Ocorre que, o Tribunal Administrativo tem entendido, que não há decadência do direito do Fisco de analisar fatos e operações ocorridos e registrados (no passado), que têm repercussão tributária em períodos posteriores e que ainda não foram atingidos pela decadência.
De fato, em algumas hipóteses surge ao contribuinte um “direito” (ou expectativa de direito), que somente será aproveitado no futuro. Existem exemplos típicos que podem se enquadrar nestas hipóteses, tais como: dedutibilidade de ágio e compensação de prejuízo.
a) Dedutibilidade de ágio:
Nesta hipótese, o Carf tem entendido que mero registro contábil do ágio não é fato gerador de obrigação tributária ou de modificação na base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda ou o lucro daquele período. Segundo o acórdão nº 140200.802, da 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Seção de 21 de outubro de 2011:
“O simples registro do ágio na contabilidade não implica em fato gerador de obrigação tributária ou em alteração, de qualquer ordem, na base de cálculo do IRPJ e da CSSL daquele período.
Ao adquirir uma participação societária com ágio, a lei autoriza a pessoa jurídica a amortizar esse valor, na apuração dos tributos por ela devidos sobre os lucros em períodos futuros, sob determinadas condições, isso porque foi exatamente a expectativa desse lucro que justificou o ágio. Apenas nessa hipótese, o ágio pago, que nunca foi e nunca será fato gerador de nenhuma obrigação tributária, passa a influenciar na apuração da base de cálculo dos tributos devidos pela empresa que o pagou.
Frise-se: o que é homologado pelo Fisco é a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL realizada pelo contribuinte, não o ágio registrado, ou qualquer outro elemento patrimonial, ainda que definitivamente constituído. O prazo decadencial corre em face do fato gerador da obrigação tributária, e não sobre qualquer operação contabilizada. Apenas quando se verifica a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária é que surge contra o Fisco o prazo para a homologação dos elementos que dão origem aos créditos passíveis de constituição.
O prazo para controle dos registros patrimoniais com possibilidade de repercussão tributária no futuro é definido em função do prazo para gozar do crédito decorrente. Neste contexto, pode a autoridade fiscal, no prazo de que dispõe para rever o período de apuração no qual foi aproveitado, exigir prova de sua efetividade e formação e, na ausência desta, negar sua utilização.
É o que o art. 37 da Lei nº 9.430/96 expressamente dispõe: “Os comprovantes da escrituração da pessoa jurídica, relativos a fatos que repercutam em lançamentos contábeis de exercícios futuros, serão conservados até que se opere a decadência do direito de a Fazenda Pública constituir os créditos tributários relativos a esses exercícios.”
b) Compensação de Prejuízo
No acórdão, de nº 10419.219, de 27/02/2003, que tratou da retificação de prejuízo fiscal da atividade rural de período anterior, com reflexo em outro período de apuração do tributo ainda não atingido pela decadência, os Membros da Quarta Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes adotaram linha de raciocínio muito similar à exposta acima: Eis um trecho da decisão:
“O prazo decadencial vincula-se direta e exclusivamente aos fatos geradores objeto do lançamento tributário, não se aplicando a elementos advindos de ano calendário anterior, ainda que este já tenha sido atingido pela decadência. Assim, constatandos e que o ano calendário fiscalizado encontra-se passível de revisão, é perfeitamente cabível o lançamento resultante da retificação do valor apropriado, a título de prejuízo da atividade rural a compensar, mesmo que este tenha origem em anocalendário abarcado pela decadência”.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Acrescento que o colegiado administrativo já enfrentou o tema quando julgou os os casos de tributação do lucro inflacionário diferido. O Fisco tentou recuperar a tributação minima, que a Lei exigia em cada ano calendário, deslocando-a para um período de apuração ainda não decaído, sob o argumento de que estaria ajustando o valor tributável em razão do tempo decorrido.
Resolveu então o Conselho apontar a diferença em se tomar conhecimento do fato, que pode ter ocorrido em período decaído, e lhe emprestar conseqüência tributária. As consequências tributárias devem observar o transcurso decadencial eis que se cuida de uma limitação constitucional ao Poder de Tributar. Mutatis mutantis é o mesmo que ocorre com àgio; uma coisa é verificar os atos e fatos ocorridos na vida real, em períodos já decaídos; outra coisa é lhe imputar consequências tributárias. Assim entre a data da ocorrência do fato e a data do termo inicial do período decadencial, a conduta do investigado não pode ser contestada.
Muito pertinente sua colocação.
ab