A tributação de lucros e dividendos é objeto do Projeto de Lei nº 766, de 2020, do Senador Randolfe Rodrigues, e está prevista no mesmo projeto destinado a financiar a Covid-19. Isso significa, que terá tramitação rápida.
Referido projeto institui o Sistema Solidário de Proteção à Renda, ampliando os benefícios aos inscritos no Programa Bolsa Família e aos cadastrados no CadÚnico durante a pandemia de covid-19.
Enquanto os empresários estão sufocados com a paralização da economia por conta do coronavírus, enquanto se estima que o número de falências e pedidos de recuperação judicial irá aumentar tremendamente, alguns somente conseguem vislumbrar o aumento da tributação para “salvar” o país.
Já prevendo que os empresários não terão grandes lucros e dividendos a distribuir em 2020, pois o que se espera é uma tremenda recessão, o projeto de lei prevê, não só a tributação do futuro, mas do passado.
De fato, segundo o projeto, o Poder Executivo poderá revogar, por ato, a isenção de distribuição de dividendos e lucros de pessoas jurídicas para pessoas físicas, para arrecadar no ano de 2020 recursos a fim de custear exclusivamente a despesa do Sistema Solidário de Proteção à Renda.
Além disso, o projeto permite que a Receita Federal institua alíquota progressiva na cobrança da distribuição de lucros e dividendos, bem como estabeleça prazo extraordinário para Declaração do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física e exigir retificação de declarações já entregues em 2020.
Isso, parece significar que a tributação atingiria 2019, pois o projeto menciona as declarações relativas ao ano base de 2019, que já findou, podem ser retificadas.
Numa análise rapidíssima, já se verifica um total desrespeito à Constituição Federal.
Em primeiro lugar, porque, nos termos do § 6º, no art. 150, da CF, qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal. Contrario “sensu”, somente a lei pode revogar isenção, o que aliás está previsto no art. 178 do CTN. Assim, jamais o Poder Executivo pode revogar a isenção na distribuição de lucros e dividendos, por ser inconstitucional.
Por outro lado, a CF rejeita a retroatividade da lei que cria e aumenta tributos (art. 150,III, a), o que já proíbe a exigência de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos de 2019.
Além disso a CF estabelece que somente se pode aumentar tributo com base em lei. Dessa forma, a Receita Federal não pode determinar ou instituir qualquer alíquota progressiva na cobrança da distribuição de lucros e dividendos, pois não tem competência para isso.
Está na hora dos nossos representantes pensarem em medidas mais criativas para superar a crise. A velha história de que temos de aumentar os tributos, sem olhar o sistema tributário como um todo, em desatenção às leis e à CF, sem analisar a carga tributária já existente, que é altíssima e comparável aos países mais ricos do mundo, pode levar a matança da galinha que produz os ovos de ouro.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.