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É possível questionar a exigência do PIS e Cofins sobre receitas financeiras? (Decreto 8.426/2015)

A partir de 01/07/2015 será restabelecida a incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras, inclusive as decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa. As alíquotas aplicadas serão de 0,65% para o PIS e de 4% para a Cofins, por força do Decreto nº 8.426, de 01/04/2015, publicado no DOU de 01/04/2015, na sua edição extra.

Diante disso, tem sido veiculado que é possível questionar a majoração das alíquotas dos PIS e Cofins incidentes sobre receitas financeiras por meio de Decreto, pois somente a lei pode aumentar tributos.

Contudo, uma eventual discussão sobre a ilegalidade da norma deve ser vista com cuidado, pois pode piorar a situação do contribuinte.

De fato, a Emenda Constitucional nº 20, na letra “b” do inciso I do art. 195 passou a prever a incidência das contribuições sobre “a receita ou o faturamento”. Antes da referida emenda o PIS e a Cofins somente poderiam incidir sobre o faturamento.

As Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 que instituíram o PIS e Cofins não-cumulativos são posteriores à Emenda Constitucional nº 20/98, que incluiu a receita, juntamente com o faturamento, como possível base de cálculo das contribuições à Seguridade Social. Segundo essas leis, o PIS e a Cofins incidem sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, às alíquotas de 1,65% (PIS) e  7,6% (Cofins). Portanto, dentro desse novo contexto, as receitas financeiras passaram a compor a base de cálculo das referidas contribuições à alíquota de 1,65% para o PIS e 7,6% em relação à COFINS.

Pois bem, após o advento das Leis nºs. 10.637/02 e 10.833/03 sobreveio a Lei 10.865/2004, que dispôs no seu artigo 27, § 2º que o Poder Executivo poderá reduzir e restabelecer, até os percentuais de 1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS,  as alíquotas destas contribuições incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições.

Por força dessa autorização foi publicado o Decreto nº 5.164/2004 reduzindo a zero as alíquotas do PIS e COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não-cumulativo a partir de 02.08.2004, com exceções (tais como o JCP e operações de hedge). Posteriormente o Decreto 5.442/2005, manteve a alíquota zero incidente sobre as receitas financeiras (inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge).

No dia 01/04/2015 foi publicado o Decreto nº 8.426, de 01/04/2015 revogando expressamente no seu artigo 3º, a partir de 1º de julho de 2015, o Decreto 5.442/2005 e restabelecendo a incidência do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa às alíquotas de 0,65% para o PIS e 4% para a Cofins.

Diante disso, existe o entendimento de que é possível questionar a majoração da alíquota do PIS e Cofins por meio de Decreto, pois o aumento teria violado os artigos  5º, II e 150, I, da CF/88 e o artigo 97, II, IV  do Código Tributário Nacional, que consagram o princípio da legalidade estrita em matéria tributária e determinam que somente a lei pode estabelecer  a majoração de tributos, ou sua redução, bem como  a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo.

Contudo, a questão não é tão simples, pois:

– As receitas financeiras, nos termos das Leis 10.637/02 e 10.833/03, em pleno vigor, são tributadas às alíquotas de 1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS;

– Por força da autorização concedida pela Lei 10.865/2004 houve redução das alíquotas mediante Decreto nº 5.164/2004, que estipulou a alíquota zero para o PIS e COFINS incidentes sobre as receitas financeiras. Posteriormente a alíquota zero foi reafirmada pelo Decreto nº 5.442/2005;

– O Decreto nº 8.426/2015 revogou no seu artigo 3º o Decreto nº 5.442/2005, a partir de 1º de julho de 2015, vale dizer, não existe mais norma que estabelece alíquota zero para o PIS e a Cofins incidentes sobre a receita financeira.

– Não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na revogação de um decreto por outro, sob pena de se admitir normas eternas;

– Na ausência de decreto reduzindo a alíquota a zero, por revogação expressa, em tese, voltariam a incidir as alíquotas de 1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS constantes das Leis 10.637/02 e 10.833/03 (decreto não revoga lei);

– Em razão disso, o Decreto nº 8.426/2015, impede que se apliquem as alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (Cofins) ao restabelecer para 0,65% (PIS) e 4% (Cofins), as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa.

