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CARF – Reembolso de Despesas (gastos de clientes) integram a receita de escritórios de advocacia que adotam o lucro presumido para fins de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS

De acordo com julgado do CARF publicado no início de 2015, despesas reembolsadas por clientes integram a receita bruta dos escritórios de advocacia.

Essa decisão é perfeitamente aplicável aos escritórios de contabilidade, administradoras, empresas de cobrança e todos aqueles que trabalham com bens e direitos de terceiros.

Se o entendimento proferido nessa decisão vier a prevalecer, centenas, ou milhares de contribuintes poderão ser autuados, com exigência de PIS, Cofins, CSLL e IRPJ conforme o caso. O lançamento poderá retroceder aos últimos cinco anos, mais multa de no mínimo 75%, acrescido de taxa Selic.

Segundo a mencionada decisão as despesas reembolsadas por clientes integram a receita bruta de escritórios de advocacia que optam pela tributação por lucro presumido. Dessa forma, esses valores devem fazer parte da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), do Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Para rebater os fundamentos da decisão, destaco que os valores recebidos pela pessoa jurídica são comumente chamados de “entradas” ou “ingressos”. No entanto, nem todos os ingressos são receitas, alguns deles têm natureza de meros movimentos financeiros não representando qualquer acréscimo no patrimônio da empresa, tais como reembolsos.

O brilhante professor Ricardo Mariz de Oliveira, na obra “Fundamentos do Imposto de Renda”, faz estudo exaustivo sobre o conceito receita e sintetiza:

“ – receita é um tipo de entrada ou ingresso no patrimônio da pessoa jurídica, sendo certo que nem todo ingresso ou entrada é receita;

– receita é um tipo de entrada ou ingresso que se integra ao patrimônio sem reserva, condição ou compromisso no passivo, acrescendo-o como elemento novo e positivo;

– a receita passa a pertencer à entidade com sentido de permanência;

– a receita remunera a entidade, correspondendo ao benefício efetivamente resultante de  atividades suas;

– a receita provém de outro patrimônio, e se constitui em propriedade da empresa pelo exercício das atividades que constituem as fontes do seu resultado;

– a receita exprime a capacidade contributiva da entidade;

– a receita modifica o patrimônio, incrementando-o” (Ed. Quartier Latin, 2008, p. 102).

Partindo desta lição e aplicando para os reembolsos, extrai-se que os reembolsos são ingressos que não acrescem o patrimônio da pessoa jurídica como elemento novo e positivo. Tampouco resultam da atividade da pessoa jurídica.  Também não espelham a capacidade contributiva da sociedade e tampouco alteram o patrimônio, incrementando-o. Vale dizer, os reembolsos não são receitas.

O Professor Eduardo Domingos Botallo ao tratar do tema, menciona:

“…os contribuintes dos tributos citados têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus livros fiscais, sem representar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso, v.g., dos montantes a ele repassados para satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para pagamento, aos efetivos prestadores, de serviços por eles apenas intermediados”. (Ricardo Mariz de Oliveira na obra cit, p. 99 – Botallo, Eduardo Domingos. “Base imponível do ISS e das Contribuições para o PIS e a Cofins. RIOBj 23/1999, p. 667)

Em vista disso, há de se reconhecer que meros ingressos ou entradas a título de reembolso não são receitas.

Eis a decisão do CARF sobre o tema:

(…) LUCRO PRESUMIDO. OMISSÃO DE RECEITAS. Caracteriza-se como omissão a falta de registro de receita, ressalvada à pessoa jurídica a prova da improcedência, oportunidade em que a autoridade determinará o valor dos tributos a serem lançados de acordo com o sistema de tributação a que estiver submetida no período de apuração correspondente. Os reembolsos de despesas ou de custos integram a receita bruta, ou seja, a receita bruta é representada pelo valor total contratado (honorários e reembolsos). DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. Somente devem ser observados os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais para os quais a lei atribua eficácia normativa. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária. LANÇAMENTOS DECORRENTES. Os lançamentos de PIS, de COFINS e de CSLL sendo decorrentes das mesmas infrações tributárias, a relação de causalidade que os informa leva a que os resultados dos julgamentos destes feitos acompanhem aqueles que foram dados à exigência de IRPJ” (Número do Processo 15504.008239/2009-71, Publicação em 14/01/2015, Relatora CARMEN FERREIRA SARAIVA, Nº Acórdão 1803-002.463)

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  • Se os gastos com clientes são oriundos do caixa e já foram tributados, seu retorno ao caixa não pode ser considerado como receita, passível de nova tributação, pois se assim for estaremos diante de bi tributação.

  • Bom dia, Amal! Sabe se esse é um posicionamento isolado? Achei muito perigoso essa decisão do CARF... Me parece que a operação Zelotes só serviu para julgarem cada vez mais contra o contribuinte....

