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Tributação de Dividendos é Isenta – Ilegalidade e Inconstitucionalidade da IN RFB Nº 1.397/2013

No Brasil existe a obrigação das sociedades por ações de capital aberto ou fechado de publicar a suas demonstrações financeiras, observadas algumas exceções. E isto é assim, porque é necessário que os investidores atuais e potenciais tenham acesso a informações sobre a situação econômica e financeira das sociedades, para analisar com clareza o valor e eventuais riscos que estão sujeitos ao investir no negócio.

Ocorre que, atualmente, grande parte dos investidores são estrangeiros. Vivemos numa época globalizada e um dos aspectos mais importantes deste período é a grande movimentação internacional de recursos, o que leva o mercado de capitais a assumir especial relevância na economia dos países, atuando como importante fonte de financiamento das empresas. Para operar de maneira confiável e apropriada e assegurar a transparência aos investidores é imprescindível que as regras sejam claras.

Tornou-se imperativo utilizar um modelo contábil comum de forma a harmonizar as demonstrações financeiras publicadas, assegurando que a informação divulgada seja compreendida de maneira clara por todos os interessados, facilitando o ingresso do capital estrangeiro. Em vista disso, diversos países, dentre eles o Brasil, convergiram as normas contábeis locais, para as normas internacionais de contabilidade – International Financial Reporting Standars – IFRS. Com a migração para o padrão internacional torna-se mais simples a análise, comparação e tomada de decisões, dos investidores.

No país, em princípio, foi alterada a lei das sociedades anônimas (Lei nº 6.404/76) pela Lei nº 11.638/2007, que inseriu o Brasil no rumo da convergência contábil internacional. Contudo, a Lei nº 11.638/2007 implicou em discrepâncias importantes entre as normas contábeis e fiscais, que antes não eram tão significativas.

Antes havia conformidade financeira e fiscal em decorrência do estreito vínculo entre as normas societárias e fiscais. Esta ligação decorre da determinação contida no Decreto-lei 1.598/77, onde está disposto que o lucro real (lucro tributável) é o lucro líquido do exercício (lucro apurado de acordo com as normas societárias) ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária (art. 6º).

Assim, não existiam diferenças relevantes entre o lucro fiscal e o lucro contábil divulgado na demonstração de resultado.

Contudo, o novo modelo contábil provocou, em grande parte das sociedades, modificações significativas no arcabouço patrimonial, visto que foram introduzidos novos métodos de reconhecimento e avaliação de ativos e passivos que antes não eram considerados. A aplicação das normas internacionais incrementou, em regra, os ativos, passivos e patrimônio líquido das sociedades.

Em vista disso, foi editada a Lei nº 11.941/2009 (fruto da conversão da Medida Provisória 449/08), desatrelando as legislações societária e fiscal. Pela lei,  foi criado o RTT – Regime Transitório de Tributação de apuração do Lucro Real (opcional até 2009 e obrigatório a partir de 2010 para as pessoas jurídicas que apuram o IRPJ com base no lucro real, presumido ou arbitrado), conforme transcrição:

“Art. 15.  Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei”.

A  Lei nº 11.941/2009 determinou expressamente que as novas normas contábeis não teriam efeito para fins de apuração do lucro real, vale dizer, os resultados permaneceriam sendo tributados de acordo com as normas contábeis anteriores a dezembro de 2007, conforme artigo 16 que trata do assunto:

“Art. 16.  As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. 

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput deste artigo às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem a alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade.” 

A convergência de padrão contábil, em regra, incrementou o lucro líquido de natureza societária. A consequência do aumento do lucro líquido é que lucro distribuível, via dividendos, acaba sendo maior. Ocorre que no Brasil os dividendos são isentos de tributação (artigo 10 da Lei nº 9.249/1995).

Daí surgiu um questionamento: O lucro a ser considerado para efeito da isenção é o lucro societário apurado segundo os critério de 2007  obtido com a aplicação do RTT (muito próximo ao lucro fiscal), ou o lucro societário obtido com base nas regras contábeis?

A Procuradoria da Fazenda Nacional emitiu o PARECER/PGFN/CAT nº 202/2013, concluindo que o lucro ou o dividendo a ser considerado para fins de aplicação do art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995, é o lucro societário, apurado segundo os critérios de 2007, denominado pela consulente como “lucro fiscal” riqueza sobre a qual deve incidir a isenção prevista no mencionado artigo”.

Em 17 de setembro passado, foi publicada a Instrução Normativa da RFB 1.397 de 16.09.2013, que reafirmou o entendimento do PARECER/PGFN/CAT nº 202/2013. A IN RFB nº 1.397/2013, tratou das regras relativas à distribuição de lucros, dividendos e juros sobre o capital próprio, bem como a criação da Escrituração Contábil Fiscal (ECF) a ser entregue a partir de 2014.