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  • Dra, concordo com sua preocupação e com a lógica desenvolvida. Se a fixação da alíquota em 0 também se deu mediante decreto, questionar a validade da modificação da Lei por meio de decreto poderia prejudicar o contribuinte.
    Eventuais ações a serem ajuizadas, contudo, teriam como pedido tão somente a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 8.426/2015, de forma que, caso acolhido o pedido, voltaria à vigência a última legislação aplicável, que, no caso, seria a do Decreto nº 5.442/2005. Correto?
    A meu ver, caso o Judiciário decidisse de forma a declarar a inconstitucionalidade de ambos os decretos, tratar-se-ia de decisão extra petita. Na sua opinião, o Fisco poderia apresentar reconvenção requerendo reconhecimento da inconstitucionalidade do decreto de 2005?

    • Olá Vitor
      O Decreto 8.426/2015 tem duas normas distintas (dentre outras).
      A primeira restabelece para 0,65% e 4%, respectivamente, as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa.
      A segunda revoga expressamente, a partir de 1º de julho de 2015 o Decreto 5.442/2005.
      Assim, mesmo que se alegue a inconstitucionalidade da primeira norma, há ainda que se considerar que o decreto 5.442/2005 foi revogado expressamente. E não há inconstitucionalidade alguma na mera revogação de um decreto por outro (pelo menos, não consigo enxergar qualquer vício na sua revogação, sob pena de se entender que uma norma deve ser eterna).
      Ora, se o decreto 5.442/2005 foi revogado expressamente ele deixará de ser aplicado quanto aos fatos geradores ocorridos a partir de 1/07/2015, pois não será mais vigente.
      Assim, caso se declare a inconstitucionalidade das alíquotas de 0,65% e 4% do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras, voltarão a ser aplicadas as normas que estabelecem que:
      (i) A COFINS e o PIS com a incidência não cumulativa incidem “sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil” (arts. 1º das leis 10.637 e 10.833)
      (ii)Para determinação do valor da COFINS e do PIS aplicar-se-á, sobre a base de cálculo apurada conforme o disposto no art. 1o, a alíquota de 7,6% para o Cofins e a alíquota de 1,65% para o PIS (arts. 2º das leis 10.637 e 10.833)
      Estas normas legais constantes das leis 10.637 e 10.833 jamais foram revogadas pelo Decreto. E nem poderiam, pois decreto não revoga lei.
      Por outro lado, claramente essas leis mandam tributar todas as receitas auferidas às alíquotas de 7,6% para o Cofins e a alíquota de 1,65% para o PIS. Ou seja, a situação do contribuinte pode piorar.

  • Elucidativo, pratico e óbvio! Pena que pouca gente presta atenção nesse cruzamento crucial de normas tributárias! Parabéns e obrigado por compartilhar!

  • Cara Amal,

    Parabéns pelo texto, com o qual concordo inteiramente. Gostaria de abordar outro ponto. A Lei nº 10865/04 revogou os dispositivos que autorizavam os descontos de créditos de PIS e COFINS sobre despesas financeiras, delegando ao Poder Executivo a faculdade de conceder ou não este crédito. Como se sabe, o Poder Executivo nunca acenou com "restauração" deste crédito, o que não gerou grandes discussões considerando a redução a zero das alíquotas sobre as receitas financeiras. Agora, com o restabelecimento das alíquotas de PIS e COFINS sobre a receita financeira, você enxerga alguma violação cometida pelo Executivo ao não restabelecer também o crédito sobre as despesas financeiras? Li em alguns artigos que isto representaria uma violação à não-cumulatividade, a qual, ao meu ver, não é um princípio do PIS e COFINS. Além disso, a despesa financeira não é um "insumo" necessário à obtenção da receita financeira. Seria possível sustentar uma espécie de princípio da paridade, como decorrência da razoabilidade?

    Saudações

    • Olá Carlos Eduardo.
      Infelizmente não vejo nenhuma ilegalidade na falta de concessão de créditos sobre despesas financeiras.
      E isto porque, a não cumulatividade do PIS e Cofins decorre da lei (e não da constituição como no caso do ICMS e IPI). Assim, se não há lei prevendo o crédito, não há ilegalidade.
      Além disso, há um outro aspecto a ser considerado. As alíquotas do PIS e Cofins sobre receitas financeiras são menores do que as alíquotas normais. Este pode ser o motivo da não "restauração" do crédito.

  • Ótima abordagem sobre a questão Dra, mas acredito que o cerne da questão está na tributação da receita financeira (variação cambial) proveniente das exportações, a qual possuí imunidade, conforme decisão do STF em 2013. Em relação as demais questões, também não observo nenhuma ilegalidade.

