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Súmula 88/CARF deve ser reformada, é armadilha que inverte o ônus da prova do fisco ao particular

É muito comum, no ato de lançamento de ofício quanto a contribuições  previdenciária, que a fiscalização relacione o nome dos administradores, diretores, membros do conselho de administração e pessoas encarregadas da gestão das sociedades, mesmo que exista qualquer indício de culpa desses e sem apontar o e o correspondente nexo causal.

De se salientar, a responsabilização dos sócios pelas dívidas da empresa somente é possível quando restar configurada a prática ou omissão culposa/dolosa de atos gestão, com excesso de poderes ou infração à lei ou estatuto social não bastando que o mesmo figure como administrador no contrato social. Nos termos do CTN (artigos 134 e 135) a solidariedade dos sócios/administradores somente é possível no caso de comprovação da responsabilidade subjetiva destes, incumbindo ao Fisco a prova de administração praticada com dolo ou culpa.

Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 562.276, decidiu que é vedado ao legislador instituir confusão entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, pois tal hipótese implica em cominar a desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as sociedades limitadas, em violação aos arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal.

Em vista desses fundamentos, a E. Corte Suprema decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei nº 8.260/93, que determinava que “O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social” (RE nº 562.276, Relatora:  Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2010, Repercussão Geral – Mérito DJe 09-02-2011, publicação 10-02-2011).

Também o STJ, com base no artigo 543-C, decidiu que deve ser provada a culpa ou dolo dos sócios para que seja aplicada a solidariedade (REsp 1153119/MG, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 24/11/2010, DJe 02/12/2010).

Com efeito, a Corte Superior firmou o entendimento de que o redirecionamento da Execução Fiscal e seus consectários legais para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa. A orientação reafirmada pela Primeira Seção, no julgamento do Ag 1.265.124/SP, submetido ao rito do art. 543-C do CPC.

Contudo, quando há defesa administrativa, o CARF mantém o lançamento em nome do sócio, sob o pretexto de que “com a revogação do artigo 13 da Lei nº 8.620/93 pelo artigo 79, inciso VII da Lei nº 11.941/09, a “Relação de Co-Responsáveis – CORESP” passou a ter a finalidade de apenas identificar os representantes legais da empresa e respectivo período de gestão sem, por si só, atribuir-lhes responsabilidade solidária ou subsidiária pelo crédito constituído”. De acordo com as decisões o CORESP foi substituído pelo “Representantes legais – REPLEG” que apenas identifica os sócios diretores da empresa no respectivo período de gestão e serve de subsídio para a Procuradoria da Fazenda Nacional, caso, no futuro, se verifique a necessidade de executar os administradores. Nesse sentido o recente julgamento no Processo 18050.001828/2008-11, data da Sessão 16/08/2016, Acórdão nº 2201-003.287.

A questão foi inclusive sumulada por meio da Súmula CARF nº 88 que tem o seguinte teor:

“A Relação de Co-Responsáveis – CORESP”, o “Relatório de Representantes Legais – RepLeg” e a “Relação de Vínculos – VÍNCULOS”, anexos a auto de infração previdenciário lavrado unicamente contra pessoa jurídica, não atribuem responsabilidade tributária às pessoas ali indicadas nem comportam discussão no âmbito do contencioso administrativo fiscal federal, tendo finalidade meramente informativa.”

Contudo, tal entendimento deve ser revisto com urgência, pois se não há solidariedade, tampouco existe razão para indicar eventuais co-responsáveis. Por outro lado, se não há responsabilidade subsidiária, tampouco há porque indicá-los por absoluta falta de previsão legal. Mesmo porque, a Procuradoria da Fazenda Nacional tem meios, se necessário, para identificar os responsáveis com muita facilidade, bastando para tanto, analisar os documentos societários da empresa.

De se salientar que em alguns precedentes do CARF que originaram a súmula 88 consta que a inclusão dos co-responsáveis “tem como finalidade cumprir o estabelecido no inciso I do § 5º art. 2º da lei nº 6.830/1980” Número do Processo 35464.002071/2006-78, Acórdão 206-00819 e Número do Processo 18050.006059/2008-47, Acórdão 2401-002.596)

E o no inciso I do § 5º art. 2º da lei nº 6.830/1980 estabelece as regras para o ajuizamento de execução fiscal determinando: “o Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros”.

Assim, mesmo não sendo co-responsáveis a finalidade do Representantes legais – REPLEG continua a ser muito discutível, pois indica que o nome dos administradores, diretores, membros do conselho de administração e pessoas encarregadas da gestão das sociedades constará da dívida ativa, mesmo que eles não sejam responsáveis, o que não tem qualquer nexo com a exigência das contribuições, além de prejudicar sobremaneira os responsáveis pela administração da empresa.

De se salientar que caso o nome dos administradores, diretores, membros do conselho de administração e pessoas encarregadas da gestão das sociedades conste na CDA, mesmo sem que não tenham agido com culpa e dolo, pode afetá-los sobremaneira injustamente. Trata-se de verdadeira armadilha, pois quando o nome consta na CDA, mesmo que inicialmente a execução não seja ajuizada contra o administrador, o ônus da prova de que este não agiu com culpa e dolo passa a ser do responsável pela administração.

De fato, o STJ consolidou jurisprudência no sentido de que:

1- Se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos” (REsp 1.104.900/ES, 1a Seção, Rei. Min. Denise Arruda, DJe de 1°.4.2009 – recurso submetido à sistemática prevista no art.543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 – Presidência/STJ), sendo que “a presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que figura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que, por demandar prova, deve ser promovida no âmbito dos embargos à execução” (REsp 1.110.925/SP, 1ª Seção, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 4.5.2009 – recurso submetido à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 – Presidência/STJ) – AgRg no AREsp 357.288/ES, Rei. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 03/10/2013, DJe 11/10/2013.

2- Já se o nome do sócio não consta da CDA e a execução fiscal foi proposta somente contra a pessoa jurídica, ônus da prova caberá ao Fisco (AgRg no AREsp 8.282/RS, Rei. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 13/02/2012).

Assim, indicar  o nome dos administradores no REPLEG não é um ato que objetiva apenas ajudar a procuradoria a, se for necessário, achar os administradores, mas tem a intenção deliberada de inverter o ônus da prova que é do fisco e passar o ônus ao administrador.

Desta forma a Súmula 88 deve ser revista com urgência, pois o “Relatório de Representantes Legais – RepLeg” e a “Relação de Vínculos – VÍNCULOS”, não tem finalidade meramente informativa, como que parece. Ao indicar os sócios no lançamento, a verdadeira finalidade é colocar o nome dos administradores na CDA, para depois, se necessário, indica-los como responsáveis passando o ônus da prova ao particular.

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