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É seguro adquirir imóvel quando o vendedor apresenta CPEN decorrente de processo administrativo pendente de julgamento?

 

A “Certidão Conjunta de Débitos Relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União”, expedida em conjunto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN  e pela Receita Federal do Brasil – RFB é um documento que certifica a situação fiscal do contribuinte, pessoa física ou jurídica, perante a Fazenda Nacional, em relação aos débitos previdenciários e aos não previdenciários inscritos em Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e aos débitos previdenciários e aos não previdenciários administrados pela Receita Federal do Brasil.

Ocorre que, se a pessoa física ou jurídica tem processos administrativos pendentes de julgamento definitivo na esfera administrativa, a certidão conjunta é emitida na modalidade “certidão positiva com efeitos de negativa – CPEN”.  E se essa pessoa tem um imóvel e pretende alienar, é muito comum os interessados questionarem acerca do risco do negócio se configurar fraude a execução, ou fraude contra credores.

Abaixo esta questão será analisada.

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Na esfera tributária, o lançamento de ofício se materializa por meio de auto de infração. Trata-se de um procedimento administrativo realizado pela fiscalização (federal, estadual, municipal, ou por autarquias), que tem início quando um agente fiscal entende que ocorreu infração à legislação tributária.

Contudo, nem sempre o contribuinte concorda com o entendimento da fiscalização e com o lançamento. Por esta razão, é dada oportunidade para este apresentar sua defesa, plenamente assegurada na Constituição Federal, que dispõe no seu artigo 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

 O processo administrativo fiscal federal tem início exatamente no momento em que o contribuinte autuado apresenta defesa, exercendo o seu direito constitucional. Vale dizer, o processo administrativo fiscal tem por finalidade a solução de um conflito, cuja decisão é proferida por órgãos judicantes da Administração. Por este meio, a Administração Pública realiza a autotutela e controle interno, corrigindo os seus atos, revogando os irregulares ou inoportunos e anulando os ilegais.

Por outro lado, o processo administrativo tributário é uma forma de revisão do lançamento por iniciativa dos contribuintes, que têm a faculdade de exigir que a Administração atue sempre na via da estrita legalidade. Assim, o processo administrativo tributário é instrumento colocado ao dispor do contribuinte para sua defesa, garantindo que o mesmo somente terá o seu patrimônio afetado, depois da sua revisão. Trata-se de um meio para impedir atuações ilegais da Administração, controlando a legalidade dos atos administrativos no âmbito da própria Administração Pública.

A peculiaridade desse tipo processual reside no fato de que a própria Administração Pública reanalisa os atos praticados por seus agentes fiscais para, ao final, corroborá-los ou não. Ou seja, a Administração pode rever os seus atos por intermédio do processo administrativo.

Nesse sentido, a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal dispõe: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Por sua vez, a Lei nº 9.784/99, que trata do Processo Administrativo no âmbito da administração pública federal, cuida da questão da seguinte forma:

“Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”.

Na esfera estritamente fiscal, o Decreto nº 70.235/72 rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União, estabelecendo os requisitos, prazos, e direitos. O contencioso tributário é desenvolvido por órgãos integrantes do próprio Ministério da Fazenda, quais sejam, as Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (primeira instância); o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF (segunda instância) e a Câmara Superior de Recursos Fiscais (instância especial).

Pode-se afirmar que o processo administrativo fiscal tem as seguintes características: (i) controle interno da legalidade do lançamento pela própria Administração, que pode anulá-los, em vista do seu poder de autotutela; e (ii) a Administração (Fazenda Pública) exercer a função de “parte” e julgador.

Outra característica interessante do processo administrativo é que ele não possui caráter expropriatório. Desta forma, ainda que seja julgada a procedência do lançamento na esfera administrativa, a Administração só poderá executar o patrimônio do sujeito passivo pela via judicial, através de uma ação de execução fiscal, depois de definitivamente julgado o processo administrativo.

SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

É fundamental destacar que a defesa ou recurso administrativo apresentado pelo contribuinte suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto a matéria estiver pendente de apreciação nos órgãos julgadores. E isto é assim, por força do artigo 151, III do Código Tributário Nacional, que estabelece:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

(…)

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo”.

