De qualquer forma, isto é normal numa democracia. Mas o curioso são as divergências que ocorrem dentro do mesmo Poder, em especial, o Executivo.
O Poder Executivo Federal é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. A Secretaria da Receita Federal do Brasil faz parte do Poder Executivo, é um órgão subordinado ao Ministério da Fazenda. Sua função principal é administrar os tributos de competência da União, incluindo os previdenciários, e os que recaem sobre o comércio exterior. Além disso, ajuda na elaboração da política tributária, ajuda a impedir a sonegação fiscal, o contrabando, dentre outros atos ilícitos.
Contudo, não é incomum que ocorram divergências entre os representantes da Secretaria Receita Federal e a linha política tributária adotada pelo Chefe do Executivo, o (a) Presidente(a) do Brasil, sendo interessante o fato de ambos pertencerem ao mesmo Poder, o Executivo.
De fato, conforme tenho comentado em diversos posts, o crescimento das exportações é prioridade para o desenvolvimento do País. Em vista disso, os produtos nacionais destinados ao exterior não devem ser onerados por tributos que prejudicam a sua competitividade no âmbito externo. Assim, o interesse da nação, representado pelo (a) Presidente(a) da República, é que a tributação nas exportações seja a menor possível, ou quase zero. Aliás, isto está previsto por meio de várias normas constitucionais que determinam a desoneração nas operações de exportação.
Não obstante a determinação constitucional, as exportações ainda não são completamente desoneradas.
Para desonerar qualquer vestígio tributário nas operações de exportações de bens manufaturados e assegurar a competitividade da indústria brasileira, foi criado por meio da Lei nº 12.546/2011 o REINTEGRA – Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários. O referido regime tem por finalidade reintegrar valores (daí o nome reintegra) dos custos tributários federais que não foram eliminados e cumprir a determinação constitucional de total desoneração das exportações.
Segundo a exposição de motivos da lei que criou o REINTEGRA este “tem por objetivo reintegrar valores referentes a custos tributários residuais – impostos pagos ao longo da cadeia produtiva e que não foram compensados – existentes nas suas cadeias de produção. A partir do REINTEGRA será possível para as empresas exportadoras efetuarem compensação de resíduos tributários com débitos próprios ou mesmo solicitarem seu ressarcimento em espécie, em termos a serem estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil”.
Ocorre que a Receita Federal, contrariando o interesse do chefe do executivo e da Constituição Federal entende que o valor apurado no Reintegra compõe a base de cálculo no regime de apuração não cumulativa do PIS e da Cofins. O entendimento fiscal tem como base o argumento de que a base de cálculo do PIS e da Cofins não cumulativos engloba qualquer receita auferida (cf. Solução de Consulta nº 195 de 18 de Outubro de 2012 – Disit 9).
Este entendimento da Receita é incoerente com a política de incremento das exportações, além de não ser o entendimento jurídico mais correto. Tanto é assim, que diversos exportadores tiveram que ir ao Judiciário para assegurar o seu direito de não incluir o Reintegra na base de cálculo do PIS e Cofins (para quem se interessar, este assunto foi desenvolvido melhor em dois posts anteriores, cujo link disponibilizo abaixo).
Por identificar este entendimento da Receita Federal contrário ao interesse do país, foi editada a Lei nº 12.844/2013, estabelecendo no seu artigo 13 que “não serão computados na apuração da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins os valores ressarcidos no âmbito do Reintegra.”
Foi preciso proibir expressamente a inclusão do Reintegra na base de cálculo do PIS e Cofins para que a Receita Federal se contenha.
Seguem links sobre o assunto:
http://tributarionosbastidores.wordpress.com/2013/01/15/rein/
http://tributarionosbastidores.wordpress.com/2013/06/05/rei/
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Ótimo texto. Salvo se a lei dispuser em contrário quanto aos seus efeitos (ainda não pude verificar na lei), acredito que a medida adotada busca, mais do que propiciar segurança jurídica, impedir repetições de indébito com relação ao período passado em que o REINTEGRA alimentou a base das contribuições. Pois, se agora nos deparamos com lei, significa que anteriormente a inclusão dos créditos era algo devido, portanto, carecedor de repetição de indébito aos contribuintes.
Compartilho da mesma opinião do Thiago, me parece que a Receita Federal não abrirá mão do passado, haja vista, que o texto da Lei nº 12.844 estabelece que "A Lei no 12.546, de 14 de dezembro de 2011, passa a vigorar com as seguintes alterações".
Grato.
Também acho que a Receita pode sair com este argumento, como sempre faz.
Contudo esta norma tem característica de norma interpretativa, ressaltando que a norma interpretativa pode retroagir para atingir fatos ocorridos no passado, nos termos do artigo 106, I, do CTN.
De fato, houve muita controvérsia sobre esta questão. Neste sentido, transcrevo um trecho do livro do Miguel Reale tratando do assunto:
“As normas interpretativas representam uma categoria de grande alcance, especialmente quando se entra em uma época de fluxo incessante de legislação. Há certos textos legais que provocam tamanha confusão no mundo jurídico que o próprio legislador sente a necessidade de determinar melhor o seu conteúdo.
Quando tal fato se verifica, dizemos que há interpretação autêntica. Interpretação autêntica é somente aquela que se opera através de outra lei” (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 137)