O RERCT – Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária – de recursos, bens ou direitos de origem lícita não declarados, ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no país está previsto na Lei nº 13.254/2016. As pessoas físicas e jurídicas podiam aderir ao regime a partir desde o dia 4 de abril de 2016.
Nos termos da lei não poderiam ser nacionalizados ativos oriundos de práticas ilícitas, tais como, tráfico de drogas, corrupção, contrabando e outros.
Somente os de origem lícita eram alcançados pela regularização. Não importava que tivessem sido remetidos de forma ilegal ao exterior, desde que a origem dos ativos fosse lícita. Por exemplo, ativos oriundos de atividades relacionadas ao trabalho, empresariais, herança, mesmo que não tivessem sido oferecidos à tributação, contabilizados ou declarados na época própria.
Em vista disso havia exceção na esfera criminal, pois poderiam ser regularizados os produtos dos crimes previstos no § 1º do art. 5º da Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, desde que a pessoa ainda não tivesse sido condenada em decisão final em processo. Referidos crimes eram: I – crimes contra ordem tributária previstos na Lei 8.137/1990; II – crime de sonegação de que trata a Lei 4.729/1965; III – sonegação de contribuição previdenciária, constante do artigo 337-A Código Penal; IV – falsificar documento público; documento particular, omitir declaração e uso de documento falso, delitos previstos no artigo 297; 298; 299 e 304 do Decreto-Lei 2.848/1940; VI – crime contra o sistema financeiro, integrantes da Lei 7.492/1986 e VII – crime de “lavagem” ou ocultação de bens, constantes da Lei 9.613/1998.
No período em que o RERCT foi criado a Receita orientava aos aderentes no seu site quanto ao Regime. Na resposta à pergunta 40, orientava que os aderentes deveriam declarar a origem dos ativos, mas sem a necessidade de comprovação. Orientava ainda, que a obrigação de demonstrar que as informações seriam falsas era da Receita Federal do Brasil.
Agora, por meio do Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 04 de dezembro de 2018 foram acrescidas 3 Notas a esta orientação, modificando completamente seu sentido conforme se transcreve:
“40) O declarante precisa comprovar a origem lícita dos recursos?
O contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB.
Nota 1: A desobrigação de comprovar documentalmente a origem lícita dos recursos se refere ao momento de transmissão da Dercat, assim como ocorre na demais declarações prestadas à RFB.
Nota 2: A subsunção da hipótese legal de ingresso e permanência no RERCT poderá ser objeto de procedimento de ofício específico para tal fim.
Nota 3: A RFB, mediante intimação, concederá prazo razoável para que o optante ao RERCT apresente a comprovação sobre a origem lícita dos recursos regularizados”.
Em verdade essa novidade não se trata exatamente de uma surpresa. Já existia receio que as “regras” mudassem após a repatriação. Havia um clima de apreensão nesse sentido que se confirmou.
A lei anistiava crimes fiscais, mas não havia segurança quanto possíveis investigações. Além disso, a orientação da Receita Federal não é lei. Muito embora esse órgão esteja submetido ao princípio da moralidade da administração pública (art. 37 da CF), na verdade a legislação tributária permite que a Receita solicite documentos aos contribuintes.
Contudo, os contribuintes não tinham muita opção. Havia riscos em aderir ao programa. Por outro lado, não aderir poderia ser temerário também. Explico, por força de acordos internacionais que foram firmados entre o Brasil e outros países nos últimos anos permitiu-se não só a quebra de sigilo bancário, mas o cruzamento de dados entre os fiscos de diversos países e o Brasil, dentre eles EUA e Suíça (abordei esses assuntos em diversos posts que disponibilizo abaixo).
Assim o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) foi uma espécie de “oportunidade” para as pessoas que tinham recursos no exterior decorrente de atividade lícita, mas que na maioria dos casos não tinha oferecido à tributação, de regularizar os bens e direitos não declarados pagando Imposto de Renda e multa. Além disso, como mencionado acima, havia uma espécie de anistia contra os crimes de natureza tributária.
Com os acordos internacionais firmados entre o Brasil e outros países, diversas pessoas resolveram aderir ao programa antes que seus recursos fossem descobertos.
Muitos advogados orientaram seus clientes a não aderirem ao programa, dependendo do caso em análise, e na maioria das vezes isso ocorria por causa da dificuldade de comprovação da origem dos recursos e do temor que isso viesse a ser exigido no futuro. Estavam certos esses advogados.
De fato, mesmo a Receita declarando que não iria exigir documentos e que o ônus da prova de demonstrar que as informações eram falsas era seu, havia temor dos aderentes pela falta de documentos quanto à origem dos ativos. Para não esvaziar o programa, a Receita publicou no seu site que dispensaria os aderentes desse ônus. Agora, após as adesões quer exigí-los.
Apenas para dar um exemplo, como um comerciante pode comprovar um valor decorrente de venda sem nota fiscal? Ou como comprovar origem de recursos remetidos há 20 anos mesmo que de origem lícita?
Daí a acusação totalmente correta dos aderentes de que o “Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 04 de dezembro de 2018” é pegadinha da Receita Federal e mesmo que a lei permita a Receita a exigir tais documentos, acredito que nesse caso deve prevalecer o princípio da moralidade pública previsto no artigo 37 da CF, segundo o qual a Administração deve agir de acordo com princípios éticos, pois a violação da ética leva a uma agressão ao Direito. Vale dizer. Orientar o administrado de uma forma e após editar um ato interpretativo (que tem efeito retroativo) alterando totalmente o sentido da orientação é sem dúvida uma atitude que fere a razoabilidade e de ética duvidosa.
Posts que tratam de acordos internacionais para troca de informações
EUA fornecerá informações à Receita do Brasil sobre bens e direitos de brasileiros naquele país ( http://webapp339895.ip-198-58-99-142.cloudezapp.io/2015/02/eua/ )
Firmado acordo para troca de informações entre Brasil e Suíça (http://webapp339895.ip-198-58-99-142.cloudezapp.io/2015/11/bs/ )
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.