A sociedade por conta de participação está prevista na nossa legislação há mais de um século, mas foi “redescoberta” nos últimos 10 anos e vem sendo muito adotada, especialmente nos empreendimentos imobiliários.
Trata-se de uma sociedade sem personalidade jurídica, e está prevista no Código Civil no art. 911 que dispõe que “na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes“.
As principais características deste tipo societário são as seguintes:
– a SCP é uma sociedade não personificada e sem denominação social;
– um empreendedor, chamado sócio ostensivo, associa-se a investidores, denominados, sócios participantes, para a exploração de uma atividade econômica;
– o sócio ostensivo realiza todos os negócios e operações ligados à atividade da sociedade, em seu próprio nome, respondendo de forma pessoal e ilimitada;
– o sócio ostensivo registra contabilmente as operações realizadas pela SCP como se fossem suas, mas as identifica com o objetivo de partilhar os resultados;
– os sócios participantes (sócios investidores ou ocultos) não aparecem nas negociações realizadas pelo sócio ostensivo, não participam na gestão dos negócios, mas tem direito a participar dos resultados;
– a sociedade não é registrada na Junta Comercial e os terceiros não tem ciência da existência da Conta em Participação;
– o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais.
– as obrigações tributárias são cumpridas apenas pelo seu sócio ostensivo.
Pois bem, como as obrigações tributárias são de responsabilidade do sócio ostensivo (pagamento de tributos e declarações destinadas à Receita Federal tais como DIPJ, DCTF, EFD-Contribuições, EFD-ICMS/IPI, ECF, etc..), todas as obrigações eram cumpridas com utilização do CNPJ do sócio ostensivo.
Ocorre que, com a edição da Instrução Normativa da RFB 1470 de 30/05/2014 foi revogado o item 4 (quatro) da Instrução Normativa SRF nº 179, de 30 de dezembro de 1987 que mencionava que “Não será exigida a inscrição da SCP no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda – CGC/MF”.
Com esta revogação os sócios ocultos poderão ser identificados, o que pode levar a outras implicações.
Somente o futuro poderá dizer se os sócios ocultos continuarão as ser poupados de eventuais responsabilidades ligadas à sociedade.
O que fica claro com esta medida, é que ao menos, perante o fisco, as SCP sofrerão um controle mais significativo, além de redundar em maiores custos administrativos para as sociedades.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Dra. Amal,
A Senhora entende que uma Empresa do Simples Nacional pode ser sócia ostensiva, olhando para o que esta disposto no art. 3º da LC 123/2006 ?
Caio
Eu nao estudei profundamente o assunto, mas me parece dificil, pois muito embora a SCP nao tenha personalidade juridica, e portanto, nao se enquadre no conceito de pessoa juridica ou empresa, existem limitacoes relacionadas ao Simples quanto ao faturamento dentre outras.
Dra. Amal, é um mito isso que foi colocado ("Com esta revogação os sócios ocultos poderão ser identificados, o que poder levar a outras implicações."). O sócio participante (oculto) sempre foi identificado pela SRFB pois declara no seu imposto de renda os rendimentos recebidos de SCP, para terem tratamento de dividendos. A ostensiva, declara da mesma forma forma em seus registros contábeis o pagamento das SCP. Se não fizerem isso, os dividendos seriam tributados. Por isso, a SRFB já tem acesso aos participantes de SCP. A finalidade de criação de CNPJ é outra.... No mais, parabéns pelo belo trabalho nesse blog. Sds,
Oi Rogerio. Importante deixar claro que as SCP são sociedades regulares e que, como qualquer outro tipo societário se submetem as regras de tributação previstas na legislação. Concordo com você.
Contudo, a forma de constituição destas sociedades facilita a prática fraudulenta (isso não significa que todas as SCP são fraudulentas).
É inegável que ao determinar a inscrição no CNPJ e agora, com ECD, a Receita está procurando fechar o cerco e investigar de forma mais direta as operações destas sociedades.
Lembro que o ECD foi criado para facilitar a identificação de fraudes, o cruzamento de dados, a fiscalização, dentre outras finalidades.
Quanto à identificação dos sócios, a implicação poderá ocorrer não somente nas questões tributárias, mas na área criminal, trabalhista, civil e comercial. Ou seja, estes sócios estarão mais expostos do que antes.
O Poder Judiciário tem desconsiderado as personalidades jurídicas com relativa facilidade. Imagine no caso das SCP que nem personalidade jurídica possuem. O risco aumenta.
Aqueles que sempre cumpriram suas obrigações e atenderam a lei, não tem com o que se preocupar.
Drª. Amal, Gostei do sua resposta ao Rogério e a alguns anos venho acompanhado as SPC. Vejo que essa "distorção" no objetivo das SPCs existe e o governo, percebendo a fragilidade deste tipo societário com relação ao recolhimento de impostos resolveu agir.
Realmente, o fisco cada vez mais tem fechado o cerco e tornando a fiscalização mais eficaz.
Na prática, hoje a concessão de um CNPJ está atrelado ao arquivamento de um ato societário na Junta Comercial do Estado, seja o ato constitutivo da sociedade, seja a alteração do contrato social. No caso da SCP, para que, então, seja concedido o CNPJ através do DBE.
A SCP, como não tem obrigatoriedade de arquivar seu contrato na Junta, justamente pela sua natureza secreta e não tenho, assim, obrigação de se dar publicidade, como seria a concessão de CNPJ para uma sociedade sem registro?
E, mesmo que seja possível o registro do contrato da SCP, este não lhe confere personalidade jurídica ou cria um terceiro ente com tal personalidade, como será conferido CNPJ?
Victor
No caso, a concessão do CNPJ deve ser feita pela Internet, por meio do Programa Gerador de Documentos do CNPJ (PGD CNPJ), usando a versão mais atualizada do ReceitaNet, ou versão web, disponíveis no site da Receita federal.
A inscrição no CNPJ não terá o condão de conferir personalidade jurídica à SCP.
É o que manda a orientação gerar o CNPJ no programa gerador, com a natureza jurídica 212-7, mas na prática isso não funciona, pois o programa não aceita a sócia ostensiva como pessoa jurídica. Além do mais, é obrigatório o preenchimento de um nome empresarial, onde diverge do que dispõe o Código Civil com relação a SCP. Deste modo, ainda não vi ninguém que conseguiu gerar um CNPJ de uma SCP com o sócio ostensivo sendo pessoa jurídica. A RFB muda a legislação, mas não está preparada praticamente para receber as próprias mudanças.
Prezados, seria interessante procurar a Receita Federal para obter esta resposta que é de cunho operacional.
Dra. Amal.
Por acaso existiria alguma penalidade para as SCPs que continuarem sem CNPJ?
A empresa pode ter problemas, por exemplo, pode ocorrer a desconsideração da existência da SCP e, por conseguinte, desqualificar todas as distribuições de lucros realizadas, ficando a sociedade sujeita à autuação pelo não recolhimento de IRRF e de contribuição previdenciária de 20% sobre os valores pagos. Além disso, pode ocorrer desconsideração dos pagamentos de tributos realizados em CNPJ de outra sociedade, etc, etc.