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A MVA na substituição tributária interestadual invalida benefício do Senado, a LC 87/96 e a CF

A substituição tributária do ICMS é dos assuntos mais controvertidos e de muito interesse, visto que o ICMS é individualmente o tributo que tem a maior arrecadação no país, seguido da contribuição previdenciária, imposto de renda e COFINS (conforme IBPT).

Talvez por esta razão e por conta da extrema complexidade de sua sistemática, acabam ocorrendo várias ilegalidades que aumentam indevidamente a carga tributária. As irregularidades muitas vezes se travestem com máscaras de legalidade e justiça.

Nas operações interestaduais (quando a mercadoria é vendida para contribuinte de outro Estado) são aplicadas alíquotas de 7% ou 12%, que são muito menores do que as alíquotas utilizadas nas operações internas (quando a mercadoria é vendida para contribuinte do mesmo Estado), que  em São Paulo é de 18%.

Ocorre que os Estados não podem alterar as alíquotas de ICMS nas operações interestaduais, pois o artigo 155, § 2º, V da CF/88 estabelece que cabe ao Senado Federal determinar as alíquotas aplicáveis a essas operações. Como não podem alterar as alíquotas, os Estados resolveram mudar a base de cálculo do ICMS  criando uma base maior, calculada através da chamada MVA ajustada.

Segundo pronunciamento de diversas Secretarias da Fazenda, a MVA ajustada objetiva fazer justiça para que as mercadorias provenientes de outros Estados tenham o mesmo resultado econômico daquela adquirida no mercado interno, pois em uma transação interestadual a carga tributária dessa mercadoria seria de 7% ou 12% e numa transação interna com a mesma mercadoria a carga seria de 18% (no caso de São Paulo). Em vista disso, instituiu-se a MVA-ST ajustada, para que o resultado econômico das transações interestaduais e internas seja o mesmo.

Ocorre que os Estados “esqueceram” que as alíquotas interestaduais menores e diferenciadas do ICMS têm por finalidade exatamente oferecer uma carga tributária menor para alguns Estados mais pobres. Esta diferença tem o objetivo de reduzir as desigualdades sociais e regionais, vale dizer, têm função eminentemente extrafiscal (quando um tributo é criado com base em outros interesses que não são os de simples arrecadação de recursos financeiros). Ou seja, as alíquotas interestaduais menores têm por escopo incentivar a economia dos Estados mais carentes. Qualquer ação no sentido de alterar esse incentivo anulando-o encontra limitação absoluta no princípio da separação de poderes.

Os Estados membros não podem criar normas para, por via transversa, anular a função extrafiscal do imposto, pois a Constituição teve exatamente o objetivo de dar vantagens a certos Estados menos favorecidos, benefício que simplesmente foi abolido com a imposição de uma base de cálculo maior nas operações interestaduais.

Além disso, segundo a LC 87/96, art. 8º, § 4º, a margem de valor agregado “será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei”.

Como se vê, a margem de valor agregado não foi criada com a finalidade de equipar a carga tributária e tampouco se presta para evitar prejuízos em termos de competitividade ao empresário de um Estado membro, sendo irrelevante a margem de lucro do varejista para a determinação da carga tributária. A margem de valor agregado deve apenas ser estabelecida pela média de preços praticados no mercado, e nada mais.

Por outro lado, o art. 152 diz que é proibido aos Estados estabelecer diferença tributária entre bens em razão de sua procedência ou destino. Assim, a MVA ajustada, ao instituir base de cálculo maior do ICMS porque a mercadoria é proveniente de outro Estado, fere a CF/88.

Esta distorção na tributação é altamente questionável e deve ser afastada porque, além de ferir a LC 87/96 e a Constituição Federal, causa efeito inflacionário, visto que aumenta indevidamente a carga do ICMS.

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  • Muito bom enfoque Amal, parabéns.
    O que dizer então quando o adquirente no outro estado é uma empresa optante do Simples Nacional?? A distorção e injustiça tributária é potencializada ao máximo. Todo cuidado parece ser sempre pouco neste nosso país. Um abraço.

  • Me parece que se está cometendo equivoco nesta análise, pois, de regra, a MVA tem por finalidade estabelecer o valor da operação seguinte, esta sím que é objeto da ST. Lembrando que a diferença de ICMS nas operações interestaduias tem por finalidade a distribuição mais equânime das receita tributária, evitando que os estados produtores fiquem com toda a tributação do ICMS. E me parece que tal fato é verdadeiro, quando se vê que a forma que alguns estados utilizam para evitar a concorrência em razão da tributação, ocorre com a cobrança de diferenca de aliquota na entrada das mercadorias no seu território.

