A CF/88 destinou a cada ente político competência para exigir impostos com base nos seguintes critérios: industrial (União Federal), comercial (Estados e Distrito Federal) e prestação de serviços (Municípios e Distrito Federal). Esta situação acaba por vezes gerando conflitos entre os entes tributantes. A industrialização por encomenda é uma das espécies de operações que dá ensejo a muitas discussões.
A industrialização sob encomenda é a operação pela qual um estabelecimento encomendante remete insumos para industrialização por outro estabelecimento denominado industrializador, que realiza a industrialização por conta e ordem do encomendante. Os Municípios, em geral, entendem que nessas operações incide o ISS, já os Estados apontam que deve incidir o ICMS.
A confusão se deve ao fato de que em determinadas situações é difícil afirmar com segurança se uma operação é de prestação de serviços ou de circulação de mercadoria. Por outro lado, a tributação pelo ICMS exclui a do ISS e vice-versa
Num primeiro momento o STJ entendeu simplesmente, que qualquer operação de “industrialização por encomenda”, elencada na Lista de Serviços da Lei Complementar 116/2003 (lista de serviços do ISS) caracterizaria como prestação de serviço, fato jurídico tributável pelo ISS, não se enquadrando nas hipóteses de incidência do ICMS (REsp 888852/ES, REsp 1.097.249/ES, AgRg no Ag 1.279.303/RS e AgRg no Ag 1362310 / RS).
Ocorre que este entendimento já não está mais prevalecendo, pois ao apreciar esta questão quando do julgamento da ADI 4389 MC, relatado pelo Min. Joaquim Barbosa e julgado em 13/04/2011, o STF decidiu sob outro enfoque.
De fato, no referido julgamento analisou-se as operações de industrialização por encomenda de embalagens personalizadas destinadas à integração ou utilização direta em processo subseqüente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Pois bem, neste julgado o STF consignou:
(i) Para julgar o aparente conflito entre o ISS e o ICMS nos serviços gráficos, “a solução está no papel que essa atividade tem no ciclo produtivo” (voto Min. Joaquim Barbosa);
(ii) “as embalagens têm função técnica na industrialização, ao permitirem a conservação das propriedades físico-químicas dos produtos, bem como o transporte, o manuseio e o armazenamento dos produtos. Por força da legislação, tais embalagens podem ainda exibir informações relevantes aos consumidores e a quaisquer pessoas que com ela terão contato. Trata-se de típico insumo” (voto Min. Joaquim Barbosa);
(iii) “não há como equiparar a produção gráfica personalizada e encomendada para uso pontual, pessoal ou empresarial, e a produção personalizada e encomendada para fazer parte de complexo processo produtivo destinado a por bens em comércio” (voto Min. Joaquim Barbosa);
(iv) “Conforme bem esclarecido por Marco Aurélio Greco … a fabricação das embalagens é “evento que se encontra no meio do ciclo de fabricação do produto final a ser colocado no mercado”, sendo que a sua caracterização como simples prestação de serviços gráficos, além de equivocada, implicaria o estorno dos créditos anteriormente apropriados pelas indústrias gráficas e impediria o creditamento pelas empresas adquirentes (voto Min. Elen Grace);
(v) “Ademais, geraria ´uma distorção na não cumulatividade do ICMS; a rigor, frustra o objetivo constitucional desse mecanismo (diluir a exigência do ICMS por todo o ciclo econômico de circulação de mercadorias), pois introduz um imposto cumulativo (ISS) no ciclo econômico de mercadorias sujeitas a um imposto não-cumulativo (ICMS). Rompe-se a seqüência da não-cumulatividade e oneram-se os custos de ambos (fabricantes e adquirentes de embalagens)´” (voto Min. Ellen Gracie).
Assim, o STF entendeu que, quando um estabelecimento encomendante contrata a industrialização de um determinado produto por outro estabelecimento industrializador, incidirá o ICMS se o produto resultante da industrialização sob encomenda for ser utilizado como insumo, ou comercializado pelo estabelecimento encomendante.
Mais recentemente, quando do julgamento dos EDcl no AgRg no AREsp 103409/RS, publicado no dia 18/06/2012, o STJ apreciou a questão da industrialização sob encomenda na hipótese de produção de cartões magnéticos sob encomenda para uso próprio da empresa, vale dizer, em hipótese em que o produto resultante da encomenda não será utilizado como insumo ou mercadoria.
Neste julgamento, o STJ, fez referência à decisão do STF proferida na ADI 4389, mas apontou que o caso em análise se tratava de outra hipótese, qual seja, industrialização de produto por encomenda para ser utilizado pela própria empresa. E como o produto encomendado não seria utilizado como insumo ou mercadoria, concluiu que no caso incidiria o ISS. Eis alguns trechos da decisão:
“No julgamento da medida cautelar na ADI 4389, o STF reconheceu a não incidência do ISS sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria.
A incidência do ICMS só ocorrerá nos casos em que a produção de embalagens, etiquetas sob encomenda (personalizada) seja destinada a subsequente utilização em processo de industrialização ou posterior circulação de mercadoria, o que não é o caso dos autos.
