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Liminar adia o prazo de pagamento de todos os tributos federais

Tendo em vista a pandemia gerada pelo COVID-19 e suas consequências, tais como a decretação do estado de calamidade pública, bem como o fechamento temporário de diversas empresas, dentre outras, o governo, por meio da Portaria nº 139, de 3 de abril de 2020, prorrogou os pagamentos das contribuições previdenciárias, devidas pelas empresas e aos empregadores domésticos, relativas às competências março e abril de 2020, que deverão ser pagas no prazo de vencimento das contribuições devidas nas competências julho e setembro de 2020, respectivamente; e do PIS/PASEP e da COFINS, relativas às competências março e abril de 2020, para os prazos de vencimento dessas contribuições devidas nas competências julho e setembro de 2020, respectivamente.

Contudo, vários outros tributos não tiveram seus pagamentos prorrogados, tal como a CPRB (contribuição previdenciária sobre a receita bruta). Nesse sentido esclareço que esforços vêm sendo empreendidos por grupos de empresários, para que o governo também adie o pagamento desse tributo sem a incidência de multa e juros.

Além disso, o IRPJ, IRRF, CSLL e tributos incidentes sobre a importação (PIS/Cofins importação – Lei nº 10.865/2004), que impactam sobremaneira os importadores, tampouco tiveram seu pagamento diferido, sem falar em outras contribuições sociais e demais impostos.

Essa situação tem levado contribuintes a buscar o Judiciário, para que obtenham a prorrogação do prazo de vencimento de todos tributos federais, sem juros e multas, bem como para que o Judiciário assegure a continuação da expedição de CND ou CPEN, conforme o caso.

Ao analisar um desses processos ajuizados pela Rappi Brasil, a Juíza Tatiana Pattaro Pereira, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo no Mandado de Segurança nº 5005357-83.2020.4.03.6100, concedeu liminar, para reconhecer o direito do contribuinte à prorrogação do prazo de pagamento das obrigações tributárias federais relativas aos meses de março e abril de 2020, nos termos da Portaria MF nº 12, de 20 de janeiro de 2012 (divulgação no DOU hoje e publicação em 08.04.2020).

Considerando a excelente e bem fundamentada decisão, transcrevo abaixo os principais trechos da liminar concedida:

Verifico que a impetrante pretende, com a presente demanda, à obtenção de moratória tributária, em razão da pandemia causada pelo novo coronavírus.

Primeiramente, cumpre frisar que não cabe ao Poder Judiciário, a pretexto de conceder tratamento isonômico ou de aplicar o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, atuar como legislador positivo para estabelecer benefícios tributários não previstos em lei, sob pena de afronta ao princípio fundamental da separação dos poderes.

Todavia, no presente caso, há que ser analisado se a própria legislação permite a prorrogação do pagamento de tributos.

A propósito da moratória tributária, vale conferir os seguintes artigos do Código Tributário Nacional:

“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:  

I – moratória;  

(…)
Moratória 

Art. 152. A moratória somente pode ser concedida

I – em caráter geral: 

  1. a) pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que se refira;
  2. b) pela União, quanto a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de competência federal e às obrigações de direito privado;

II – em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que autorizada por lei nas condições do inciso anterior.  

Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever expressamente a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos

Art. 153. A lei que conceda moratória em caráter geral ou autorize sua concessão em caráter individual especificará, sem prejuízo de outros requisitos: 

I – o prazo de duração do favor; 

II – as condições da concessão do favor em caráter individual; 

III – sendo caso: 

a) os tributos a que se aplica; 

b) o número de prestações e seus vencimentos, dentro do prazo a que se refere o inciso I, podendo atribuir a fixação de uns e de outros à autoridade administrativa, para cada caso de concessão em caráter individual; 

c) as garantias que devem ser fornecidas pelo beneficiado no caso de concessão em caráter individual.” (grifado)

Pela análise do disposto no CTN, verifica-se que é possível a concessão de moratória em caráter individual por despacho da autoridade administrativa, desde que esta tenha recebido competência, para tanto, por lei.

A qualificação da moratória em caráter individual está no parágrafo único do art. 152, que estabelece sua circunscrição à determinada classe ou categoria de sujeitos passivos, em contraposição à moratória em caráter geral cuja aplicabilidade é circunscrita à região do território da pessoa jurídica de direito público que a expediu.

