A MP estabelece no seu artigo 7º que o sujeito passivo (pessoa física ou jurídica) deverá declarar à Receita até 30 de setembro de cada ano, as operações realizadas no ano anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo (em regra planejamentos tributários), quando: I – os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes; II – a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ou III – tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Por outro lado, o artigo 9º menciona que, se a Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas, o sujeito passivo será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos apenas de juros de mora.
E finalmente, o artigo 12 estabelece que a não apresentação da declaração ou omissão na declaração caracterizará omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa de 150% (§ 1º do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996).
Causa surpresa a leitura da norma. E isto porque, as operações listadas nos itens I e II do artigo 7º (acima transcritas) têm sido consideradas ilegais, fraudulentas ou abusivas pelo fisco e pelos órgãos fazendários, tais como o CARF. Apenas a título exemplificativo transcrevo parte de ementas de decisões do CARF corroborando isso.
– Decisão que considera abusivo negócio jurídicos praticado que não possui razão extratributária relevante:
“(…)CONTROLADAS INDIRETAS. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO. Demonstrado nos autos que a consolidação do resultado das controladas indiretas nas controladas diretas, sendo esta desprovida de propósito negocial, teve o intuito exclusivo de evitar a tributação dos resultados, correta a desconsideração dos efeitos tributários daí decorrentes, e o procedimento de entender como disponibilizados diretamente na controladora no Brasil, os lucros das controladas indiretas” (Número do Processo 16643.000326/201091, Data da Sessão 26/11/2014, Acórdão 1402001.875)
– Decisão que impede redução da carga tributária se o operação foge dos critérios usuais:
“REMUNERAÇÃO DE DEBÊNTURES EXCLUSIVAMENTE COM LUCROS, AQUISIÇÃO UNICAMENTE PELOS SÓCIOS. OPERAÇÃO NÃO USUAL E ANORMAL. A remuneração de debêntures efetuadas exclusivamente com os lucros da empresa e oferecidas unicamente aos seus sócios, foge dos critérios de usualidade e normalidade a esse tipo de operação. Somente são admitidas como dedutíveis para apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, as despesas operacionais usuais ou normais ao tipo de transações, operações ou atividades da empresa”. (Processo nº 13899.001314/2006-16, Recurso nº 159.969 De Oficio e Voluntário, Acórdão nº 1202-00.335 – 2 ª Câmara / 2 ª Turma Ordinária Sessão de 06 de julho de 2010)
– Decisão que entende que há fraude à lei no negócio jurídico indireto:
“NEGÓCIO JURÍDICO INDIRETO . INOPONIBILIDADE AO FISCO. O fato de ser um negócio jurídico indireto não traz a consequência direta de tornar eficaz o procedimento da interessada, pois essa figura não é oponível ao fisco quando visar apenas a mera economia de tributos. No caso concreto, houve fraude à lei do imposto de renda que comanda a tributação do ganho de capital na alienação de ações através da utilização de norma de cobertura. O negócio jurídico indireto se deu através de compra e venda de ações mascarada a partir de um aumento de capital não vivenciado.” (ACÓRDÃO 1401-001.239- CARF – 1a. Seção – 4A CAMARA / 1A TURMA ORDINARIA)
Resumindo, a Medida Provisória 685/2015 pretende que aqueles sujeitos passivos que realizem operações que são consideradas ilícitas pelos órgãos fiscais (isso não significa que sejam realmente ilícitas, pois ou Judiciário pode vir a entender de outra forma), as declarem, o que é contrário a todo o ordenamento jurídico brasileiro e internacional. E, o simples fato de não declarar será o gatilho para uma multa de 150% que somente é aplicável em casos de sonegação, fraude e conluio.
De fato, na esfera penal, o art. 5º, inciso LXIII, da CF/88 assegura ao preso o direito de permanecer calado. Segundo Alexandre de Moraes: “A expressão preso não foi utilizada pelo texto constitucional em seu sentido técnico, pois o presente direito tem como titulares todos aqueles, acusados ou futuros acusados (por exemplo: testemunhas, vítimas), que possam eventualmente ser processados ou punidos em virtude de suas próprias declarações” (in “Direitos Humanos Fundamentais – Doutrina e Jurisprudência”, Atlas, volume 3, 1997, p. 278).
O direito ao silêncio é uma forma passiva de defesa e se aplica em hipóteses de natureza penal ou extrapenal, inclusive tributária, ou qualquer outra forma de procedimento que possa implicar em punição.
Por outro lado, na Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8º, inciso 2, letra g, garante a pessoa o “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
Nos termos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), aprovado pela Assembleia Geral da ONU, em 1966, ratificado pelo Brasil em 1992 (decreto 592, de 6 de julho de 1992), artigo 14, 3, g: toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias: “g: de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.”
