O artigo 146, inc. III, “a” da Constituição Federal, dispõe que “cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”
Por outro lado, o artigo 155, I da CF/88 estabelece que “compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre transmissão causa-mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos”.
Vale dizer, os Estados podem instituir o ITCMD desde que respeitados o fato gerador, base de cálculo e contribuintes indicados na Lei complementar.
Por sua vez, o Código Tributário Nacional, que tem força de lei complementar, estabelece no artigo 38 que “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos”.
O Estado de São Paulo editou a Lei nº 10.705/2000, instituindo o ITCMD, que estabelece:
“Artigo 9º – A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação”.
“Artigo 13 – No caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior:
I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU;”
A Lei nº 10.705/2000 foi regulamentada pelo Decreto Estadual nº 46.655, de 1º de abril de 2002 (RITCMD), que originalmente estabelecia no artigo 16, inciso I, alínea “a”, que o valor da base de cálculo do tributo incidente sobre bem imóvel urbano não será inferior ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU.
Após, sobreveio o Decreto nº 55.002/2009, que inseriu alterações no RITCMD. O decreto alterou a base de cálculo do ITCMD constante na lei. Pelo novo decreto o parágrafo único do artigo 16 do Decreto Estadual nº 46.655/2002 passou a vigorar com a seguinte redação:
“Parágrafo único – Poderá ser adotado, em se tratando de imóvel:
(…)
2 – urbano, o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso.”
Contudo, a nova norma sobre o valor venal de referência do imóvel não se sustenta por significar violação ao princípio da legalidade, visto que se refere a modificação da base de cálculo de tributo por meio de decreto.
De fato, o inciso II do artigo 5º, da CF que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Note-se que após o advento da Constituição Federal de 1988, o princípio da legalidade dos atos administrativos mereceu formulação explícita e clara, por força do art. 37 do Texto Constitucional, o qual estabelece de forma inequívoca que “a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, …”
Por outro lado, o art. 150, inciso I da Constituição Federal estabelece que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”
Já o artigo 97, inciso II, e §1º, do Código Tributário Nacional determina que: “Somente a lei pode estabelecer a majoração de tributos, ou sua redução…”. Estabelece ainda no §1º que “equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.”
Assim, qualquer norma emanada da Administração, que implique na criação de limites à liberdade pessoal ou patrimonial dos administrados, que não estiver respaldada em expressa autorização legal, será de todo inválida, mormente em se tratando de decreto, adstrito a assegurar, na esfera administrativa, a fiel execução das leis.
Como bem adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, nem mesmo por delegação legislativa poderia o Poder Executivo “incluir no sistema positivo qualquer regra geradora de direito ou obrigação novos” (in “Ato Administrativo e Direitos dos Administrados”, p. 95, 1991, RT).
Pois bem, considerando que: (i) o valor do imposto deve ser o valor venal dos bens e direitos transmitidos, conforme o CTN; (ii) a Lei nº 10.705/2000, instituidora do ITCMD, estabelece que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido; (iii) a mesma lei determina que, no caso de imóvel urbano, o valor da base de cálculo não será inferior ao fixado para o lançamento do IPTU; (iv) decreto não pode alterar lei; o Tribunal de Justiça de São Paulo firmou jurisprudência no sentido que a base de cálculo do ITCMD deve obedecer ao valor venal do bem para fins de IPTU e não o valor venal de referência (valor de mercado), e tampouco o valor venal de referência do ITBI divulgado ou utilizado pelo município.
Abaixo seguem ementas recentes sobre o tema:
“Mandado de segurança. Recolhimento de ITCMD. Base de cálculo. Valor de referência do ITBI utilizado pela Municipalidade (valor de mercado). Inadmissibilidade. Adoção do valor venal do IPTU lançado no exercício. Reexame necessário desprovido.” (TJSP; Remessa Necessária Cível 1060819-91.2018.8.26.0053; Relator (a): Borelli Thomaz; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 12ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/07/2020; Data de Registro: 17/07/2020)
“TRIBUTO ITCMD – Imóvel urbano – Base de cálculo – Valor venal utilizado para cálculo do IPTU – Possibilidade: – A base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao valor venal do bem na data da abertura da sucessão”. (TJSP; Remessa Necessária Cível 1007519-49.2020.8.26.0053; Relator (a): Teresa Ramos Marques; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 3ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 17/07/2020; Data de Registro: 17/07/2020)
Finalmente ressalto que para assegurar o direito é preciso ajuizar ação, como também é possível pleitear a restituição dos valores indevidamente pagos.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.