A lei que atribuiu ao Ministro da Fazenda a competência para conceder moratória individual, na forma do inc. II, do art. 152, do CTN, é a Lei nº 7.450/1985, cujo art. 66 dispõe que:

“Art 66 – Fica atribuída competência ao Ministro da Fazenda para fixar prazos de pagamento de receitas federais compulsórias.”

Assim, delimitada a moldura legal que autorizou o Ministro da Fazenda a conceder moratória individual por meio de despacho, foi editada a Portaria MF nº 12, de 20 de janeiro de 2012, que expressamente dispôs sobre a prorrogação dos vencimentos dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) devidos por sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, in verbis:

“Portaria nº 12, de 20 de janeiro de 2012.

Prorroga o prazo para pagamento de tributos federais, inclusive quando objeto de parcelamento, e suspende o prazo para a prática de atos processuais no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), na situação que especifica.

O MINISTRO DE ESTADO DA FAZENDA, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos II e IV do parágrafo único do art. 87 da Constituição Federal, e tendo em vista o disposto no art. 66 da Lei nº 7.450, de 23 de dezembro de 1985, e no art. 67 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, resolve:

Art. 1º As datas de vencimento de tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), devidos pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, ficam prorrogadas para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente.

  • 1º O disposto no caput aplica-se ao mês da ocorrência do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública e ao mês subsequente.
  • 2º A prorrogação do prazo a que se refere o caput não implica direito à restituição de quantias eventualmente já recolhidas.
  • 3º O disposto neste artigo aplica-se também às datas de vencimento das parcelas de débitos objeto de parcelamento concedido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e pela RFB.

Art. 2º Fica suspenso, até o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente, o prazo para a prática de atos processuais no âmbito da RFB e da PGFN pelos sujeitos passivos domiciliados nos municípios de que trata o art. 1º.

Parágrafo único. A suspensão do prazo de que trata este artigo terá como termo inicial o 1º (primeiro) dia do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública.

Art. 3º A RFB e a PGFN expedirão, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação do disposto nesta Portaria, inclusive a definição dos municípios a que se refere o art. 1º.

Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.” (grifado)

 Referida portaria contém objetivamente todos os requisitos legais relativos à moratória individual estabelecidos no CTN. Vejamos:

(i)                a portaria foi publicada por autoridade administrativa (Ministro da Fazenda), que recebeu essa competência por Lei (art. 66, da Lei 7.450/85), consoante exige o inc. II, do art. 152 do CTN;

(ii)              ela contém o prazo de duração do favor, conforme exigido pelo inc. I do art. 153, já que prorroga para o último dia útil do terceiro mês subsequente o pagamento dos tributos com vencimento no mês da ocorrência do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública e no subsequente;

(iii)           estabeleceu as condições de caráter individual para benefício da moratória, qual seja, ser domiciliado nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, conforme o art. 153, inc. II, do CTN; 

(iv)            e, por fim, definiu os tributos aos quais se aplica (aqueles administrados pela RFB), o número de prestações e seus vencimentos (prestação única a ser paga no último dia útil do terceiro mês subsequente ao vencimento), dispensando implicitamente o oferecimento de garantia, conforme lhe faculta o Código. E aqui trata-se efetivamente de faculdade da autoridade administrativa, como nitidamente denota-se da utilização da expressão “sendo caso” indicada no inc. III, do art. 153 do CTN.

 Resta analisar se as condições estabelecidas na Portaria MF nº 12/2012 estão presentes e se o impetrante preenche as condições para dela beneficiar-se.

Assim, verifica-se que o art. 3º da Portaria estabelece a necessidade de a RFB e a PGFN expedirem, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação da moratória, inclusive a definição dos municípios a que se refere o art. 1º.

Pois bem, neste contexto, três dias após a edição da referida Portaria a RFB editou a Instrução Normativa nº 1.243, de 25 de janeiro de 2012, estabelecendo os atos complementares à implementação da moratória, consubstanciados na (i) alteração dos prazos para o cumprimento de obrigações acessórias relativas aos tributos administrados pela RFB, para os sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha declarado estado de calamidade pública e (ii) no cancelamento de eventuais multas pelo atraso na entrega de tais obrigações assessórias, in verbis:

“INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1243, DE 25 DE JANEIRO DE 2012 

Altera os prazos para o cumprimento de obrigações acessórias relativas aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, na situação que especifica.

