No caso analisado, a autuada mantinha dois tipos de operação com o exportador: (i) operação que envolvia o pagamento de royalties relacionados à transferência de tecnologia e know-how necessários à fabricação dos produtos produzidos e comercializados pela autuada no Brasil e (ii) o pagamento de insumos usados na fabricação os produtos da autuada.
Vale dizer, a autuada não importava o produto final, mas apenas os insumos utilizados na fabricação no país o produto final. Por outro lado, a autuada pagava royalties relacionados à transferência de tecnologia e know-how necessários à fabricação do produto no país.
Ao julgar o processo, o CARF levou em consideração o artigo 8º, 1, “c” do AVA-GATT – Acordo de Valoração Aduaneiras do GATT (tratado internacional assinado pelo Brasil), que trata de ajustes ao valor aduaneiro, a seguir transcrito na parte que interessa:
“Artigo 8
1. Na determinação do valor aduaneiro, segundo as disposições do Artigo 1, deverão ser acrescentados ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas: (…) (c) royalties e direitos de licença relacionados com as mercadorias objeto de valoração que o comprador deve pagar, direta ou indiretamente, como condição de venda dessas mercadorias, na medida em que tais royalties e direitos de licença não estejam incluídos no preço efetivamente pago ou a pagar”.
Por outro lado, a Nota ao artigo 8, I, “c”, transcrito estabelece
“1. Os royalties e direitos de licença referidos no parágrafo l (c) do Artigo 8 poderão incluir, entre outros, pagamentos relativos a patentes, marcas registradas e direitos de autor. No entanto, na determinação do valor aduaneiro, os ônus relativos ao direito de reproduzir as mercadorias importadas no país de importação não serão acrescentados ao preço efetivamente pago ou a pagar por elas.
- Os pagamentos feitos pelo comprador pelo direito de distribuir ou revender as mercadorias importadas não serão acrescidos ao preço efetivamente pago ou a pagar por elas, caso não sejam tais pagamentos uma condição da venda, para exportação para o país de importação das mercadorias importadas”.
O termo “condição de venda” mencionado nas normas é requisito estabelecido na relação comercial, pelo qual o detentor de uma marca ou tecnologia recebe percentual referente aos royalties sobre a venda de cada mercadoria. Portanto, os royalties devem ser incluídos no preço efetivamente pago pelas mercadorias, para fins de valoração, apenas quando constituam requisito para a venda destas, não sendo o caso, por exemplo, de sua inclusão no valor aduaneiro, quando se tratar de insumos para produção de determinada mercadoria.
Assim ao interpretar as normas do AVA- GATT, o CARF entendeu que os royalties integram o valor aduaneiro, apenas se atenderem concomitantemente os seguintes requisitos: (i) forem relacionados diretamente com as mercadorias valoradas; (ii) cobrados como condição de venda das mercadorias (c) forem devidos diretamente pelo importador ao exportador, ainda que pago por terceiros.
O primeiro requisito não necessita de maiores explicações, pois é intuitivo que os royalties devem ter estreita relação com o bem importado e, no caso julgado, não havia esta relação, pois a importação era referente aos insumos que iriam compor o produto final (e não importação do produto final objeto do contrato de royalties).
O segundo requisito é a “condição de venda”, que se convenciona em algumas operações de importação, pelo qual o exportador vincula a venda (exportação) da mercadoria ao pagamento de royalties, requisito que não existia no caso analisado.
O terceiro requisito estava presente, a saber, os royalties eram devidos diretamente pelo importador ao exportador, mas como as duas outras condições não estavam presentes não poderia ser exigida a inclusão dos royalties no valor aduaneiro.
Eis a ementa do julgado
REVISÃO ADUANEIRA – VALOR ADUANEIRO – AJUSTES- INCLUSÃO- ROYALTIES – USO DE MARCA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA – CONDIÇÕES DE VENDA – PRESSUPOSTOS. A expressão “condição de venda” utilizada no art. 8.1.c. do AVA, se refere a “condição” que só pode ser (direta ou indiretamente) imposta pelo vendedor-exportador das mercadorias importadas quanto este também seja o titular dos royalties e direitos de licença, hipótese em que o valor dos royalties e direitos de licença, por se relacionar com as mercadorias objeto da compra e venda internacional, pode em tese consubstanciar condição de venda, eis que se adiciona ao valor total devido pelo comprador-importador ao vendedor-exportador, e à final se reverte direta ou indiretamente ao vendedor-exportador, ainda que pago a terceiro. Assim é indevida a pretensão fiscal de inclusão dos royalties na base dos tributos incidentes sobre a importação, quando o titular-beneficiário dos royalties não compuser o valor devido pelo comprador-importador ao vendedor-exportador. (Processo nº 16561.720079/201215 , Acórdão, 3402002.444, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Julgamento 19/08/2014)
De se salientar que para julgar desta forma, aplicando o artigo 8º do AVA-GATT, o CARF indicou como fundamento o artigo 98 do Código Tributário Nacional, que estabelece “os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.” Destaca-se que o descumprimento de um país de acordo internacional firmado contraria os princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum Estado “pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.
Cabe esclarecer que o AVA-GATT (Acordo de Valoração Aduaneiras do GATT) reconhece que os procedimentos de valoração não devem ser utilizados para combater o dumping, ou seja, o AVA não pode ser empregado para outro fim que não seja a determinação da base de cálculo dos tributos aduaneiros. Para evitar práticas desleais de comércio (dumping e subsídios), o GATT criou outros meios como a aplicação de medidas antidumping e compensatórias.
Além da hipótese analisada pelo CARF, ressalto que existem diversas outras que levam à não inclusão dos royalties no valor aduaneiro, como os exemplos abaixo:
- Quando o importador tem autorização para produzir bens no Brasil, e para fabricar tais bens importa uma máquina. Considerando que a empresa paga royalties pelo direito de fabricar os bens e não pelo uso da máquina, os royalties não podem integrar o valor aduaneiro da máquina;
- Casos em que os royalties são pagos periodicamente por valores fixos, independentemente da operação de importação (muito comum em franquias);
- Casos em que os royalties são estipulados com base em um percentual sobre as vendas realizadas pelo importador (muito comum em franquias), pois neste tipo de operação o pagamento dos royalties não está vinculado à importação dos bens, mas ao volume de vendas no mercado interno.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.