Uma empresa holding que detinha participação societária um banco tomou recursos junto ao Fundo Garantidor de Crédito – FGC no valor de R$3.800.000.000,00 (três bilhões e oitocentos milhões), para aporte no Banco e regularizar a situação da referida instituição financeira, que estava descumprindo o Patrimônio de Referência Exigido. Isto acarretou uma dívida da empresa holding com o FGC no valor de R$3.800.000.000,00.
Após isto, a holding vendeu o controle acionário do banco a outra instituição financeira. No contrato ficou acordado que seria pago pela compradora, o menor dos seguintes valores: ou a compradora pagaria R$ 450.000.000,00 CORRIGIDO, até 31 de julho de 2028; OU R$3.800.000.000,00, SEM CORREÇÃO em 31 de julho de 2028.
O crédito decorrente deste negócio foi contabilizado na holding como Crédito a Receber do banco no valor nominal do título, ou seja foi contabilizado por R$ 450.000.000,00.
Após o negócio de venda acionária a holding celebrou um contrato de dação em pagamento com o seu credor, Fundo Garantidor de Crédito. Para pagar a dívida que havia contraído deu em pagamento (cedeu) o crédito do negócio de venda da participação acionária. Com isso obteve a quitação da sua dívida, o que levou à baixa do passivo existente e o registrado, na contabilidade da holding .
Em vista disso a Receita Federal autuou a holding exigindo PIS e Cofins, pois entendeu que na verdade houve um perdão de dívida, pois ocorreu a quitação de um passivo de R$3,35 bilhões, sem o desaparecimento de um ativo de valor igual, pois o crédito a receber foi contabilizado por R$450 milhões.
Lembro aqui que a Receita Federal entende que o perdão de dívida é tributável pelo PIS e Cofins, conforme comentei no post “Tributação do Perdão de Dívida” http://webapp339895.ip-198-58-99-142.cloudezapp.io/2014/04/15/perd/
Contudo, a 4ª Câmara, da 2ª Turma Ordinária do CARF deu provimento integral ao recurso voluntário do contribuinte, por maioria de votos.
Em primeiro lugar o relator destacou que o crédito dado em pagamento corresponde a um ativo financeiro imediatamente disponível para utilização por parte da holding, razão pela qual o seu registro e avaliação deverá se dar, nos termos do artigo 183, I, “b” da Lei das S/A, pela adoção do chamado custo de aquisição. Isso significa que a holding acertou em registrar no seu ativo o valor de face do crédito.
Por outro lado, comentou que a natureza da operação é de dação em pagamento, mas mesmo que se se tratasse de um perdão de dívida, como pretendeu a fiscalização, também não poderia ser tributado pelo PIS e Cofins.
E isto porque, pois sob o aspecto constitucional, receita bruta (base do PIS e Cofins) é “definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”. Assim, na hipótese, se realmente a natureza da operação fosse de perdão de dívida, não poderia incidir o PIS e a Cofins porque não ocorreu qualquer ingresso, o valor não se integra ao patrimônio de forma inaugural e não há aquisição de disponibilidade nova, mas apenas eliminação de um comprometimento patrimonial existente.
A decisão consignou que a própria lei deixa claro que a extinção de um passivo, mesmo que represente um ganho, não integra a base de cálculo do PIS e Cofins, quando não há ingresso financeiro, nos termos do art 1º, §3º, incisos V, “b”, X e XII da Lei nº 10637/02, transcrito abaixo:
“Art. 1º (…)
§3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas:
V – referentes a: b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita;
X – de subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público;
XII – relativas ao valor do imposto que deixar de ser pago em virtude das isenções e reduções de que tratam as alíneas “a”, “b”, “c” e “e” do § 1o do art. 19 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977”
Depois de enfrentar a questão do perdão de dívida, o voto vencedor destacou que a operação, no caso, era de dação em pagamento e não de perdão de dívida.
Foi levantado, que a dação em pagamento tem como fundamento a modificação do objeto do contrato, subsistindo a obrigação por meio da substituição da coisa que deveria ser prestada ou entregue por outra.
A decisão citou Orlando Gomes que ensina que “O efeito que a dação em pagamento produz é a extinção do crédito, qualquer que seja o valor da coisa dada em substituição. Não importa que valha mais ou menos de que a quantia devida ou a coisa que deveria ser entregue. Se valer menos, o credor não poderá exigir a diferença. Se valer mais, o devedor não terá o direito de exigir a restituição do excedente. Mas, se o crédito for inexistente, impõem-se a devolução da coisa entregue ou do seu valor”. (Obrigações, 17ªed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.146).
Segundo o voto vencedor, a dação em pagamento independente do valor da dívida e do bem ou serviço aceito como contraprestação “por exemplo, seria possível que um devedor de uma dívida de R$ 100 mil reais oferecesse como pagamento um imóvel do valor de R$ 150 mil, sem que sequer se pudesse cogitar do surgimento de uma inversão nas posições originais, passando o credor a ser devedor da diferença de R$ 50 mil”.
Assim, o erro da fiscalização foi entender que houve uma dação em pagamento de R$450 milhões como pagamento de parte da dívida, e um perdão do valor de R$3.35 bilhões, quando na verdade houve apenas uma dação que liberou toda a dívida.
E mesmo que assim não fosse a diferença entre o valor de face do crédito e o passivo da holding existe apenas por causa das normas contábeis, visto que o valor real é muito superior ao tomado como referência pela fiscalização. De se lembrar que o crédito consistia em R$ 450.000.000,00 CORRIGIDO, até 31 de julho de 2028; OU R$3.800.000.000,00, SEM CORREÇÃO em 31 de julho de 2028.
Por essas razões o crédito foi exonerado, com a seguinte conclusão do Conselheiro Carlos Augusto Daniel Neto:
“I) A cessão do crédito a receber da XXX (holding) para o FGC corresponde, juridicamente, a uma operação de dação em pagamento, tendo eficácia liberatória plena.
- II) A “receita eventual” apurada no confronto entre o ativo cedido e o passivo baixado não corresponde ao conceito de receita tributável do PIS e Cofins, por não se tratar de ingresso financeiro, e por não decorrer das atividades econômicas da empresa.
III) A “receita eventual” decorre, em rigor, de uma disparidade entre o valor do registro contábil, que adotou o valor de face do título, e o valor real do mesmo, e não de um “perdão de dívida”, como sustentado pela fiscalização”.
Segue ementa do julgado
“DAÇÃO EM PAGAMENTO. CESSÃO DE CRÉDITO. EFICÁCIA. O efeito que a dação em pagamento produz é a extinção do crédito, qualquer que seja o valor da coisa dada em substituição. Juridicamente, não importa que valha mais ou menos de que a quantia devida ou a coisa que deveria ser entregue, pois a sua eficácia liberatória é plena.
RECEITA BRUTA. CONCEITO CONTÁBIL E JURÍDICO. REDUÇÃO DE PASSIVO. O conceito contábil de receita, para fins de demonstração de resultados, não se confunde com o conceito jurídico, para fins de apuração das contribuições sociais.
Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições. A mera redução de passivo, conquanto seja relevante para apuração de variação do patrimônio líquido, não se caracteriza como receita tributável pelo PIS e Cofins, por não se tratar de ingresso financeiro. Recurso Voluntário Provido. Crédito Tributário Exonerado”.
(Processo 16327.720855/2014-11, Data da Sessão 30/03/2017, Acórdão 3402-004.002)
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.