    • Fernando, eu não tenho conhecimento de outra decisão sobre um tema exatamente igual. Mas realmente é um precedente perigoso.
      Conforme sempre ressalto, o acesso ao Judiciário deve ser amplo, sem exigências muito severas, como os depósitos dos montantes integrais dos valores exigidos para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
      Se isso não acontecer, situações como essa podem se multiplicar sem que o contribuinte tenha acesso ao Judiciário. Um auto de infração sempre terá valores altos, mesmo porque a menor multa é de 75%, mais Selic. O fiscal pode apurar cinco anos para o passado. Isto pode colocar em risco a própria atividade empresarial. Se o contribuinte ficar restrito à esfera administrativa como está acontecendo há muitos anos, pode entrar em desespero dependendo do valor exigido.

  • O interessante é que essa (absurda) decisão do CARF se deu em caso envolvendo um renomado escritório especializado em Direito Tributário.
    Sem surpresa, prevaleceu o "voto de qualidade" do Fisco (4x3), do qual pode-se extrair algumas pérolas conceituais jurídico-tributárias:

    “(...) a Lei n° 5.474, de 18/07/1968, dispondo sobre a emissão de duplicatas e faturas, preceitua, em seu art. 20:

    Art. 20. As empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem a prestação de serviços, poderão, também, na forma desta Lei, emitir fatura e duplicata. [...]
    § 2° A soma a pagar em dinheiro corresponderá ao preço dos serviços prestados.

    O texto legal é claro ao considerar, como preço dos serviços prestados, a soma a pagar em dinheiro. Conseqüentemente, não importa ser a título de reembolso de despesas ou mesmo a qualquer outro título, esses valores compõem o preço dos serviços prestados. LOGO, EM SENDO PREÇO, DEVE, EVIDENTEMENTE, INTEGRAR A RECEITA BRUTA.
    Pelo exposto, conclui-se que os reembolsos de despesas ou de custos integram a receita bruta, ou seja, a receita bruta é representada pelo valor total contratado (honorários e reembolsos).”

    e outra:

    “Por outro lado, é descabido o argumento de afastar estas despesas como se de outrem fossem, já que todas elas são inerentes à prestação de serviços advocatícios em questão, ou seja, despesas necessárias ao alcance do fim social da Recorrente. Em que pese a alegação de que há cláusula contratual estabelecida entre a Recorrente e os cliente de que as despesas correrão por conta destes últimos, é relevante observar o que dispõe art. 123 do Código Tributário Nacional, em relação às convenções particulares:

    Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”

    Essa vinha sendo a cara do CARF nos últimos anos, período em que o órgão claramente perdeu o "equilíbrio" e a qualidade técnica em suas decisões.

    Um abraço,

    • Lucas, gostei dessa colocação "pérolas conceituais". De fato, adotar tais argumentos (Lei das duplicatas e art. 123 do CTN) para caracterizar as despesas reembolsáveis como receitas, é colocar em risco qualquer segurança jurídica. Existe toda uma doutrina jurídica e contábil envolvida, realmente, precedente muito perigoso.

    • Exato, Amal! É outro exemplo recente e perigoso de desempate no "voto de qualidade", com potencial de afetar dezenas de milhares de empresas.
      Como o Fernando comentou acima, parece até que o Fisco aproveitou a Zelotes (que não atinge 0,1% dos casos julgados no CARF) como justificativa para uma reação contra os contribuintes.
      Nos últimos anos, a relação Fisco-Contribuinte retroagiu décadas. Mais do que nunca, de largada o Fisco pressupõe que o contribuinte age de má-fé, até que ele prove o contrário...

  • Fico pensando em despachantes aduaneiros. Normalmente recebem um adiantamento, realizam o desembaraço aduaneiro pagando todas as despesas em nome do importador e por fim cobram pelo serviço um valor bem inferior ao do que movimentaram.

    Tal decisão do Carf está distante da doutrina, fere conceituações, desconsidera qualquer pratica comercial. A sensação que fica, além da injustiça tributária, é que querem burocratizar mais ainda o dia a dia empresarial, ou, então, não tem a mínima noção de como funciona o dia a dia empresarial.

    Por fim, é como se o Carf dissesse "Esqueçam todo o ordenamento jurídico e sigam nossos posicionamentos."

  • Prezada Amal,

    Em primeiro lugar gostaria de parabeniza-la pelas suas excelentes matérias. Em relação à essa decisão do CARF, constitui entendimento assente no âmbito do STJ que "A incidência do imposto de renda pressupõe o acréscimo patrimonial, ou seja, a diferença entre o patrimônio preexistente e o novo, representando aumento de seu valor líquido". (RESP 1.493.608 - RS (2014/0293972-3). Desta forma, malgrado esse posicionamento ainda não ter sido proferido em sede de recurso repetitivo, nos termos do art. 543-C, do CPC, os contribuintes encontrarão ressonância nas demandas propostas contra essa absurda exigência fiscal.
    .

