O Plenário do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do julgamento do ARE nº 1.255.885 com repercussão geral reconhecida (Tema 1099), declarou a não pode ser exigido o ICMS sobre a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados distintos.
Em vista disso, foi firmada a seguinte tese de repercussão geral: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.
De fato, o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa, por si só, não se submete à incidência do ICMS, porque para a ocorrência do fato gerador é necessário que exista circulação jurídica da mercadoria com a transferência da propriedade. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS.
Tal entendimento também estava consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. De fato, no julgamento do REsp 1.125.133/SP, pela sistemática prevista no art. 543C do antigo CPC, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que não incide ICMS na operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não constituir fato gerador do imposto.
O Superior Tribunal de Justiça também editou a Súmula 166 que estabelece: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.” A Corte Superior definiu outrossim, que circunstância de os estabelecimentos estarem localizados em Estados diversos não afasta a incidência da súmula 166.
Ocorre que a Constituição Federal determina no artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, que a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes e acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.
Isso significa que quando as saídas das mercadorias estiverem abrangidas não incidência, o crédito pelas entradas correspondentes deverá ser estornado, exceto se houver previsão de manutenção expressa na legislação.
Em vista disso, alguns contribuintes têm receio de realizar operações de transferência, pois temem que o fisco qualifique como operações de não incidência e exijam o estorno do crédito.
Contudo, no nosso entendimento, a não incidência prevista na Constituição Federal, não guarda relação com a não exigência de crédito de ICMS nas operações de transferência.
E isto porque, na transferência de mercadorias entre estabelecimentos ocorre o mero deslocamento da mercadoria na mesma empresa, não se cogita, na hipótese, de qualquer operação de saída. Daí porque não se trata de operação de não incidência prevista na CF, que trata da exoneração tributária quando há operação de saída de mercadoria. No caso, o bem transferido continua sendo de titularidade da mesma pessoa jurídica, não há operação de circulação jurídica.
A exigência de estorno de crédito em hipótese de transferência de mercadoria entre estabelecimentos, acabaria ferindo o artigo o princípio constitucional da não cumulatividade, que assegura ao contribuinte o aproveitamento dos créditos do ICMS.
Nesse sentido o STF, quando do julgamento do RE 1141756 pelo Tribunal Pleno (Julgamento: 28/09/2020 e Publicação: 10/11/2020), que tratava, da possibilidade de creditamento de ICMS cobrado em operação de entrada de aparelhos celulares em empresa prestadora de serviço de telefonia móvel, posteriormente cedidos, mediante comodato, a cliente, ou seja, operação em que não há circulação de mercadorias, nem transferência de titularidade, decidiu que os crédito do imposto estadual devem ser mantidos.
Segundo o Relator, Ministro Marco Aurélio, “a saída física de máquinas, utensílios e implementos, a título de comodato, não constitui fato gerador de ICMS. Inexiste etapa a integrar as sucessivas transferências do produtor ao consumidor. Ausente operação de saída, descabe cogitar de situação reveladora de exoneração tributária – isenção ou não incidência –, a fim de impedir-se o aproveitamento dos créditos, conforme as balizas versadas no preceito.”
Da mesma forma, empregando o mesmo raciocínio, não há que se cogitar em estorno de crédito, quando há transferência de mercadorias entre estabelecimentos, visto que não há operação de saída, e tampouco etapa sucessiva que autorize a anulação do crédito.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.