No que concerne aos lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas, de acordo com a IN RFB 1.397/2013, são isentos até o montante do lucro fiscal apurado no período e devem ser obtidos com observância dos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (art. 26).

Ainda, segundo a IN (art. 28), a parcela excedente de lucros distribuídos (i) está sujeita à incidência do IRRF calculado de acordo com a Tabela Progressiva Mensal e integrar a base de cálculo do IR na Declaração de Ajuste Anual do ano-calendário do recebimento, no caso de beneficiário pessoa física residente no País; (ii) será computada na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, para as pessoas jurídicas domiciliadas no País; (iii) está sujeita à incidência do IRRF calculado à alíquota de 15% (quinze por cento), no caso de beneficiário residente ou domiciliado no exterior; e (iv) está sujeita à incidência do IRRF calculado a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento), no caso de beneficiário residente ou domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida  a que se refere o art. 24 da Lei nº 9.430/96.

Contudo, a IN da RFB nº 1.397/2013, ao disciplinar a matéria desta forma acabou incorrendo em diversas ilegalidades. Para melhor desenvolvimento do raciocínio impõe a fixação de alguns conceitos relativos a dividendos e a sua origem, bem como sobre a isenção que gozam os dividendos.

Dividendo é o lucro que deve ser dividido entre os acionistas, daí o seu nome. Os dividendos não são e nunca foram atrelados ao lucro fiscal, sua natureza decorre do direito societário e sempre tiveram como base a apuração do lucro líquido, que é o lucro societário e de onde se originam os recursos para pagamento dos dividendos. Isto fica claro quando se analisa a evolução legislativa dos dividendos no Brasil.

Os dividendos foram tratados pela primeira vez no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 434 de 4 de julho de 1891, que consolidou as disposições legislativas e regulamentares concernentes ás sociedades anônimas, e que previa no artigo 116:

“Art. 116. Só poderão fazer parte dos dividendos da sociedade anonyma os lucros líquidos provindos de operações effectivamente concluídas no semestre.”

Depois, foi publicado o Decreto-lei 2.627 de 26 de setembro de 1940 que dispunha:

“Art. 131. Se os estatutos não fixarem o dividendo que deva ser distribuído pelos acionistas ou a maneira de distribuírem-se os lucros líquidos, a assembléia geral, por proposta da diretoria, e ouvido o conselho fiscal, determinará o respectivo montante.

§ 1º A distribuição de dividendos, sem que haja lucros líquidos, implica a responsabilidade solidária dos diretores e fiscais, que deverão repor à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da ação penal que no caso couber”.

De acordo com a lição de Trajano Miranda Valverde, que participou do anteprojeto do  Decreto-lei 2.627/1940 “à obrigação de se levantar, anualmente, um balanço do patrimônio social, balanço que deve ser apresentado à assembléia geral ordinária, corresponde ao direito do acionista de participar, periodicamente, ano a ano do lucro líquido acusado no balanço (in Sociedade por Ações – Comentário ao Decreto-lei 2.627 de 26 de setembro de 1940, Forense, volume II, 1953, n. 677, p. 379). E mais adiante o autor comenta: “O montante do lucro líquido, que se divide pelo número de ações em que por sua vez se divide o capital social, chama-se dividendo (ob. Cit. P. 380).

A Lei das Sociedades Anônimas atualmente em vigor (6.404/76) dispõe no artigo 201:

Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17”

Nelson Eizirik ensina, que “A lei das S.A. estabeleceu todo o regramento relativo à distribuição de lucro, determinando que, apurado o lucro líquido do exercício, sobre ele serão calculados as reservas e os dividendos, na seguinte ordem: (1º) 5% (cinco por cento) na constituição de reserva legal, que não pode exceder 20% (vinte por cento) do capital social (artigo 193); (2º) Dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade os acionistas titulares de ações preferenciais, inclusive os atrasados se cumulativos (art. 203); (3º) reservas para contingências (art. 195) se for o caso; (4º) reservas para incentivos fiscais, se for o caso …;(5º) dividendo obrigatório, pois a destinação dos lucros para a constituição para a constituição de reservas estatutárias (artigo 194) e retenção de lucros (artigo 196), não pode ser aprovada, em cada exercício, em prejuízo do dividendo obrigatório (artigo 198 c/c artigo 202); (6º) reservas estatutárias (artigo 194), se for o caso; (7º) retenção de lucros, nos termos do orçamento de capital previamente aprovado pela assembléia geral (artigo 196), se for o caso. Remanescendo saldo do lucro líquido do exercício após as destinações acima, deverá o mesmo ser distribuído como dividendos (art. 202, §6º)”. (in Lei das S/A Comentada, volume III, Quartier Latin, 2011, p. 86/87).

