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O ITBI não pode ser exigido antes do registro no cartório de imóveis

A Constituição Federal estabelece no seu artigo 156, II:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (…)

 II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

 Por outro lado, dispõe o artigo 35 do Código Tributário Nacional:

“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil”.

 Como se vê, a Constituição Federal e o CTN estabelecem que o fato gerador do ITBI é a transmissão inter vivos de bens imóveis, por ato oneroso.

Ocorre que existem diversas leis municipais que estabelecem que  o ITBI deve ser pago antes da data do ato de lavratura do instrumento de transmissão dos bens imóveis e direitos a eles relativos. Normas desta espécie conflitam com os dispositivos acima citados (artigo 156, II da CF/88, artigo 35 do CTN), pois o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade bem imóvel.

Vale dizer, o imposto somente é devido quando se transfere o domínio. E o momento da transferência é o registro no Cartório de Registro de Imóveis, conforme os artigos 1.227 e 1.245 do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

 “Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.

 O critério do Código Civil é adotado pela legislação tributária, por força do artigo 110 do CTN, que estabelece:

 “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

Desta forma, apenas mediante o registro imobiliário é que ocorre a transmissão do bem imóvel. Antes da inscrição do título de transmissão não ocorre qualquer transmissão de propriedade, não se havendo falar na ocorrência do fato imponível da obrigação tributária e tampouco no pagamento de ITBI, ou multas e demais acréscimos.

A jurisprudência do Poder Judiciário é firme no sentido de que o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel.

Nesse sentido, cito um caso recentíssimo, em que uma sociedade incorporou outra, e a empresa incorporada tinha seu capital constituído pelo domínio útil de um único imóvel. Com a incorporação e consequente extinção da sociedade incorporada o imóvel foi transmitido para a sociedade incorporadora. Pretendendo registrar a alteração de propriedade do imóvel, a sociedade incorporadora apresentou perante o Cartório de Registro de Imóveis os documentos societários devidamente registrados na Junta Comercial.

Ocorre que, para realização do competente registro, o Cartório exigiu o pagamento do ITBI, acrescido de multa e demais acréscimos, sob o pretexto de que o tributo estaria sendo pago a destempo. Em vista disso, a sociedade incorporadora interpôs mandado de segurança e a juíza de direito da Vara da Fazenda Pública de Barueri, ao analisar pedido de liminar em mandado de segurança, em 03/10/2012 decidiu:

“Assiste razão à Impetrante e presentes, o “fumus boni iuris” (fumaça do bom direito) e o “periculum in mora” (perigo da demora).

A impetrante tem todo o interesse em registrar a incorporação da sociedade, de forma a haver transferência do domínio útil do imóvel para seu nome.

Como dispõe a lei, os direitos reais sobre os imóveis transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o registro no Serviço de Registro de Imóveis competente.

Assim, a ata de incorporação não tem este efeito de transferir a propriedade do imóvel.

Desta forma, concedo a liminar, para que o Registro de Imóveis, ou o Município não exijam o pagamento de multa, juros ou qualquer outro acréscimo sobre o valor do imposto de transmissão.

Não havendo outras exigências o título deverá ser registrado”. (MS nº 068.01.2012.043283-3/0000)

A jurisprudência de nossos tribunais também é firme no sentido de que o fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel.

Segue precedente do STJ:

“TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. EXAME DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF.  AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO”. (AgRg no Ag 880.955/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/04/2008, DJe 23/04/2008)

 No mesmo sentido, as recentíssimas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“MANDADO DE SEGURANÇA – Birigui – ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Ocorrência do Fato gerador. Momento de registro perante o Registro Imobiliário. Cobrança de Juros, Multa e Correção monetária indevida. Recursos não providos. (Apelação/Reexame Necessário: 00086147420118260077, Relator: Jarbas Gomes, Data de publicação: 08/08/2012)

APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança – ITBI – Lei Municipal nº 14.256/06. (…) O fato gerador do ITBI só ocorre com a transferência efetiva da propriedade, com o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Precedentes do STJ. Sentença mantida. Recursos improvidos. (Apelação/Reexame Necessário: 00132352620108260053, Relator: Eutálio Porto, Data de publicação: 05/06/2012)

Como se vê, a exigência de ITBI, ou o pagamento de multa, juros ou quaisquer outros acréscimos, antes mesmo que tenha ocorrido o fato gerador do imposto – registro de transmissão do bem imóvel, não encontra amparo na Constituição Federal e nem no CTN.