 O Código Tributário Nacional não previu a suspensão por mera liberalidade, pois, conforme ensina Cleide Previtalli Cais “em senda administrativa, o contencioso tributário constitui uma continuação, ou a antecipação, ou, ainda, a reabertura do processo de lançamento, no sentido de que essa discussão é dotada da mesma natureza do processo de lançamento, que fica suspenso até a sua decisão final, a qual constituirá o lançamento definitivo”. (CAIS, Cleide Previtalli; ALVIM, Arruda. O processo tributário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 250).

A defesa administrativa lança dúvidas sobre o lançamento, tornando-o inacabado até a decisão final na esfera administrativa. Considerando que o ato do lançamento sofre processo de revisão, obviamente que este não pode ser considerado definitivo enquanto não julgado definitivamente, o que impede a sua exigência. O oferecimento de defesa administrativa faz com que os efeitos do lançamento fiquem suspensos até que se realize o julgamento final nos tribunais administrativos, que podem (i) anular; (ii) anular parcialmente; ou (iii) manter o lançamento. Vale dizer, durante a discussão administrativa há apenas expectativa de direito do fisco.

A alienação de imóvel, ou de quaisquer outros bens por pessoa jurídica que apresenta CPEN não se consubstancia fraude à execução ou fraude contra credores, porque não há dívida constituída definitivamente. Há apenas uma expectativa de crédito tributário do fisco, que ainda não se materializou, e que talvez não se materialize nunca, se o processo vir a ser julgando procedente.

De fato, pelo atual teor do art. 185 do Código Tributário Nacional, a presunção de fraude pode ser caracterizada a partir do momento em que o crédito for inscrito na dívida ativa, pois neste momento o crédito se reputa definitivamente constituído. Eis o teor da norma:

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”.

 Quando a dívida que origina a CPEN decorre exclusivamente de lançamento impugnado e ainda não há crédito tributário inscrito na dívida ativa  não há que se falar em fraude. Nesse sentido a doutrina:

“Ademais, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário obsta sua inscrição na dívida ativa, de modo que o contribuinte pode praticar atos de compra e venda sem que isso caracterize fraude contra a Fazenda Pública, regulamentada pelo art. 185 do CTN” (in “Exigibilidade do Crédito Tributário: Amplitude e Efeitos de sua Suspensão”, por Fabiana Del Padre Tomé – disponível: http://www.editoranoeses.com.br/blog/exigibilidade-do-credito-tributario-amplitude-e-efeitos-de-sua-suspensao-por-fabiana-del-padre-tome/).

Assim, o Código Tributário Nacional traz norma especial sobre o tema. Por outro lado, considerando que à espécie poderia ser aplicado o Código Civil, verifica-se que este enuncia no seu artigo 158, § 2º:

“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

(…)

Parágrafo 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles”.

 Da dicção do artigo se extrai que, para o Direito Civil, é característica do crédito fraudado que o mesmo seja anterior à prática da fraude. Assim, no caso de obrigação sujeita a condição suspensiva, tal condição já deve ter sido verificada antes do possível ato fraudador, pois do contrário, não se configura crédito anterior ao ato fraudulento e, portanto, não haverá fraude contra credores.

Nesse sentido, Lauro Laertes de Oliveira, ao tratar do credor condicional, ensina que “o condicional somente se torna credor quando ocorre o implemento da condição… Por conseguinte, o credor condicional não possui propriamente direito adquirido, e pode ocorrer que a condição nunca se verifique e jamais se torne credor; em consequência carece ele de interesse e legitimidade para propor ação pauliana” (Da ação pauliana, Saraiva, ano 1979, p. 87).

Por essas razões, enquanto o processo administrativo não tem julgamento definitivo, a Administração é obrigada a emitir certidão positiva com efeito de negativa, pois ainda não há certeza do lançamento, do seu valor e, consequentemente, ainda não há débito do contribuinte definitivamente constituído.

CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA

A certidão negativa de tributos – CND é um documento de interesse do sujeito passivo da obrigação tributária para comprovar a quitação de determinado tributo, prova essa indispensável para a prática de diversos atos previstos em lei. O artigo 205 do Código Tributário Nacional trata da CND da seguinte forma:

“Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido”.

Por sua vez, o artigo 206 equipara à CND a CPEN, in verbis:

“Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

De fato, a certidão positiva com efeito de negativa equivale à CND e deve ser expedida no curso da discussão administrativa do crédito tributário, pois, a sua exigibilidade estará suspensa por força do art. 151, III do Código Tributário Nacional.