O Código de Processo Civil brasileiro estabelece no seu art. 347, I, que a parte não é obrigada a depor de fatos criminosos ou torpes, que lhe forem imputados.
O art. 229 do Código Civil traz outras hipóteses de legítima a recusa de depor ao prever que “ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo; II – a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; III – que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato”.
O direito a não auto-incriminação não atinge apenas do acusado em processo penal. Seu exercício abarca o sujeito passivo, em relação à apresentação de informações a ele prejudiciais.
Ives Gandra Martins ensina que, se o agente fiscal quiser obter informações que possam implicar em ilícito/crime tributário, tem o contribuinte o direito de ficar calado e, portanto, não prestar qualquer colaboração (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Crimes Contra a Ordem Tributária, São Paulo: RT, 2002, p. 44).
O STF, quando do julgamento do HC 79244, decidiu que “o direito ao silêncio não decorre o de recusar-se de logo a depor, mas sim o de não responder às perguntas cujas repostas entenda possam vir a incriminá-lo”.
Muito embora não exista disposição expressa na esfera tributária quanto ao direito de não prestar esclarecimentos contra si mesmo, todos os princípios constitucionais e infra-constitucionais, além das normas internacionais, convergem nesse sentido e o desrespeito a esse princípio leva à desconsideração de outros princípios constitucionais, tais como os contidos no artigo 5º, incisos LIV, LV, in verbis:
“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”;
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”;
Não se pode deixar em branco, que na exposição de motivos que justificou a criação das normas acima analisadas menciona que “no âmbito do BEPS, há recomendações relacionadas com a elaboração de tais regras quanto a operações, arranjos ou estruturas agressivos ou abusivos”.
O Plano de Ação para o Combate à Erosão da Base Tributária e à Transferência de Lucros – BEPS – preparado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), principal fórum sobre tributação internacional, objetiva criar mecanismos para que os governos possam evitar e combater os planejamentos fiscais realizados por multinacionais com finalidade de reduzir ou nulificar o pagamento de tributos pela transferência de seus resultados a países com tributação pequena, onde não há atividade econômica efetiva. Vale dizer, tem por objetivo proteger os países da perda de arrecadação e proteger as empresas que operam apenas no mercado doméstico, empresas familiares, que são prejudicadas por suportar uma carga tributária maior e têm dificuldade em competir com multinacionais, não tendo qualquer relação com operações que não envolvam planejamento internacional.
Conforme “ação 12” (…).Os trabalhos serão focados em esquemas tributários internacionais, onde se procurará definir de forma abrangente do conceito de “benefício tributário”, que possa englobar essas transações. Os trabalhos serão conduzidos em coordenação com os trabalhos relativos à disciplina de cooperação e de conformidade. Terão também por objetivo conceber e por em prática modelos melhorados de partilha de informação, entre administrações tributárias, sobre os esquemas tributários internacionais”
Além disso, na exposição de motivos da MP, consta que o Plano de Ação BEPS “reconheceu, com base na experiência de diversos países (EUA, Reino Unido, Portugal, África do Sul, Canadá e Irlanda), os benefícios das regras de revelação obrigatória a administrações tributárias. Assim, no âmbito do BEPS, há recomendações relacionadas com a elaboração de tais regras quanto a operações, arranjos ou estruturas agressivos ou abusivos”.
Essa experiência positiva dos países mencionados, certamente não decorre de declarações do próprio sujeito passivo, mas de informações fornecidas por terceiros tais como: instituições de crédito e demais instituições financeiras; advogados, contadores, auditores, dentre outros.
Assim, pena prevista no artigo 12 da MP que estabelece que a não apresentação da declaração ou omissão na declaração caracterizará omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude e os tributos devidos serão cobrados acrescidos de juros de mora e da multa de 150%, não pode ser aplicada por contrariar princípios constitucionais, normas internacionais e direito infra-constitucional.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Temos que orientar nossos clientes a deixar de prestar tal informação e se defender em caso de aplicação da multa?
Gerusa.
Geralmente informo o cliente sobre seus direitos e sobre os riscos que corre.
O cliente deve saber que existem argumentos jurídicos sólidos para afastar a norma. Contudo, por ser tema muito recente, não há decisões, o que dificulta a avaliação sobre a chance de êxito.
Por outro lado, deve ter ciência que as operações listadas nos itens I e II do artigo 7º da MP têm sido, na grande maioria dos casos, consideradas ilegais, fraudulentas ou abusivas pelo fisco e pelos órgãos fazendários, tais como o CARF.
Com esses dados, o próprio interessado, o cliente, deve tomar sua decisão.
Ótimo texto Dra. Amal!