  • Colegas:
    Acredito que esta questão não é tão simplista e está diretamente relacionada à forma como foram lançados esses "gastos com clientes" na escrituração contábil da pessoa jurídica.
    Se foram apropriados simplesmente como "despesas", acredito que, tecnicamente, a Receita Federal pode entender que o reembolso é passível de tributação, já que, de forma isolada, representa uma receita.
    Basta fazermos um raciocínio paralelo com as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real: se as despesas com clientes foram utilizadas como "despesas operacionais" e, consequentemente, descontadas na apuração do lucro, a pessoa jurídica teve um benefício representado pela diminuição da base de cálculo do imposto.
    Por óbvio que isso não acontece com as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido, mas a natureza jurídica do lançamento contábil é o mesma.
    Assim, acredito que esta questão deve ser pensada com base no tipo de lançamento contábil realizado.

    • Miguel
      No caso da decisão, o contribuinte não ofereceu à tributação valores recebidos de seus clientes à título de reembolsos de despesas, tais como custas processuais, valores com cópias, custos com transporte (avião, taxi ou carro), gastos com peritos, correspondentes, dentre outros. Ao faturar os valores devidos pelos clientes, o autuado emitia nota fiscal de prestação de serviços, na qual consignava a totalidade dos valores de honorários advocatícios ajustados, e nota de débito de reembolso, acompanhadas dos comprovantes, para devolução dos valores antecipados. A operação era contabilizada, em conta própria identificada como "Clientes - Notas de Reembolso".
      A fiscalização nunca refutou a existência dos valores, nem a sua prova e jamais questionou a inexistência da despesa e do pagamento, mas apenas a sua natureza jurídica. Vale dizer, o que se discutiu na decisão é a caracterização ou não dos valores como reembolso ou como receita tributável.

  • A documentação hábil e a forma com que se escriturou contabilmente pode fazer toda a diferença neste entendimento. É bastante comum a falta de zelo neste sentido, infelizmente. Vejo clientes contabilizando a despesa em seu resultado e, posteriormente, a receita. Aí assinam alegando ser aquele livro fidedigno aos faróis ocorridos. Ora, como alguém AFIRMA ser despesa e receita algo que não é nenhuma das duas coisas? Por que esse pagamento de despesa de terceiros não é um ativo a ser quitado posteriormente pelo depósito do montante, deixando de influenciar o resultado?

    É como naquele infeliz caso de tributar distribuição de lucro da PJ regime de caixa que contabiliza competência. Aposto como a criatura, como 99% das vezes vejo, contabilizava o tributo pelo recebimento, criando uma Demonstração de Resultado híbrida e incoerente, sem qualquer tributo diferido no Balanço Patrimonial.

    A decisão do Carf é mais uma vez perigosa, mas como em muitos casos, a falta de cuidado em criar um lastro para sustentar a defesa é tão ou mais perigosa ainda.

  • Prezados, encontrei esse acórdão proferido em uma DRJ (ACÓRDÃO Nº 16-25224 de 07 de Maio de 2010), não sei qual, mas penso que se enquadra em uma divergência, embora a atividade é publicidade e propaganda. Funcionaria, ao que penso, para uma demanda judicial. O que acham?

    LUCRO PRESUMIDO. BASE DE CÁLCULO. PROPAGANDA E PUBLICIDADE. REEMBOLSO DE DESPESAS. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA BASE TRIBUTÁVEL. No regime de apuração do lucro presumido, as empresas de propaganda e publicidade poderão excluir da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica as importâncias que se refiram ao reembolso de despesas de ações de marketing relativos à gastos realizados com terceiros em nome da agência, mas reembolsáveis, pelo anunciante, desde que observado os limites e termos contratuais, bem como atendidas as formalidades e pressupostos legais fixados pela legislação aplicável. OMISSÃO DE RECEITA. APURAÇÃO DECORRENTE DO COTEJO DOS VALORES DE RECEITA DE VENDAS INFORMADOS NA DIPJ E AQUELES INTEGRANTES DA ESCRITURAÇÃO FISCAL E CONTÁBIL DO SUJEITO PASSIVO. Configurada a omissão de receita bruta da entidade, em decorrência do cruzamento das informações pertinentes às operações de vendas declaradas na DIPJ com aquelas integrantes da escrituração fiscal e contábil da entidade, impõe-se manter os lançamentos correlatos às variações apuradas no curso do procedimento de fiscalização. TRIBUTAÇÃO REFLEXA. CSLL, COFINS E PIS. A decisão pertinente ao lançamento do IRPJ deve nortear as inferências correlatas ao auto de infração de contribuições, tendo em vista que provêm de infração legal análoga, mantendo íntima relação de causa e efeito.