Nesse aspecto, a Súmula nº 29 do antigo TFR enunciava “os certificados de quitação e de regularidade não podem ser negados, enquanto pendente de decisão, na via administrativa, o débito levantado”.

De acordo com o “site” da Receita Federal do Brasil (http://www.dataprev.gov.br/arr/textocnd.html), a CPEN substitui a CND nas seguintes hipóteses:

a) na licitação, na contratação com o poder público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedidos por ele;

b) na alienação ou oneração a qualquer título, de bem imóvel incorporado ao ativo fixo ou permanente ou direito a ele relativo;

c) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem móvel de valor superior a R$15.904,18;

d) no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedade de responsabilidade limitada;

e) na contratação de operação de crédito com recursos públicos ou de fundos de incentivo à atividade econômica (FINAM, FINOR, Fundo de Amparo ao Trabalhador- FAT, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, Caderneta de Poupança, etc.), bem como na liberação de eventuais parcelas deste.

Na prática, a CPEN é emitida em conjunto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN  e pela Receita Federal do Brasil – RFB. Referido documento certifica a situação fiscal da pessoa física ou jurídica (contribuinte) perante a Fazenda Nacional, em relação aos débitos previdenciários e aos não previdenciários inscritos em Dívida Ativa da União (DAU) pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e aos débitos previdenciários e aos não previdenciários administrados pela Receita Federal do Brasil. A certidão conjunta poderá ser Negativa (CND), Positiva com efeitos de negativa (CPEN) ou Positiva (CPD).

CONCLUSÃO

  1. O processo administrativo fiscal federal tem início no momento em que o contribuinte autuado apresenta defesa e, por meio desta, a Administração Pública realiza a autotutela e controle interno, corrigindo os seus atos, revogando os irregulares, ou inoportunos e anulando os ilegais;
  2. O processo administrativo tributário é instrumento colocado ao dispor do contribuinte para sua defesa, garantindo que o mesmo somente terá o seu patrimônio afetado, depois da sua revisão definitiva na esfera administrativa;
  3. O processo administrativo não possui caráter expropriatório, pois, ainda que seja julgada a procedência do lançamento na esfera administrativa, a Administração só poderá executar o patrimônio do sujeito passivo pela via judicial, através de uma ação de execução fiscal;
  4. A defesa ou recurso administrativo apresentado pelo contribuinte suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto a matéria estiver pendente de apreciação nos órgãos julgadores, nos termos do artigo 151, III do Código Tributário Nacional, e levanta dúvidas sobre o lançamento, tornando-o inacabado até a decisão final na esfera administrativa, o que impede sua exigência;
  5. A alienação de imóvel, ou de quaisquer outros bens por pessoa jurídica que apresenta CPEN decorrente de processo administrativo não julgado, s.m.j. não se consubstancia fraude à execução, ou fraude contra credores, porque não há dívida constituída definitivamente, mas apenas expectativa de crédito tributário do fisco, que ainda não se materializou, e que talvez não se materialize nunca, se o processo vir a ser julgado procedente;
  6. A certidão negativa de tributos – CND – é um documento de interesse do sujeito passivo da obrigação tributária para comprovar a quitação de determinado tributo, prova essa indispensável para a prática de diversos atos previstos em lei, sendo que tem os mesmos efeitos da CND, a CPEN de que conste a existência de créditos cuja exigibilidade esteja suspensa (art. 206 do CTN);
  7. Em vista dessa equiparação legal, a CPEN substitui a CND na hipótese de alienação ou oneração a qualquer título de bem imóvel, ou direito a ele relativo.

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    • Gabi, o arrolamento de bens não se aplica em qualquer hipótese. Mas mesmo quando se aplica, os TRFs têm entendido que o único ônus imposto ao contribuinte, em decorrência do arrolamento é a necessidade de comunicar ao órgão fazendário do seu domicílio tributário qualquer transferência, alienação ou oneração dos bens arrolados. O arrolamento não implica em gravame sobre os bens arrolados e não há qualquer restrição à sua utilização, oneração ou alienação, podendo o proprietário deles dispor livremente, desde que dê ciência ao Fisco da respectiva movimentação.
      Eu tratei desse assunto no post cujo link é este
      https://tributarionosbastidores.wordpress.com/tag/arrolamento/