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É inconstitucional a limitação da dedução das despesas com educação do IR: TRF3

 

O TRF 3ª decidiu, quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº0005067-86.2002.4.03.6100/SP, Relator Desembargador Federal Mairan Maia, ser inconstitucional o art. 8º, II, “b”, da Lei nº 9.250/95, que limita a dedução da base de cálculo do imposto de renda pessoa física até o limite anual individual de R$1.700,00 (um mil e setecentos reais) a pagamentos efetuados a estabelecimentos de ensino relativamente à educação pré-escolar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos de especialização ou profissionalizantes do contribuinte e de seus dependentes. Esclareço que o limite de R$1.700,00 mencionado no acórdão vigorou no ano calendário 2006.

A Constituição enuncia nos seus artigos:

Art. 6º, que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Art. 7º, IV, que são “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, dentre outros o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Art. 23, V, ser de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”.

Art. 205, que o Estado, em conjunto com a família e a sociedade, tem o dever de garantir a educação, com a finalidade de implementar o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”

Art. 208, que o Estado tem dever com a educação.

A CF/88 estabelece também, no seu artigo 209, que se houver impossibilidade de assegurar a todos o ensino gratuito, poderá ser a educação explorada pela iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Estas normas constitucionais embasaram a decisão do TRF3. No referido julgamento o Tribunal destacou que a educação é item indispensável ao “pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, o direito à educação guarda estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana, funcionando como verdadeiro pressuposto para a concreção dos demais direitos fundamentais”.

A decisão consignou também, que a educação é dever o Estado e, assim sendo, a pessoa tem o direito de exigir do Poder Público, sujeito passivo desse direito, o adimplemento da prestação correspondente.

Segundo o acórdão, “na medida em que o Estado não arca com seu compromisso de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito – como construção de escolas, contratação de professores, distribuição de material didático etc – deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar esse direito”.

De fato, a restrição a dedução dos valores pagos pelo particular com a educação, com a incidência de imposto sobre essa despesa, acarreta efeito inverso ao pretendido pela Constituição, impedindo a realização plena do direito a educação.

Por isto, o acórdão conclui que a política de deduções das despesas com educação da base o imposto de renda não é “favor fiscal ou qualquer outro tipo de beneplácito concedido pelo Estado aos contribuintes. Trata-se, na verdade, de efetiva medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil”.

Ao analisar o conceito de renda, o TRF3 entendeu também, que não há renda ou provento sem que acréscimo patrimonial, que ocorre com o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso, e conclui que “diante da inviabilidade de se dissociar a definição de renda da idéia de acréscimo patrimonial experimentado em determinado período, conclui-se que a tributação sobre a renda deve respeitar a conceituação pressuposta inserta no Diploma Fundamental, pois, caso contrário, não estaria configurada a hipótese constitucionalmente prevista da referida exação”.

Com efeito, o imposto de renda não pode ser visto como um simples tributo sobre rendimentos. E isto acontece quando as normas vedam a dedução de despesas necessárias. Em vista do princípio da capacidade contributiva, a lei deve assegurar que a renda tributável seja obtida com a redução dos encargos necessários do contribuinte, representados por seus gasto com a família.

É importante consignar que, muito embora o TRF3 tenha decidido em favor do contribuinte, as pessoas que pretenderem se beneficiar da dedução integral com as despesas de educação devem entrar com ações para assegurar o direito.

Transcrevo abaixo a ementa deste importantíssimo precedente jurisprudencial:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. LIMITES À DEDUÇÃO DAS DESPESAS COM INSTRUÇÃO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, II, “B”, DA LEI Nº 9.250/95. EDUCAÇÃO. DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL. DEVER JURÍDICO DO ESTADO DE PROMOVÊ-LA E PRESTÁ-LA. DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. NÃO TRIBUTAÇÃO DAS VERBAS DESPENDIDAS COM EDUCAÇÃO. MEDIDA CONCRETIZADORA DE DIRETRIZ PRIMORDIAL DELINEADA PELO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO. A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE GASTOS COM EDUCAÇÃO VULNERA O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.

1. Arguição de inconstitucionalidade suscitada pela e. Sexta Turma desta Corte em sede de apelação em mandado de segurança impetrado com a finalidade de garantir o direito à dedução integral dos gastos com educação na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física de 2002, ano-base 2001.

2. Possibilidade de submissão da quaestio juris a este colegiado, ante a inexistência de pronunciamento do Plenário do STF, tampouco do Pleno ou do Órgão Especial desta Corte, acerca da questão.

3. O reconhecimento da inconstitucionalidade da norma afastando sua aplicabilidade não configura por parte do Poder Judiciário atuação como legislador positivo. Necessidade de o Judiciário – no exercício de sua típica função, qual seja, averiguar a conformidade do dispositivo impugnado com a ordem constitucional vigente – manifestar-se sobre a compatibilidade da norma impugnada com os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Compete também ao poder Judiciário verificar os limites de atuação do Poder Legislativo no tocante ao exercício de competências tributárias impositivas.

4. A CF confere especial destaque a esse direito social fundamental, prescrevendo o dever jurídico do Estado de prestá-la e alçando-a à categoria de direito público subjetivo.

5. A educação constitui elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, estando em estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Atua como verdadeiro pressuposto para a concreção de outros direitos fundamentais.

6. A imposição de limites ao abatimento das quantias gastas pelos contribuintes com educação resulta na incidência de tributos sobre despesas de natureza essencial à sobrevivência do indivíduo, a teor do art. 7 º, IV, da CF, e obstaculiza o exercício desse direito.