In casu, trata-se de produção de cartões magnéticos sob encomenda para uso próprio da empresa. No caso, a embargada atua como consumidora final, ou seja, tais cartões não irão fazer parte de futuro processo de industrialização ou comercialização. Incide, portanto, o ISS…”
Disto depreende-se, que o STF e o STJ entendem que:
a) o ISS não incide nas operações de industrialização sob encomenda de bens e produtos que serão utilizados como insumos em processo de industrialização ou de circulação de mercadoria, pois incidirá o ICMS.
b) Por outro lado, quando o produto industrializado sob encomenda for destinado para uso da própria empresa encomendante na qualidade de consumidora final, incidirá o ISS.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Prezada Amal gostei muito do seu artigo. Estou finalizando uma pesquisa sobre o assunto. Você possui mais material sobre a questão?
Alexandre Pimenta da Rocha (alexandre@pimentadaroch.com.br)
Olá Alexandre
Segue aqui os links dos acórdãos mencionados, onde está detalhado o entendimento dos Ministros.
Ab
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1185299
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1153545&sReg=201102195330&sData=20120618&formato=PDF
Como sempre....coesa e apenas merecedora de elogios!!!! Parabéns.
Bom texto, só faço a ressalva de que os casos em que a incidência mora no campo do ISSQN não se resume aos casos em que o produto sejam para uso da própria empresa.
Dra Amal, artigo esclarecedor sobre um tema extremamente polemico.
Excelente matéria, se a maioria me permite um pequeno aparte, a legislação que doutrina a matéria é a LC 116/03, uma delas, a nosso ver, traz maior complexidade à questão sobre o conflito de incidência entre o IPI e o ISS, qual seja, alteração da redação do antigo item 72 da lista de serviços anexa ao Decreto Lei nº 406/68 (na redação da LC nº 56/87), agora subitem 14.05 da lista anexa à LC 116/03.
Vejamos a redação do item 72 da lista anexa ao DL 406/68, lista esta substituída pela lista de serviços anexa à LC nº 116/03:
"Art. 1° (...)
72. Recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos não destinados à industrialização ou comercialização;" (g.n.)
Vejamos agora a redação do subitem 14.05 da lista de serviços anexa à LC 116/03:
"Art. 1º (...)
14.05 – Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer;" (g.n.)
A alteração em comento é de grande importância, visto que excluiu do mencionado texto a ressalva que atribuía tratamento jurídico específico à atividade de beneficiamento, e outras como acondicionamento, pintura, lavagem, secagem, quando realizadas em objeto destinado à industrialização ou comercialização, afastando, portanto, a incidência do IPI naquelas atividades destinadas a consumidor final.
Como resultado, temos o surgimento de posicionamentos antagônicos por parte dos fiscos federal e municipais acerca do assunto. Como será exibido abaixo, tem sido noticiado entendimento de que o IPI incidiria sobre a atividade de beneficiamento, assim como sobre as demais mencionadas no mesmo item 72, mesmo que previstas na lista de serviços anexa à LC 116/03, desde que reunidas as características de "industrialização".
L
Prezada Dra Amal,bom dia !
Muito boa a sua materia ref este assunto, gostaria de aproveitar se vc tem algum material, para o meu trabalho faço consultoria e este tema é muito importante para ser informado.
Obrigado
Daniel Oliveira Leite
oliveiraleitedaniel@yahoo.com.br
Prezado Daniel
Seguem os links das íntegras das decisões do STJ e STF mencionadas:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1185299
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1153545&sReg=201102195330&sData=20120618&formato=PDF
A lei complementar não cita "industrialização por encomenda", e 14.05 refere-se a bens de terceiros e apenas "beneficiamento" e outros serviços especificados.
Olá Amal, tudo bom?
Seu artigo é muito bom! Consegui interpretar muito bem.
O meu caso, seria a impressão das embalagens plásticas, de várias marcas, a rede Carrefour é uma delas.
Como fica a incidência do ICMS, qual alíquota?
O envio dessa mercadoria para impressão das marcas, incide ICMS, e seu retorno para o encomendante?
Muito obrigado.
Tiago Jesus
Contador
Positiva Consultoria
http://www.positivaconsultoria.net.br
Tiago
É importante destacar que, quando se trata de um assunto polêmico como este, o contribuinte para assegurar qualquer procedimento, deve ir até o Poder Judiciário. A decisão do Supremo não é aplicável a todas as empresas, mas apenas para aquela que entrou com a ação.
Abraço
Prezada Dra. Amal,
O mesmo raciocínio se aplica ao IPI, ou seja, não incide IPI sobre as embalagens especiais fabricadas por uma determinada empresa ?
Parabéns pelo artigo.
Doter
Doter
Nos termos do artigo 43, incisos VI e VII, do RIPI/10, a operação de remessa de insumos (matéria-prima, produto intermediário e materiais de embalagem) aplicados no processo de industrialização de um produto por terceiros deve ocorrer com a suspensão do IPI e o retorno desde que:
(a) o produto se destine à comercialização ou a emprego em novo processo de industrialização ou a emprego no acondicionamento de produtos tributados;
(b) o industrializador não tenha empregado produto de sua própria fabricação ou importação; e
(c) os insumos sejam remetidos ao estabelecimento encomendante.
Cara Dra. Amal,
Obrigado pela resposta !