Não há dúvida que dividendo é um conceito de direito societário, que decorre do lucro social, jamais do lucro fiscal tributável.

Por outro lado, a norma do artigo 10 da Lei nº 9.249/1995, que isenta da tributação os dividendos, tem a seguinte redação:

 “Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Da dicção da lei se conclui que são isentos do imposto de renda, os dividendos calculados com base nos resultados apurados.

Pois bem, na obra “Direito das Companhias”, José Luiz Bulhões Pedreira comenta o conceito de resultado do ponto de vista da sociedade e dos acionistas. O jurista menciona que “O lucro da sociedade como toda a renda financeira, é conceito subjetivo, e do ponto de vista da sociedade é determinado antes de ser utilizado para qualquer fim, inclusive pagamento de imposto de renda; mas o conceito de lucro líquido do exercício definido pela LSA é diferente, pois considera e mede o resultado da companhia como base de cálculo da participação dos acionistas” (in Direito das Companhias, Coordenadores Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, vol. II, Forense, 2009, p. 1629).

Vale dizer o termo “resultado” constante do artigo 10 da Lei nº 9.249/1995, somente pode ser o lucro líquido do exercício, ou lucro societário.

Em vista disso, ao determinar que os lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real são os obtidos com observância dos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 (art. 26 e parágrafo único), a IN RFB 1.397/2013 violou diversas normas legais, em especial o artigo 10 da Lei nº 9.249/1995, que isenta do imposto de renda os dividendos calculados com base nos resultados.

A IN também contrariou o artigo 150, I  da CF/88 que proíbe os entes políticos de exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (a IN RFB 1.397/2013 não é lei, mas ato do Poder Executivo). Houve também violação ao artigo 172 da CF que determina que somente a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.

De se ressaltar, que a IN RFB nº 1.397/2013 atingiu com mais força as sociedades que migraram para o novo padrão contábil antes de 2010, pois diversas companhias adotaram o entendimento de que o lucro a ser considerado para fins de isenção é o lucro societário, o que poderá implicar em autuações.

Caso ocorram autuações, será violado também o artigo 150, III, “a” e “b” da CF/88 que determina que os entes políticos não podem cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; nem no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

Para não passar em branco, destaco que o PARECER/PGFN/CAT nº 202/2013, concluiu que o lucro e o dividendo a ser considerado para fins de isenção é lucro fiscal, porque:“a norma prevista no art. 10 da Lei nº 9.245, de 1995, é uma norma tributária. Dessa forma, não se pode dissociar a leitura do comando do art. 10 da Lei nº 9.249, de 1995, da neutralidade tributária trazida pelo RTT. As novas regras contábeis não produzem efeitos tributários: o lucro a ser considerado para fins de aplicação do referido artigo é o obtido com utilização do arcabouço vigente antes da Lei nº 11.638, de 2007”.

Vale dizer a PGFN entende que a regra da neutralidade tributária atinge inclusive os dividendos.

Contudo, a interpretação do PARECER/PGFN/CAT nº 202/2013 não é adequada, pois a finalidade do RTT é a neutralização dos efeitos tributários para fins de apuração de lucro real (base de cálculo do IRPJ, e que influencia a apuração da CSLL, PIS e Cofins).

De fato, o artigo 16 da IN RFB nº 1.397/2013  (acima transcrito) estabelece que as alterações introduzidas pela Lei nº 11.638/2007  que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício, não terão efeitos apenas para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT.

A exposição de motivos da Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 2009 deixa este aspecto bem claro:

“9. Assim, buscou-se, através do RTT, neutralizar os efeitos tributários associados à adoção do conjunto de normas contábeis de convergência, tendo sido tal neutralidade normativa operacionalizada através do estabelecimento de uma espécie de “âncora” no arcabouço contábil pregresso, fazendo com que, para fins de apuração do lucro real, permanecessem as pessoas jurídicas, quando sujeitas ao RTT, regidas pelos métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007…

(…)

10. Desta maneira, na vigência do RTT, surge um passo intermediário na apuração do lucro real, pois, no caso das pessoas jurídicas sujeitas ao Regime, há que se ajustar a contabilidade societária para os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. ..”

Assim, não há como se pretender estender a neutralidade instituída pelo RTT aos dividendos, ainda mais considerando que quem arca com o ônus do imposto, sequer é a sociedade, mas os acionistas, a sociedade apenas retêm na fonte.

Por estas razões a IN RFB nº 1.397/2013  é altamente questionável, e viola normas legais e constitucionais.

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