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STF julgará a Tributação dos lucros auferidos por coligadas e/ou coligadas no exterior

Volta à pauta do Supremo Tribunal Federal a tributação dos lucros auferidos por coligadas e/ou coligadas no exterior. Esta questão é antiga, começou há 11 anos.

Algumas empresas no Brasil são acionistas de empresas no exterior. Em muitos casos a participação é significativa e a sociedade brasileira se torna coligada ou controlada da sociedade no exterior. São coligadas as sociedades quando uma participa, com dez por cento, ou mais, do capital da outra, sem controlá-la (Lei nº 6.404, de 1976, art. 243, § 1º e art. 384, § 1º do RIR/99), por outro lado considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores (Lei nº 6.404, de 1976, art. 243, § 2º e art. 384, § 2º do RIR/99).

Ocorre que algumas sociedades no exterior auferiam lucros e não distribuíam às sócias/acionista no Brasil e o fisco brasileiro não conseguia tributar os lucros que ficavam no exterior. Por esta razão, foram criadas normas dispondo que se as sociedades coligadas ou controladas no exterior tivessem auferidos lucros, estes lucros seriam considerados disponibilizados para investidora no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados. Desta forma, se a sociedade no exterior distribuía ou não o lucro não importava mais, bastava que o lucro fosse auferido no exterior para ser tributado pelo IRPJ e CSLL no Brasil.

Esta norma violou diversas regras tributárias, bem como o sistema jurídico como um todo. Sim, porque o direito é um sistema interligado, ele jamais pode ser interpretado apenas por um aspecto, sob pena de gerar distorções.

Pois bem, o direito de participar dos lucros sociais é considerado um dos direitos mais importantes de natureza patrimonial (art. 109, I, da Lei nº 6.404/76 – Lei das S.A.) e decorre do fato de que o acionista ou sócio, tendo colaborado com sua parcela de capital com o objetivo de que a pessoa jurídica venha a ter lucros, deve também receber periodicamente parte deles.

As legislações que tratam das sociedades asseguram o direito de o acionista/sócio participar dos lucros sociais, condicionado, porém, a que haja lucro e que a assembléia geral delibere sobre a distribuição destes lucros, após a atribuição de parte dos lucros às reservas obrigatórias.

Sim, porque uma parcela do lucro líquido obrigatoriamente será aplicada, antes de qualquer outra destinação, na constituição da reserva legal, com a finalidade de assegurar a integridade do capital social. Pode também estar previsto nos contratos sociais das empresas a constituição de reservas estatutárias com destinação de uma parcela anual dos lucros líquidos à sua constituição. Isto sem mencionar as reservas para contingênciasestipuladas pela assembléia geral com o objetivo de destinar parte do lucro líquido para compensação em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável a reserva dos lucros a realizar que pode ser constituída por determinação da assembléia geral.

É de se acentuar que mesmo obtendo lucro muitas vezes se interpõe um dilema relativo à destinação a ser dada a estes lucros, ou seja, retê-los na sociedade a título de reservas e fundos ou distribuí-los entre os acionistas. Por esta razão, comumente são realizados acordos de acionistas que dispõem sobre a política de reinvestimentos de lucros e de distribuição de dividendos, com finalidade de permitir à assembléia geral apreciar em inteiro equilíbrio a relação reinvestimento/distribuição de dividendos, a fim de que seja preservado o interesse social como um todo e não ocorram prejuízos com uma política que esvazie a companhia de recursos necessários ao seu desenvolvimento, mediante a apropriação exagerada de resultados do exercício.

Até mesmo os dividendos obrigatórios não necessitam ser distribuídos se tal distribuição for incompatível com a situação financeira da empresa. Estes lucros serão contabilizados em conta de reserva especial, e poderão absorvidos (inclusive integralmente) por prejuízos em exercícios subsequentes e, portanto, o lucro nesta hipótese, jamais será distribuído.

Nas companhias fechadas as regras são, em relação aos dividendos obrigatórios, ainda mais brandas, pois a assembléia geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, ou a retenção de todo o lucro.

Isto demonstra claramente a irrazoabilidade da previsão contida na lei brasileira, pois é notório que nem sempre a controladora e/ou coligada tem o poder de determinar a distribuição de lucros desde a sua apuração pela pessoa jurídica, pois a colocação dos lucros à disposição dos acionistas está vinculada às determinações contidas na legislação e nos atos constitutivos da pessoa jurídica e, no mais das vezes, independe da vontade de um sócio ou acionista isoladamente para se perfazer.

Em outras palavras, a mera realização do lucro por empresa coligada ou controlada evidenciada pelo balanço não resulta imediato aumento de riqueza do sócio/acionista. Em nenhuma hipótese o lucro da sociedade pode ser considerado como lucro do sócio. Isto só ocorre quando este último aufere a disponibilidade econômica e jurídica destes valores no momento de sua distribuição, ou seja, para que isto aconteça há necessidade de um ato jurídico novo (distribuição), subjacente ao fato jurídico (realização) e independente dele.

A natureza do direito aos lucros pelos investidores, portanto, é direito futuro não deferido, condicional, ou mero direito expectativo. Não se trata de direito de crédito imediato, pois sua aquisição se subordina a fatos ou condições falíveis. Somente quando surge o direito ao dividendo pela deliberação da companhia através do órgão competente o direito expectativo transforma-se em direito ao crédito.

Por estas razões a norma que institui a tributação dos lucros auferidos por coligadas ou controladas, antes da sua distribuição deve ser repelida, pois instituiu a exigência de IRPJ e CSL com base em mera previsão de futura ocorrência de fato jurídico tributário incerto, e impôs uma base de cálculo distorcida e distanciada da realidade. Não existe sequer certeza sobre a efetiva concretização do fato futuro – distribuição de lucros.

Mas não é só.

O Governo do Brasil possui diversos tratados para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal, em matéria de impostos sobre a renda, firmados com diversos países. Estes tratados seguem o modelo da OCDE.

Os tratados, muito parecidos entre si, determinam que os lucros de uma empresa controlada/coligada devem ser tributados somente no Estado da sua residência, e assim, proíbem a tributação do lucro nos dois países.

Portanto, o Brasil, sob pena de atribuir a si próprio uma competência tributária cumulativa, não pode tributar os lucros auferidos e não distribuídos pelas sociedades controladas e coligadas situadas em países com os quais possui convenções para evitar a dupla tributação, sob pena de ferir o § 2º do artigo 5º da CF/88, o artigo 98 do CTN, além das próprias disposições contidas nos tratados internacionais.

(Parte deste artigo foi extraído do trabalho “Os Lucros Auferidos por Controlada ou Coligada no Exterior – LC 104/2001 – Art. 43 e § 2º do CTN – Art. 74 da MP nº 2.158-35”, que apresentei em 2002 no XVI Congresso Brasileiro de Direito Tributário)