É possível fazer planejamento tributário na alienação de quotas de sociedade limitada.
Uma das características da sociedade limitada é a contratualidade. Neste tipo social as relações entre os sócios podem pautar-se nas disposições de vontade destes sem maiores rigores. Em outras palavras, a margem para negociações entre os sócios é maior.
Nesse aspecto, o artigo 1.007 do Código Civil Brasileiro permite que os sócios da sociedade limitada contratem a proporção que caberá a cada um na distribuição dos lucro, razão pela qual a distribuição dos lucros não precisa ser proporcional às quotas dos sócios.
De fato, dispõe o artigo 1.007 mencionado, que “salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas (…).”
Disto se depreende que a lei brasileira aceita e legitima a distribuição desproporcional à participação de cada sócio no capital social, desde que todos recebam parcela do lucro.
Certo é que a norma consta no capítulo relacionado às sociedades simples, mas a norma se aplica também às sociedades limitadas, uma vez que: (i) na falta de normas que disciplinem a sociedade limitada, aplicam-se àquelas das sociedades simples e, (ii) na falta de normas das sociedades limitadas e das simples, o contrato social poderá prever a aplicação supletiva da Lei nº 6.404/76 (Lei das SA), conforme art. 1.053 do Código Civil.
Em vista disso, na sociedade limitada, a política de distribuição dos lucros pode ser transacionada de acordo com a vontade dos sócios, preferencialmente, por meio de cláusula do contrato social, o que evita questionamentos, ainda mais se o contrato social eleger a aplicação supletiva da Lei das SA, que contém o instituto do dividendo mínimo obrigatório (art. 202, §2º).
Além disso, Departamento Nacional do Registro do Comércio (“DNRC”) deixa claro que concorda com a estipulação livre dos sócios sobre a distribuição dos lucros na limitada, por força do artigo 997, VII do Código Civil que estabelece: “a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas.
Cabe ressaltar que o CARF tem decidido reiteradamente que é permitido a a distribuição de lucros aos sócios de forma desproporcional à sua participação no capital, desde que devidamente estipulada no contrato social.
Nesse sentido:
“DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS DESPROPORCIONAL À PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. LIBERDADE DE PACTUAÇÃO. PERMISSÃO EXPRESSA NO CONTRATO SOCIAL.
Não há vedação legal no que se refere à distribuição desproporcional de lucros em relação à participação social, nas sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissões regulamentadas.”(Número do Processo 12448.726481/2011-78, Recurso Voluntário, Data da Sessão 12/02/2020, Relator(a) LETICIA DOMINGUES COSTA BRAGA, Nº Acórdão 1401-004.224.
“SOCIEDADE LIMITADA. PRÓ-LABORE. DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS. NECESSIDADE DE DISCRIMINAÇÃO DOS VALORES PAGOS OU CREDITADOS. INCIDÊNCIA.
Não há vedação legal para distribuição aos sócios de lucros de forma desproporcional à sua participação no capital, desde que devidamente estipulada no contrato social, em conformidade com a legislação societária. Quando a atividade econômica da sociedade é exercida diretamente pelos sócios, mediante a prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissões regulamentadas, é obrigatória a discriminação entre a parcela da distribuição de lucros e aquela paga pelo trabalho. Pelo menos parte dos valores pagos pela sociedade ao sócio que lhe presta serviços terá natureza jurídica de retribuição pelo trabalho, sujeita à incidência de contribuição previdenciária. Na ausência de segregação entre a remuneração decorrente do trabalho e a proveniente de distribuição de lucros, inclusive a título de antecipação mensal ou trimestral, a incidência da contribuição previdenciária ocorre sobre os valores totais pagos ou creditados aos sócios.” (Número do Processo 15586.720059/2018-99, Recurso Voluntário, Data da Sessão 15/01/2020, Relator(a) MATHEUS SOARES LEITE, Nº Acórdão 2401-007.308)
Em vista disso, alguns contribuintes têm feito o seguinte planejamento tributário. Quando um dos sócios de uma sociedade limitada aliena as suas quotas a outro sócio da mesma sociedade, antes de formalizar a alienação, distribui lucros de forma desproporcional, como forma de efetuar “parte do pagamento” pela compra das quotas sociais.
Vale dizer, na distribuição de lucro, o sócio que está adquirindo as quotas recebe participação nos lucros proporcionalmente menor à sua parcela no contrato social, e o sócio que está alienando, recebe lucros proporcionalmente maiores à sua participação societária.
Este planejamento implica em pagamento menor de imposto de renda pelo sócio alienante, porque seu ganho de capital é reduzido.
Esta operação já foi analisada diversas vezes pelo CARF e pelo antigo Conselho de Contribuintes e foi considerada lícita. Segue trecho de uma decisão do CARF neste sentido:
“Assim, havendo no caso em análise resolução dos quotistas que deliberou sobre a distribuição de dividendos pela empresa XXX, a qual foi devidamente aprovada nos termos do quórum estipulado em contrato social, tem-se que a distribuição “desproporcional” refutada pela autoridade fiscal é perfeitamente lícita.
(…)
Além disso, nada impede que uma empresa, antes de ser vendida, distribua seus lucros ou dividendos. É lógico que seu valor negocial será menor, porém, este fato não tem o condão de alterar a natureza jurídica do dividendo para ganho de capital, como pretende o Fisco.
Logo, nada impedia que a XXX adquirisse a XXX “sem lucro acumulado”.
Desta feita, não pode prosperar o entendimento do Fisco de que a distribuição de dividendos tem que ser proporcional à participação societária de cada sócio no capital social, eis que compete aos próprios sócios deliberarem sobre este assunto”. (CARF, Processo nº 16561.000025/200772, Recurso nº 165.451, Acórdão nº 110200.157, – 1ª Câmara / 2ª Turma Ordinária).
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.