    • Olá Marco
      Olá, ..
      A MVA tem a finalidade de estabelecer o valor da operação final objeto da st, e este deve ser de acordo com o valor do mercado, conforme o artigo 8º da LC 87/97, abaixo transcrito:
      Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:
      (...)
      II - em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:
      (...)
      c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes.
      (...)
      § 4º A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.
      § 6o Em substituição ao disposto no inciso II do caput, a base de cálculo em relação às operações ou prestações subseqüentes poderá ser o preço a consumidor final usualmente praticado no mercado considerado, relativamente ao serviço, à mercadoria ou sua similar, em condições de livre concorrência, adotando-se para sua apuração as regras estabelecidas no § 4o deste artigo.
      Assim, não se justifica a MVA diferenciada nas operações interestaduais, pois como se disse, a margem de valor agregado não foi criada com a finalidade de equipar a carga tributária e tampouco se presta para evitar prejuízos em termos de competitividade ao empresário de um Estado membro.

      • Se se está utilizando o MVA com esta finalidade, concordo em número, gênero e grau com vc., mas no caso do estado de PE., no qual resido e atuo com Julgador Administrativo Tributário do Estado, ainda não identifiquei esta hipótese, até porque a ST interestadual demandam sempre convênio e alguns admitem até protocolos para sua instituição dos quais devem ser signatários o(s) estado(s) de origem e o(s) estado(s) de destino. E, portanto, cabe aos estado de origem não permitir sua utilização abjeta.

  • Marcos, entendo sua colocação.
    A st interestadual depende de convênio, com certeza, mas não há nenhuma norma que autorize os convênios (ou mesmo a lei, ou qualquer outro tipo de norma ou acordo), a implantar MVA diferenciada para fazer justiça fiscal e neutralizar as alíquotas implantadas pelo Senado, ou de qualquer outra forma mudar os critérios definidos na lei complementar.
    Diga-se de passagem que a LC 86 jamais previu a possibilidade de existir uma MVA diferenciada, pois seria o mesmo que mudar o critério que é o PREÇO FINAL MÉDIO. Se há duas MVAs (a ajustada e a normal) obviamente que não se está apurando o preço médio que só pode ser um.
    E tampouco o executivo dos estados (como nos convênios) tem competência para implantar MVA de acordo com os critérios que eles acham justos, eles devem apenas acatar o que foi determinado na lei complementar que é o único diploma legal que pode tratar do assunto.

  • Excelente a matéria e um debate de grande conteúdo técncio, parabéns a todos e um ótimo fim de semana!!!!

  • Prezados,

    Interessante discussão, mas é importante diferenciar o contexto tributário de cada situação, pois, salvo melhor juízo, não ocorre contrariedade a norma constitucional, cuja finalidade é distinta daquela dos Estados, quando estabelecem a MVA ajustada.

    ICMS interestadual - As operações comerciais entre os estados, são tributada pelo ICMS, quando destinadas a contribuintes, na forma constitucional, que tem por objetivo a distribuição da receita tributária do ICMS de forma equânime, entre os membros da federação, protegendo as regiões menos desenvolvidas. (a contrassenso)

    MVA Operação subsequente – A margem de valor agregado tem por objetivo estabelecer o preço final da operação no Estado, base de cálculo da sujeição passiva.

    Muito embora questionada, sobre todos os aspectos fiscais, operacionais, jurídicos, entre outros. A substituição tributária, neste caso, grosso modo, tem por objetivo, proteger os Estados de destino, da sonegação fiscal.
    E certo, que os Estados preferem transferir o controle da arrecadação a terceiros, em números menores, do que manter um processo eficiente de arrecadação tributária.
    Abraços,

  • A MVA é um número que a ser aplicado sobre o valor da operação pretende definir o valor da operação final da cadeia, a destinada a não contribuinte.

    Acontece que o valor da operação interestadual é naturalmente menor que o da operação interna, uma vez que o valor de ICMS embutido no preço é menor (ex: 12% < 17%).

    A MVA ajustada tem a função de eliminar a distorção que a diferença de alíquotas gera no valor da operações próprias, interestaduais ou internas, de forma a chegar em um preço final igual para as duas situações.