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Incidência do ICMS sobre a demanda contratada de Energia Elétrica

Algumas empresas que necessitam de muita energia habitualmente contratam diretamente com concessionárias de energia elétrica uma reserva de potência fixa chamada, demanda contratada.

Demanda contratada nada mais é do que uma quantidade de energia disponibilizada pela concessionária ao contratante (empresa). A empresa paga um preço combinado de antemão e o pagamento é feito independentemente da utilização efetiva da energia colocada à disposição. Vale dizer, a mera disponibilização da energia elétrica, mesmo que não seja efetivamente utilizada, gera o dever da empresa de pagar à concessionária.

Com o advento da Constituição Federal de1988, a energia elétrica passou a ser considerada mercadoria para fins de tributação pelo ICMS. Como fato gerador elegeu-se a “circulação de mercadorias” entendendo-se por “circulação” a passagem da mercadoria de uma pessoa para outra, pressupondo transmissão de posse ou propriedade.

O que acarreta, portanto, a incidência do ICMS sobre energia elétrica, é a circulação da mercadoria que corresponda à efetiva transferência de “energia elétrica” ao consumidor.

Em vista disso, algumas empresas grandes consumidoras de energia interpuseram ações alegando que não é possível considerar simples colocação de energia elétrica à disposição do consumidor como fato gerador do ICMS, porque enquanto não houver sua efetiva circulação não ocorre transmissão de posse ou propriedade, nem o fato gerador do imposto.

Alegam os contribuintes, que em se tratando de energia elétrica, a circulação que transmite posse ou propriedade somente se consolida no momento em que a energia sai da linha de transmissão e ingressa no estabelecimento do consumidor. Assim, enquanto a energia permanecer nas linhas de transmissão da concessionária não há como se reputar ocorrido o fato gerador, até porque a energia flui livremente pelas linhas de transmissão sem destinatário específico, e se não for utilizada poderá ser inclusive vendida a outros consumidores.

Desta forma, se a base de cálculo do ICMS é o valor da operação da qual decorra a entrega do produto ao consumidor, e esta entrega ocorre quando a energia elétrica sai da linha de transmissão e ingressa no estabelecimento do consumidor, não há dúvida de que este valor corresponde à energia elétrica efetivamente consumida.

O Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o tema decidiu favoravelmente aos contribuintes e acabou por editar a Súmula 391 do seguinte teor: “O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada”.

Vale dizer, o STJ pacificou o entendimento de que “para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada” (Recurso Especial 960476/SC).

O STF, por sua vez, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional conforme ementa:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. INCIDÊNCIA. OPERAÇÕES RELATIVAS A ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. VALOR COBRADO A TÍTULO DE DEMANDA CONTRATADA (DEMANDA DE POTÊNCIA). RELEVÂNCIA JURÍDICA E ECONÔMICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 593824 RG, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 01/08/2009, DJe-162 DIVULG 27-08-2009 PUBLIC 28-08-2009 EMENT VOL-02371-09 PP-01884 LEXSTF v. 31, n. 368, 2009, p. 335-340 )

 

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  • duas perguntas:

    a. por que nao considerar que houve circulação do direito de uso da energia contratada, ao inves de energia efetivamente consumida?

    b. se prevalecer a ideia de o que vale é a energia efetivamente consumida, como fica a questao da substituição tributária?

    grato,
    sgold

    • Olá
      O ICMS é um imposto que incide sobre circulação de mercadoria. No caso, o “direito de uso” não é mercadoria, a mercadoria é a própria energia, por isso, no meu entendimento, não pode incidir o ICMS sobre mera disponibilização de energia.
      No que se refere à substituição tributária, a Constituição Federal garante a imediata e preferencial restituição do ICMS pago, caso não se realize o fato gerador presumido (conf. Constituição Federal, art. 150, § 7º). Tecnicamente, “o fato gerador” do ICMS é a circulação (venda) de mercadoria. Desta forma a Constituição assegura a “imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize” a venda presumida, que no caso é a energia disponibilizada e não utilizada.
      Desta forma, quando há substituição é possível pedir a restituição do ICMS sobre a energia não utilizada. Destaco que neste caso não se está tratando de restituição de valor de imposto pago a maior, mas de uma venda que simplesmente não ocorreu. Isto significa que nesta hipótese a obrigação da restituição é inquestionável, visto que o STF já tratou do tema exatamente neste sentido, ou seja, o STF entendeu que quando a Constituição menciona “restituição imediata”, não está falando de restituição de valor de ICMS pago a maior, mas da restituição do imposto quando não ocorre o fato gerador (venda de mercadoria).

      • não entendo por que nao se pode considerar o direito de uso como mercadoria, uma vez que há mercado para ele: há que oferte, há quem demande, e há preços. há até um mercado secundário.

        sobre a substituicao tributaria, estou entendendo pela sua resposta, que vc entende que há necessidade de restituição imediata. mas creio que ha muitos complicadores no caso da energia. p. ex. como fazer isso sem violar sigilo de contratos?

        obrigado pela resposta,
        sgold

  • Tenho uma dúvida:
    Quando você contrata determinada demanda, automaticamente vem tributada de ICMS sobre sua totalidade. Todavia ,apesar de não utilizar toda a demanda mas pagar sobre sua totalidade, eu compenso, ou seja, utilizo o crédito de ICMS sobre o total desta demanda contratada, com a minha saída de ICMS, por tratar-se de um imposto não cumulativo. Pergunto:
    Como recuperar os valores pagos de ICMS sobre a demanda contratada?
    Qual a real vantagem, repito, uma vez que compenso com o ICMs na saída?

    • Realmente, o ICMS é um imposto não cumulativo e quem arca com o ICMS é o consumidor final. Contudo, nós sabemos que na prática muitas empresas têm saldos de ICMS em excesso e não tem como compensá-los. Assim, apesar de na teoria o ICMS ser repassado, na prática nem sempre é assim. Isso sem falar que ao final, o custo do produto acaba sendo maior e haverá mais inflação, além do fisco cobrar um valor sem legitimidade para tanto.
      Quanto às demais questões foram respondidas nos demais comentários a este mesmo artigo.
      ab

  • Olá,

    Isso significa dizer que caso a demanda contratada não seja utilizada em sua totalidade, o ICMS cobrado sobre a parcela não utilizada pode ser questionado pelo consumidor?

    Existem, de fato, empresas ganhando sob esta perspectiva?

    Obrigado

    • Olá Matheus
      É exatamente isto e, atualmente o STJ tem entendido que não somente é possível deixar de pagar, como pedir a restituição.