(*) co-autor Alfredo Rizkallah Jr.

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  • Parabéns!!! Esta arguementação também vale para ITCMD. Como sempre teus textos são de competência indiscutível.

    • PODE SIM, POR SER COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO, E O MESMO TERÁ QUE TER LEI ESPECIFICA.
      QUANTO SER COMPETÊNCIA DO ESTADO - o ITCMD - É O CASO DE INVENTÁRIO, DOAÇÃO.
      O QUE NÃO SE DEVE COBRAR PELA C.F. É ITBI SOBRE POSSE, O ITBI NESSE CASO SERÁ COBRADO APÓS O USUCAPIÃO, E EFETUADA A PRIMEIRA TRANSMISSÃO ONEROSA.
      ECONOMISTA MARCIO FERNANDES - INSPETOR FISCAL DE RENDAS - PMSS.

      • Olá Márcio
        Apesar de não concordar com o seu ponto de vista (conforme o post), segue publicado o seu comentário.

  • Marcio Fernandes,

    Compreendo seu ponto de vista e respeito. Todavia entendo que a CRFB e o CTN, recepcionado como lei complementar, justamente conferem a competência aos municípios para instituir tais impostos.
    Desta forma a lei municipal que irá criar os impostos no respectivo Município não pode extrapolar os poderes que foram conferidos a este por normas hierarquicamente superiores.
    Acredito que seu ponto de vista está fortemente influenciado pelo vínculo com a PMSS e que o conhecimento do sistema jurídico de uma forma mais aprofundada pode resultar em uma visão mais crítica da matéria.
    Parabéns a Amal Nasrallah e Alfredo Rizkallah Jr. pelo texto que desenvolve bem o tema ao qual se propuseram a escrever.

    Atenciosamente,

    Bruno Villares, sócio de Schmidt & Villares Advogados

  • Parabéns, ótimo texto, muito esclarecedor para leitor geral, me ajudou muito.
    Grato,
    Roberto Rodrigues

  • ERRADO - O município tem competência para legislar sobre um ato que só se aperfeiçoa no futuro. Ver o artigo Constitucional abaixo:
    CF- artigo 150.
    § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

    • Olá Rubens
      Este artigo da CF não se aplica ao ITBI, pois não se trata responsabilidade tributária atribuída terceiro, mas apenas do momento do pagamento do ITBI.

      • Bom dia Amal:
        Tenho uma pergunta, e se uma empresa integraliza no seu capital um imóvel. A integralização foi devidamente registrada na Junta Comercial e o Imóvel consta nos livros Contábeis e no IRPJ. Mas ainda não ocorreu a transcrição na matrícula no Registro de Imóveis. Cabível o ITBI? Em muitas legislações o fato descrito constitui hipótese de incidência. O que você acha? Esse tipo de lei é constitucional? Entendo que sim, já que a transmissão está devidamente registrada, apesar de não ser no Registro de Imóveis.

        • Prezado Rubens
          Neste caso, na minha opinião, o ITBI somente é devido no registro de imóveis, por todas as razões já mencionadas no post.
          A questão dos registros contábeis não afeta o direito, pois a contabilidade não tem o poder de mudar o direito.

  • Boa tarde Amal, tenho uma duvida:

    Possuo um contrato de cessao de direito sobre um imovel datado de abril de 2008 assinado e com firma reconhecida, porem somente agora resolvemos leva lo a registro perante o cartorio de imoveis... Ocorre que para efetuar o registro necessario se faz emitir a guia no site da prefeitura para o pagamento do ITBI, e ao fazer esta, o juros+multa incorrerao em um valor altissimo. Contudo,
    gostaria de saber se nesse caso sou mesmo obrigada a pagar a multa mais juros, ou se apensas devo pagar o valor do itbi a partir da data do registro em cartorio? De acordo com a materia entendo que nao, mas entao teria que impetrar um MS?

    Att.

    Marina Bastos

  • Estou com um caso para cancelar uma cobrança de ITBI de uma transação que não foi transferida a propriedade, apenas realizada uma escritura de promessa de compra e venda. Apesar de constar na promessa que deveríamos recolher o ITBI no prazo máximo de 30 dias, os contratantes resolveram rescindí-la através do respectivo instrumento público competente. Essa escritura será apresentada à Prefeitura para o cancelamento da Nota de Lançamento. Acredito que será deferido o pedido sem maiores problemas, o que acham?