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 273 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 587, de 21 de dezembro de 2010, e tendo em vista o disposto no art. 16 da Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999, resolve:

Art. 1º Os prazos para o cumprimento de obrigações acessórias, concernentes aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, para os sujeitos passivos domiciliados nos municípios abrangidos por decreto estadual que tenha declarado estado de calamidade pública, ficam prorrogados para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente ao dos meses em que antes eram exigíveis.

Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se ao mês da ocorrência do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública e ao mês subsequente.

Art. 2º Ficam canceladas as multas pelo atraso na entrega de declarações, demonstrativos e documentos, aplicadas aos sujeitos passivos domiciliados nos municípios de que trata o art. 1º, com entrega prevista para os meses da ocorrência do evento que ensejou a decretação do estado de calamidade pública como também para o mês subsequente, desde que essas obrigações acessórias tenham sido transmitidas até o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente ao dos meses em que antes eram exigíveis.

Art. 3º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação. ”

 Indo adiante, neste caso é desnecessário perquirir acerca de existência ou não de ato complementar expedido pela PGFN, posto que não foi formulado pedido atinente à matéria de competência da Procuradoria, adstrita à suspensão de atos processuais no âmbito daquele órgão, conforme estabelecido no art. 2º da Portaria, que não fazem parte do objeto da ação.

E como último ato, temos a publicação pelo Estado de São Paulo, do Decreto nº 64.879, de 20 de março de 2020, que “reconhece o estado de calamidade pública, decorrente da pandemia do COVID-19, que atinge o Estado de São Paulo”, abrangendo, de forma direta e objetiva, todos os Municípios do Estado, de forma a dispensar, por inútil, qualquer ato complementar no sentido de indicar quais Municípios estão contemplados. Evidentemente, um ato da RFB não poderia suprimir qualquer Município abrangido pelo Decreto Estadual, pois o ato seria vinculado, sem margem de discricionariedade.

Por fim, é de notar que a União, por meio de seus órgãos, tem costumeiramente se valido expressamente da própria Portaria MF nº 12/2012 para editar portarias de prorrogação de vencimentos de tributos, pela RFB, em situações em que Estados declaram situação de calamidade pública, como são exemplos a Portaria RFB nº 218, de 30 de janeiro de 2020 e a Portaria RFB nº 360 de 17 de fevereiro de 2020. Diga-se que, na visão desta Magistrada, a autoridade para conceder moratória foi outorgada pela Lei nº 7.450/1985 ao Ministro de Estado da Fazenda (atualmente Ministro da Economia) e não ao Secretário Especial da Receita Federal do Brasil, a quem compete exclusivamente estabelecer atos complementares, quando houver necessidade.

Desta forma, não pode a RFB impedir que os contribuintes façam jus aos direitos estabelecidos no CTN, na Lei nº 7.450/1985 e na Portaria MF nº 12/2012 ao argumento de que pende expedição de ato, que se mostra absolutamente desnecessário diante do quanto aqui exposto.

Dito isso, e estando verificada a presença de todas as condições de direito estabelecidas no arcabouço jurídico que emoldura o instituto da moratória individual, resta aferir se a parte impetrante preenche as condições de fato para poder beneficiar-se da moratória decorrente da decretação de estado de calamidade no Estado de São Paulo.

Quanto a este ponto, constata-se que a parte impetrante tem sede em município do Estado de São Paulo, cumprindo a condição para poder beneficiar-se da moratória em questão.

Por fim, cabe ressaltar que o receio de dano irreparável é evidente, já que, caso não concedida a liminar, a parte impetrante poderá sofrer cobranças em razão do suposto atraso/descumprimento de obrigações tributárias.

Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR requerida, para reconhecer o direito da parte impetrante à prorrogação do prazo de pagamento das obrigações tributárias federais relativas aos meses de março e abril de 2020, nos termos da Portaria MF nº 12, de 20 de janeiro de 2012. Determino, ainda, que a parte impetrada se abstenha de adotar quaisquer atos tendentes à exigência dos tributos antes da data de vencimento estabelecida em conformidade com a Portaria.”