deve ser realizada “na forma desta Constituição”, ou seja, nos termos previstos em seu art. 7°, XVIII: “licença à gestante, sem prejuízo do empregado e do salário, com a duração de cento e vinte dias”.

2. Diante desse quadro histórico, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, na Emenda 20/98, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda que implícita, do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a E.C. nº 20/98 conteria referência expressa a respeito. E, à falta de norma constitucional derivada, revogadora do art. 7º, XVIII, apurar simples aplicação do art. 14 da E.C. 20/98, de modo a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado.

3. Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, inc. XXX, da C.F./88), proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal. Estará, ainda, conclamado o empregador a oferecer à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$1.200,00, para não ter de responder pela diferença. Não é crível que o constituinte derivado, de 1998, tenha chegado a esse ponto, na chamada Reforma da Previdência Social, desatento a tais conseqüências. Ao menos não é de se presumir que o tenha feito, sem o dizer expressamente, assumindo a grave responsabilidade.

4. Aconvicção firmada, por ocasião do deferimento da Medida Cautelar, com adesão de todos os demais Ministros, ficou agora, ao ensejo deste julgamento de mérito, reforçada substancialmente no parecer da Procuradoria Geral da República.

5. Reiteradas as considerações feitas nos votos, então proferidos, e nessa manifestação do Ministério Público federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade é julgada procedente, em parte, para se dar, ao art. 14 da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998, interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação ao salário da licença gestante, a que se refere o art. 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal.

6. Plenário. Decisão unânime.”

(ADI 1946/DF – Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator: Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 03/04/2003, Tribunal Pleno, DJ 16-05-2003)

Assim, o Supremo Tribunal Federal, em sua composição plenária e por unanimidade, dando ao art. 14 da EC nº 20/98 interpretação conforme ao texto constitucional vigente, reconheceu que a Previdência Social deve arcar integralmente com o benefício da licença-maternidade prevista no art. 7º, XVIII, da Constituição.

A referida decisão deixou inequívoco que o salário-maternidade é benefício previdenciário, pois atribuir parte do ônus do afastamento da gestante ao empregador é discriminar a mulher no mercado de trabalho, restringindo, ademais, sua liberdade de ter os filhos que quiser. É que, aplicado o art. 14 da Emenda ao salário-maternidade, estar-se-ia em conflito com o art. 5º, caput, e inciso I, da Constituição Federal, uma vez que se estaria promovendo a discriminação entre homens e mulheres na obtenção e manutenção do emprego.

Ocorre que, a base de cálculo das contribuições previdenciárias é a folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Desta forma, o salário maternidade não se enquadra na hipótese do art. 195, I, alínea “a” da Constituição Federal de 1988, que é claro ao dispor que a hipótese de incidência da contribuição é remunerar a pessoa física que lhe presta serviços, mesmo sem vínculo empregatício, o que na verdade não ocorre no caso sub examine, visto que quem efetivamente remunera as seguradas gestantes é a Previdência Social.

Em sendo assim, o legislador ordinário, ao dispor no artigo 28, § 2º da Lei nº 8.212/91 que o salário-maternidade para fins tributários equipara-se ao salário de contribuição, acabou por violar norma constitucional.

De fato, a partir do momento em que as seguradas gestantes empregadas passam a perceber o salário-maternidade do INSS, a concretização do fato gerador da contribuição previdenciária não ocorre, visto que a empresa não lhes paga nada.

Tanto é verdade, que as seguradas-gestantes figuram na folha-de-salários a título meramente ilustrativo. O art. 225, I, § 9º, III do Decreto nº 3.048, de 06.05.99, que regulamenta a legislação previdenciária, determina que a empresa é obrigada apenas a destacar as seguradas sob o gozo do benefício do salário-maternidade.

Art.225. Aempresa é também obrigada a:

§ 9º A folha de pagamento de que trata o inciso I do caput, elaborada mensalmente, de forma coletiva por estabelecimento da empresa, por obra de construção civil e por tomador de serviços, com a correspondente totalização, deverá:

 III – destacar o nome das seguradas em gozo de salário-maternidade;”

Pelos fundamentos acima elencados, no nosso entendimento, se apreciada a questão pelo Supremo Tribunal Federal, é favorável a perspectiva de êxito de um eventual processo em que se questione a inconstitucionalidade da incidência das contribuições previdenciárias sobre as verbas relativas ao salário maternidade junto àquela corte. E  pelo visto o Superior Tribunal de Justiça pode ir pelo mesmo caminho.

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