7. Na medida em que o Estado não arca com seu dever de disponibilizar ensino público gratuito a toda população, mediante a implementação de condições materiais e de prestações positivas que assegurem a efetiva fruição desse direito, deve, ao menos, fomentar e facilitar o acesso à educação, abstendo-se de agredir, por meio da tributação, a esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos na parte empenhada para efetivar e concretizar o direito fundamental à educação.

8. A incidência do imposto de renda sobre despesas com educação vulnera o conceito constitucional de renda, bem como o princípio da capacidade contributiva, expressamente previsto no texto constitucional.

9. A desoneração tributária das verbas despendidas com instrução configura medida concretizadora de objetivo primordial traçado pela Carta Cidadã, a qual erigiu a educação como um dos valores fundamentais e basilares da República Federativa do Brasil.

10. Arguição julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um mil e setecentos reais)” contida no art. 8º, II, “b”, da Lei nº 9.250/95”.

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  • Parabéns pela postagem da matéria. Acho que trata-se de um precedente jurisprudencial muito importante, na medida em que possibilita uma grande discussão sobre a matéria, que, convenhamos, existem divergências sobre o assunto, mas, concordo plenamente com os argumentos expendidos pelo eminente relator do processo e com a decisão dada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

  • Prezada Amal, em primeiro lugar quero cumprimentá-la pela sua atuação no Linkedin, sempre abordando temas interessantes do direito tributário. Como sou economista e contador, gostaria de saber (embora eu ache que a resposta vá ser sim) se a União pode entrar com recurso contra essa decisão no próprio STJ ou no STF. Eu trabalhei na Receita Federal durante 28 anos, mas sempre fui particularmente contra o limite de dedução das despesas de instrução, justamente porque o Estado não cumpre seu dever de disponibilizar educação gratuita a todos. O que eu acharia interessante é ter um limite sim, mas bastante alto, para impedir por exemplo, que um cidadão muito rico mande o filho estudar no exterior quando poderia perfeitamente estudar no Brasil e que os outros contribuintes o subsidiem.
    Meus parabéns novamente e espero que esse benefício, se transitar em julgado, seja extensivo para os outros contribuintes. O limite também poderia ser regionalizado, porque evidentemente os gastos de educação no Estado de São Paulo são muito maiores que no Estado de Santa Catarina, por exemplo.

      • Prezado Paulo
        A arguição de inconstitucionalidade vincula todo o Tribunal, que no caso, atinge a SP e o MT. Ou seja, se existir algum outro processo com a mesma matéria a ser decidido pelo TRF3, a decisão deverá ser igual a da arguição de inconstitucionalidade.
        Contudo, somente se beneficia quem entra com uma ação para tanto.
        O regimento interno do TRF 3 diz que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato, afirmada pelo Plenário, aplicar-se-á aos feitos submetidos às Turmas, às Seções ou ao Plenário.
        Contudo, cessará a vinculação referida neste artigo caso o Supremo Tribunal Federal, apreciando a mesma matéria, decida em sentido diverso, total ou parcialmente.

  • Prezada Amal,

    Meu nome é Carlos Feital sou contador e bacharelando em direito atualmente trabalho em cia multinacional, e primeiramente quero de antemão parabenizar pelo assunto ora abordado, pois é de grande valia para muitos contribuintes e cidadãos brasileiros, também sempre compartilhei dessa opinião, pois é uma arbitrariedade do fisco atingindo mortalmente o principio da capacidade contributiva, essa pratica de limitar os gastos com educação.
    Contudo me ocorreu outra dúvida, pois nos últimos 4 anos paguei imposto de renda excessivamente alto, e gostaria de saber se seria caso de impetrar com um pedido de restituição em virtude da decisão em tela.

    Grato pela oportunidade e sucesso!!!

    Carlos Feital

    • Olá Márcia
      Esta ação pode ser movida em qualquer Justiça Federal, não importa a que região pertença. A questão é que na terceira região já tem este acórdão o que torna a possibilidade de êxito quase certa. Mas mesmo nas demais regiões você pode citar esta jurisprudência, pois é um precedente muito importante.
      Ab

  • Parabéns pela postagem. Além dos argumentos legais citados na decisão, existe outro argumento, de natureza lógica a ser acrescentado: qualquer indivíduo com filho em idade escolar, paga anualmente um valor mínimo de R$4.000,00 a R$5.000,00 só em mensalidades (fora material escolar, atividades e cursos extracurriculares, etc.). Logo, a dedução concedida pelo Estado ao invés de cumprir seu papel de promover a educação, coloca-se como verdadeiro obstáculo ao acesso à educação, eis que é cada vez mais difícil às famílias custear integralmente os estudos de seus filhos e a educação pública fornecida pelo Estado desconhece o sentido da palavra qualidade.

  • Dra. Amal, boa tarde, muito oportuna sua postagem, todavia, em vista do tempo já transcorrido da decisão do TRF3, algo de novo aconteceu?, o STF já foi suscitado sobre a questão?

    • Sim, Existe uma ação no STF, mas ainda não julgada.
      Se um contribuinte quiser usufruir da dedutibilidade total, neste ano, terá que entrar com uma ação.
      Esclareço que quando o STF julgar a matéria poderá dar ou não efeito retroativo, por isso é aconselhável não esperar o julgamento, pois o contribuinte corre o risco de não se beneficiar neste ano.