  • Parabéns, o texto é esclarecedor . Concordo e penso que os Municípios que insistem em fazer esta cobrança do ITBI na Escritura Publica de Compra e Venda devem procurar se adequar a CF e ao CTN. Também o mesmo quando for exigido pelos Cartórios de Notas como condição para lavratura da Escritura.

  • O Estado, Município, Estados Federados, Distrito Federal e a União, precisa cumprir as leis que promulgam em nome do povo que é seu verdadeiro autor e destinatário. Não se justifica essas esferas de poder desconhecerem as leis a que estão atreladas, mormente a Constituição Federal. Entretanto, é fato que os governantes continuam burlando as leis, a despeito de interpretações distorcidas, e o povo fica sem opção de ver seus direitos mais comezinhos, garantidos. Isso traz graves problemas para a população, como constrangimento, abalos físicos e morais, ao sentir o cidadão, impotente para ter seus direitos respeitados. Essa conduta ofende os princípios de igualdade, assim como deturpa o Estado de Direito e a democracia, visto que, ao ter seus direitos violados, nem todos podem ou se socorrem da via judicial, uma vez que, àqueles que o buscam, por vezes, amargam perdas de tempo e dinheiro pelo sucateamento proposital porque passa o Poder Judiciário.

    • O problema do nosso país é cultural. Infelizmente o patrimonialismo ainda impera em nosso Brasil. Sempre defendi a seguinte tese. O que nossa nação precisa é de mais valores éticos, poucas lei ,mas que sejam cumpridas a rigor, mais princípios, consciência. Nesse momento estamos em uma corrida presidencial e o padrão de escolha de nossos representantes é quem menos rouba , mas faz. Isso é repugnante! Nossa constituição parece uma colcha de retalhos de tantas emendas. Parece que o projeto democrático não foi bem sucedido! Há tantas leis no país que se quer os juristas em sua maioria, conhecem a rigor. Pesquise a relação dos países mais desenvolvidos do mundo e veja seu sistema jurídico. O Japão por exemplo preferiu fundamentar uma cultura milenar em seu país. Hoje vemos o nível deles. Os Estados Unidos a mesma coisa somente 27 emendas. No Brasil, em pouco menos de dois séculos, já tivemos a criação de oito constituições diferentes. A última delas foi criada em 1988, conta com um texto bastante extenso e, até hoje, sofreu cinquenta e três emendas. Para muitos juristas, o enxugamento da nossa constituição seria fundamental para o melhor funcionamento das instituições judiciárias do país.

  • Olá comprei um imóvel em 2010e só tenho o contrato de compra e venda...ocorre q sou impedida de fazer a escritura e registrar....Não somente eu mas no bairro inteiro, me parece q a união tem q liberar .... algo enrolado por muitos anos. Só q a prefeitura quer me cobrar o itbi com juros. Devo pagar ou recorrer na justiça?...pois sou impossibilitá da de fazer a escritura mesmo assim.

    • Olá, esta decisão deve ser pessoal, mas lhe adianto que se você optar por ir ao Judiciário terá boas chances de êxito em relação à exigência de multa e encargos da mora sobre o ITBI devido.

  • Prezada Amal,

    Comprei um terreno sabendo de uma dívida de IPTU na prefeitura, todavia a dívida com os juros é de R$ 20 mil, o terreno vale 30 mil. Passei a escritura mas não consigo registrar, pois o cartório exige o recolhimento do ITBI. Para pagar o ITBI a prefeitura exige o pagamento da dívida de IPTU. O que devo fazer?
    Muito obrigado

    • Cara, vc pode deixar do jeito que tá, pois esse imóvel será perdido caso a Receita do município execute a divida. Verifique se já existe processo cobrando.
      Ou vc ou o antigo proprietário, pode tentar ir na prefeitura com sua escritura e parcelar o debito, no primeiro mês que pagar, vai poder gerar uma guia de certidão positiva com efeito de negativa, nesse momento vc paga o itBi e já tenta registrar no cartório.

      Ou pode entrar na justiça com Mandado de segurança sugerido acima e complicar sua vida. Pois esse imóvel pode já esta a beira de ser leiloado na justiça;