Em outras palavras, a solução de consulta Cosit mencionada entende que é proibida a dedutibilidade dos JCP que tomem como base de referência a movimentação do patrimônio líquido havida em exercícios anteriores ao do efetivo pagamento. Esta posição vinculará a fiscalização da Receita Federal.
Contudo, este entendimento não é a interpretação mais coerente considerando o sistema legal brasileiro.
De fato, com o advento do art. 9o da Lei nº 9.249/95 e posteriores alterações, difundiu-se entre as sociedades investidas o hábito de pagar aos sócios/acionistas valores a título de JCP, os quais, segundo o artigo 9º mencionado, são dedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL) das sociedades investidas.
Ocorre que a legislação não estabelece nenhum momento específico para o pagamento dos JCP e, portanto, nada está estipulado no sentido de que a dedução dos JCP deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa.
Ao contrário, da interpretação do artigo 9º da Lei 9.249/95, verifica-se que é permitido que o pagamento ou creditamento ocorra em período futuro, quando efetivamente ocorrer o pagamento.
Eis o teor do artigo 9º:
“Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”.
Em verdade, o período de competência do JCP é aquele em que ocorre a deliberação dos sócios ou acionistas pelo seu creditamento ou pagamento. A sociedade somente se torna devedora e assume a obrigação no momento da deliberação, que é o ato jurídico que estabelece a obrigação de pagar os juros. Enquanto esta não ocorrer, não surge a despesa, e assim, não há que se pensar em dedutibilidade de encargo que não existe.
Ademais, o regime de competência é relacionado ao de despesa incorrida. A despesa de JCP se torna incorrida no instante em que a se delibera o seu pagamento, que é o momento em que o sócio ou acionista pode exigir o seu pagamento.
E por não existir nenhuma proibição, a sociedade pode decidir pelo pagamento de JCP em períodos subsequentes relativos a períodos pretéritos e o não pagamento de JCP em períodos passados não significa renuncia do direito de pagá-los.
Não existe muita jurisprudência sobre o tema no judiciário, mas há um julgamento do STJ favorável à pessoa jurídica:
MANDADO DE SEGURANÇA. DEDUÇÃO. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO DISTRIBUÍDOS AOS SÓCIOS ACIONISTAS. BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. EXERCÍCIOS ANTERIORES. POSSIBILIDADE. I – Discute-se, nos presentes autos, o direito ao reconhecimento da dedução dos juros sobre capital próprio transferidos a seus acionistas, quando da apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no ano-calendário de 2002, relativo aos anos-calendários de 1997 a 2000, sem que seja observado o regime de competência. II – A legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa. Ao contrário, permite que ela ocorra em ano-calendário futuro, quando efetivamente ocorrer a realização do pagamento. III – Tal conduta se dá em consonância com o regime de caixa, em que haverá permissão da efetivação dos dividendos quando esses foram de fato despendidos, não importando a época em que ocorrer, mesmo que seja em exercício distinto ao da apuração. IV – “O entendimento preconizado pelo Fisco obrigaria as empresas a promover o creditamento dos juros a seus acionistas no mesmo exercício em que apurado o lucro, impondo ao contribuinte, de forma oblíquoa, a época em que se deveria dar o exercício da prerrogativa concedida pela Lei 6.404/1976″. V – Recurso especial improvido”. (REsp 1086752/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 11/03/2009)
O CARF, por sua vez, tem decisões nos dois sentidos. Transcrevo duas favoráveis à pessoa jurídica:
“JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO – DEDUTIBILIDADE – LIMITE TEMPORAL – O período de competência, para efeito de dedutibilidade dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do imposto de renda, é aquele em que há deliberação de órgão ou pessoa competente sobre o seu pagamento ou crédito. Inclusive, a remuneração do capital próprio pode tomar por base o valor existente em períodos pretéritos, desde que respeitado os critérios e limites de dedutibilidade previstos em lei na data da deliberação do pagamento ou creditamento. RENÚNCIA. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. Não há previsão legal sobre a configuração de renúncia de direito no caso de ausência da deliberação do pagamento dos JCP. A renúncia de direitos deve ser interpretada de forma restrita, não devendo o silêncio do acionista ser interpretado como ato volitivo de abdicação de direito, gerando efeitos tributários. LANÇAMENTO DECORRENTE – CSLL – Tratando-se de lançamento reflexo, a solução dada ao lançamento matriz é aplicável, no que couber, ao lançamento decorrente, quando não houver fatos novos a ensejar decisão diversa, ante a íntima relação de causa e efeito que os vincula” (Processo nº 16327.001631/201083, Acórdão nº 1401000.902, 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, Julgamento de 04/12/2012).
JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO – JCP – DEDUTIBILIDADE. REGIME DE COMPETÊNCIA. LIMITE TEMPORAL. O período de competência, para efeito de dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, é aquele em que há deliberação para pagamento ou crédito dos mesmos, podendo, inclusive, remunerar o capital tomando por base o valor existente em períodos pretéritos, desde que respeitado os critérios e limites previsto em lei na data da deliberação do pagamento ou crédito. Nada obsta a distribuição acumulada de JCP desde que provada, ano a ano, ter sido passível de distribuição, levando em consideração os parâmetros existentes no ano calendário em que se deliberou a distribuição. Recurso Voluntário Provido (Processo 16327.000585/201003 , Acórdão 1402-001.178, 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, julgamento em 11/09/2012).
Desta forma, não obstante o entendimento da Solução de Consulta nº 329 – Cosit, se alguma pessoa jurídica for autuada ou pretender assegurar o direito de deduzir a despesa em questão que tenha por base de referência contas do patrimônio líquido relativas a exercícios anteriores ao do seu reconhecimento como despesa, poderá defender-se junto ao CARF e/ou ajuizar uma ação para assegurar o direito, como boas chances de ter o seu direito reconhecido.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Prezada Amal, boa noite!
Muito boa as suas considerações em relação ao JCP, tendo observado com muita propriedade a menção do Art. 9º da Lei 9249/95 aonde diz que poderá deduzir a PJ, para efeito de lucro real, os juros pagos ou creditados individualmente a titular, sócios ou acionistas, ocorrendo o fato somente no momento da deliberação dos sócios ou acionistas, considerando o seu CREDITAMENTO OU PAGAMENTO, formando naquele momento o fato gerador do JCP, não importando períodos pretéritos, devendo apenas respeitar o prazo prescricional da legislação do imposto de renda. Veja também que o Art. 9º descreve a condição de "poderá", ou seja, pode ou não realizar a dedução do JCP naquele momento.