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ICMS – crédito físico X crédito financeiro. STF voltará a analisar em repercussão geral

 

Uma empresa exportadora do RS ajuizou ação requerendo o reconhecimento do direito de imediatamente, sem qualquer limitação temporal, escriturar, manter e aproveitar os créditos de ICMS relativos aos bens adquiridos para o ativo fixo  e uso e consumo da empresa. Alegou que tem direito ao creditamento do ICMS incidente na aquisição de bens do ativo fixo e de uso e consumo sem qualquer restrição temporal em razão do princípio da não-cumulatividade do ICMS e porque se dedica à exportação de produtos.

Para fundamentar seu direito invocou o disposto na CF/88,  art. 155, § 2º, I (princípio da não-cumulatividade do ICMS) e X (que estabelece que o imposto estadual não incide sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores).

O Estado do Rio Grande do Sul refutou os argumentos do contribuinte alegando que o pretendido creditamento de ICMS imediatamente é descabido, porque:

a) a CF optou pela adoção do chamado crédito físico, inclusive no que concerne às operações de exportação, admitindo o abatimento do ICMS cobrado sobre as mercadorias e componentes físicos do produto, tais como, matéria-prima, embalagens e produtos intermediários, entrados no período de apuração.

b) a LC 87/96 concedeu um benefício fiscal ao admitir:

– no artigo 20, § 5o , I,  que relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento;

– no artigo 33, I, que somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020.

Assim, o contribuinte não teria o direito ao crédito de ICMS sem as restrições temporais constantes do art. 20, § 5o , I e do art. 33, I da LC 87.

Ao analisar a questão (AC 70039572458) o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu ganho de causa ao contribuinte.

O Tribunal decidiu que pela regra da constituição anterior a não-cumulatividade dependia de intermediação legislativa. “Já a Constituição de 88, por seu artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, não delegou ao legislador ordinário traçar o perfil da não-cumulatividade. Por isso, nem a lei complementar, nem a lei ordinária, tampouco convênio ou ato administrativo podem dispor livremente sobre este instituto, intervindo no conteúdo ou no alcance da regra da não cumulatividade, nem impor limites temporais ao seu desfrute, se não que  apenas fixar o mecanismo, o método ou a forma com que se implementa (CF, artigo 155, parágrafo 2º, XII, c )”.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o direito ao creditamento sem qualquer restrição surgiu com a entrada em vigor do atual sistema tributário constitucional.

O Tribunal ressaltou ainda, que no caso em análise o direito ao crédito é mais forte porque o contribuinte, no caso, realiza operações de exportação e o art. 155, parágrafo 2º, X, “a” da Constituição Federal, com a dada pela Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003 enuncia que o ICMS não incide sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores.

Pela decisão se verifica que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que a CF elegeu o método da dedução financeira do ICMS, vale dizer, a relação que a Constituição estabelece é entre operações sucessivas e não entre operações sucessivas respeitantes à mesma mercadoria ou serviço, a compensação se dá por período, sendo irrelevante que as aquisições que geram crédito refiram-se  ou  não às mesmas mercadorias ou serviços.

Pelo método da dedução financeira, todas as operações tributáveis geram crédito, seja qual for seu objeto. Por este sistema, não se estabelece confronto entre o imposto incidente sobre os bens ou serviços adquiridos, com o imposto incidente sobre a posterior saída do produto, a não cumulatividade do imposto é única.

Além disso, os que defendem que a CF elegeu o crédito financeiro do ICMS afirmam que a Constituição admite crédito de imposto nas aquisições de bens incorpóreos, que não integram fisicamente o produto final, tais como, serviços de transporte, comunicação e inclusive energia elétrica. Portanto, segundo esta linha de entendimento, a Constituição vigente elegeu o método do crédito financeiro, sendo descabidas as restrições aos créditos de ICMS.

Por outro lado, aqueles que defendem que a CF elegeu o crédito financeiro, alegam que o procedimento das deduções físicas não é aplicável, pois, ao desconsiderar os dispêndios realizados na compra de bens destinados ao ativo fixo e uso e consumo resulta que se tributem duas vezes os elementos cujo valor entram na composição do valor de saída do produto. E isto porque, o crédito físico não permite a recuperação do imposto pago sobre mercadorias e serviços necessários ao processo de produção quando estes não entrem fisicamente no produto nem sejam consumidos no processo de produção. Sendo assim, a consideração dos créditos decorrentes de quaisquer bens entrados no estabelecimento não pode ser procrastinada, razão pela qual os artigos  da Lei Complementar nº 87/96 que estabelecem restrições temporais aos créditos de bens do ativo e uso e consumo são inconstitucionais porque determinam a postergação eficacial da norma.

O Estado do Rio Grande de Sul, inconformado com a decisão do Tribunal de Justiça interpôs recurso extraordinário. Em 03.12.2012 foi publicada a decisão do STF reconhecendo a repercussão geral da questão constitucional, no RE 662976.  Eis a ementa:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. AQUISIÇÃO DE BEM DO ATIVO FIXO. CREDITAMENTO. OPERAÇÃO DE SAÍDA. EXPORTAÇÃO. IMUNIDADE. APROVEITAMENTO DOS CRÉDITOS DAS OPERAÇÕES ANTERIORES. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. CRITÉRIO MATERIAL OU FINANCEIRO. INTELIGÊNCIA DO ART. 155, § 2º, X A, CF/88. ARTIGO 33 DA LEI COMPLEMENTAR 87/96. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL” (RE 662976 RG, Relator: Min. Luiz Fux).

De se lembrar, que o STF já analisou o princípio da não cumulatividade do ICMS  anteriormente e deixou claro que, no seu entendimento, quando a Lei Complementar nº 87/96 assegurou ao sujeito passivo o direito de creditar-se do ICMS anteriormente cobrado em operações que tenham resultado a entrada de mercadoria no estabelecimento destinada ao seu uso e consumo ou ao ativo permanente, outorgou um benefício. Visto por este ângulo, quaisquer outros valores decorrentes de imposto pago na aquisição de mercadorias/produtos e serviços que não se incorporem fisicamente ao produto nem sejam consumidos no processo de produção somente dariam direito ao crédito se previstos na lei e na forma por ela determinada.

Ocorre que, da forma com que o processo originário do Rio Grande do Sul foi conduzido, para o deslinde da questão, o STF obrigatoriamente terá que reanalisar a questão da natureza do direito ao crédito de ICMS e se a CF elegeu o método de dedução física, ou financeira.

Assim, mesmo que o caso concreto tenha uma peculiaridade, pois se trata contribuinte exportador, pode ocorrer uma alteração do entendimento, não somente para aqueles que exportam mercadorias, mas para todos os contribuintes, pois se o STF vier a rever sua posição e entender que a não cumulatividade do ICMS pressupõe o método de dedução financeiro e não o físico, a decisão afetará todos os contribuintes visto que será reconhecido o direito imediato aos créditos decorrente de bens de uso e consumo e ativo fixo.

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