  • Prezada Dra. Amal,

    Com todo o respeito ao seu muito bem fundamentado posicionamento, questiono apenas com relação a outra questão:

    Partindo do pressuposto que o princípio da estrita legalidade tributária veda apenas a instituição ou majoração dos tributos sem a edição de lei, não poderíamos entender que a Lei 10.868/2004 é inconstitucional apenas no que diz respeito à possibilidade de majoração (restabelecimento) das alíquotas através de Decreto?

    Digo isso partindo do pressuposto que a redução das alíquotas, como forma de benefício fiscal ou mesmo isenção, poderia perfeitamente ocorrer por meio de Decreto, não necessitando que a Lei 10.868/2004 autorizasse expressamente esta situação.

    Assim, a edição dos decretos que reduziram as alíquotas a zero estaria plenamente dentro da legalidade.

    No entanto, ao restabelecer estas alíquotas, ou mesmo a revogação do decreto que reduziu as alíquotas a zero, o que se evidencia é verdadeira majoração do tributo, o que não poderia acontecer por meio de Decreto.

    Assim, no meu entendimento, seria possível afastar tanto o restabelecimento das alíquotas, como a própria revogação trazidos pelo Decreto 8.426/2015.

    Atenciosamente.

    • Prezado Rafael
      Estabelece o artigo 97 do CTN, que tem força de lei complementar:

      Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
      (...)
      II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
      (...)
      IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
      (...)
      VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dis-pensa ou redução de penalidades.
      Assim, segundo o CTN, decreto não pode reduzir tributos (art. 97, II), nem fixar alíquotas (art. 97, IV). Por outro lado, a isenção somente pode ser concedida por lei, nos termos do artigo 97, VI do CTN.
      Por esta razão, reitero que a discussão do aumento da alíquota do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras é perigosíssimo, pois pode levar à exigência do PIS e Cofins às alíquotas previstas na lei (1,65% para o PIS e 7,6% para a COFINS) e piorar o situação do contribuinte.

  • Prezada Dra. Amal

    Primeiramente, gostaria de parabeniza-la por mais uma brilhante abordagem na seara tributária como é de costume em todos os seus artigos.

    Com a questão do caso em tela, data a devida vênia, o que começa errado dificilmente termina certo! Concordo praticamente em todos os aspectos abordados no seu artigo sobre o aludido assunto, porém, a meu ver, o que trouxe celeuma foi o início, pois o Decreto 5.164/2004 ratificado pelo Decreto 5.442/2004 não poderia nunca reduzir alíquota a zero, pois violaria o princípio da legalidade estrita conforme o art.97 IV do CTN, contudo o reflexo dessa norma beneficiou a maioria, e até então nunca fora questionada.
    Tenho plena convicção que a cumulatividade da PIS e COFINS não é constitucional e sim legal, como você mesma já relatou e como prever tais diplomas: as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003. Ocorre que a partir desse marco começou o problema, pois tais normas trouxeram um conceito de não cumulatividade um tanto quanto obscuro, e aí que está o problema!
    Todavia, até a criação das aludidas normas as contribuições eram recolhidas pelas alíquotas de 0,65% e 3,00% para PIS e COFINS respectivamente conforme Lei 9.718/1998. Com a criação do PIS / COFINS não cumulativo essas alíquotas foram majoradas para 1,65% e 7,60%, e para justificar essa majoração, trouxe esse conceito ‘maluco’ da não cumulatividade, pois de outro modo violaria outro principio que é o Principio da Isonomia. E por esse motivo eu entendo que tais tributos devem vir sempre acompanhados de sua modalidade de (crédito e débito) para ter sua legitimidade e eficácia perseguida desde a criação. Estaria eu equivocado ou a Dra concorda?

    Carlos Feital

  • Prezado Carlos. Em tese deveria ser assim como você mencionou. Contudo, na prática o sistema não cumulativo acaba se tornando em parte "cumulativo", pois sabemos que os créditos de PIS e Cofins não são permitidos em diversas situações.
    E como o sistema decorre da lei, não há muito a fazer, exceto pressão política para que estas normas mudem de forma mais benéfica aos contribuintes que sofrem com a carga tributária altíssima. No final das contas. Quem paga o preço acaba sendo a população, pois a carga tributária alta implica em preços mais altos.

  • "PARABÉNS A TODOS, POIS SAUDÁVEL E GRATIFICANTE TAIS PERGUNTAS E TAIS RESPOSTAS, TÃO BEM FUNDAMENTADAS!"