De fato, os conceitos de “royalties” e remuneração decorrente de “assistência técnica” utilizados ordinariamente nos tratados internacionais contra a dupla tributação (modelo OCDE) não são idênticos ao significado que lhe é conferido pelo direito brasileiro.
Os “royalties”, no direito pátrio são remunerações decorrentes da exploração lucrativa de bens incorpóreos (direito de uso) vinculados à transmissão de tecnologia, representados pela propriedade de invento patenteado, assim como conhecimentos tecnológicos, fórmulas, processos de fabricação, e ainda, marcas de indústria ou comércio notórias, aptas a produzir riqueza através da comercialização, em virtude da aceitação dos produtos que a representam, além do direito de explorar recursos vegetais, minerais e direitos autorais, conforme se verifica do artigo 22 da Lei nº 4.506/64, in verbis:
“Art. 22. Serão classificados como “royalties” os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:
a) direito de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;
b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;
c) uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio;
d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.
e) Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações pelo atraso no pagamento dos “royalties” acompanharão a classificação destes.”
Por sua vez, entende-se por remuneração de serviços de “assistência técnica” os valores pagos em contraprestação a serviços prestados a uma determinada pessoa, relacionados a aplicação de conhecimentos especializados, através de técnicos, desenhos, estudos ou instruções, compreendendo serviços de consultoria ou assessoramento envolvendo conhecimentos especializados de quem os presta em cada campo de ação, ainda que com a finalidade de possibilitar ou facilitar a utilização de patente ou processo de fabricação.
Nas convenções internacionais destinadas a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal (modelo OCDE), que se aplica nos casos de contratos internacionais por força do artigo 98 do CTN e artigo 997 do RIR/99, comumente, os “royalties” são tratados como remuneração de qualquer natureza pagos pelo uso ou pela concessão do uso de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas, de patentes, marcas de indústria ou de comércio, desenhos ou modelos, planos, fórmulas ou processos secretos, bem como pelo uso ou concessão do uso e equipamentos industriais, comerciais ou científicos e por informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico (conforme artigo 12 do modelo – OCDE).
Do confronto entre os conceitos adotados nos acordos contra a dupla tributação (OCDE) e do conceito do direito pátrio, observa-se que existem divergências.
Nas convenções internacionais, em regra, o termo “royalties”, designa as remunerações derivadas da transferência de tecnologia, quais sejam, “uso ou concessão do uso e equipamentos industriais, comerciais ou científicos e informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico”.
Além disso, as convenções internacionais contra a dupla tributação, ao contrário das normas brasileiras, não consideram os rendimentos decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos de colher ou extrair recursos vegetais, florestais e de pesquisar e extrair recursos minerais como “royalties”, mas como rendimentos de bens imobiliários.
Um outro aspecto importantíssimo é averiguar o significado e alcance da expressão remuneração paga por “informações correspondentes à experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico” (art. 12 do modelo – OCDE) que tem caráter de “royalties” nas convenções internacionais. E isto porque é muito sutil na doutrina e legislação comparada os conceitos de “contratos de prestação de serviços técnicos, contratos de “assistência técnica” e contratos de know-how.
O contrato de “know-how” é aquele mediante o qual o licenciante transmite informações tecnológicas previamente existentes de natureza sigilosa que lhe pertencem, por cessão temporária ou definitiva de direitos, autorizando o licenciatário a explorar por conta própria, sem que o licenciante interfira na aplicação da tecnologia ou garanta o resultado.
Já o contrato de prestação de serviços tem por objeto a execução de serviços de conteúdo técnico especializado por parte do prestador, que utiliza sua experiência e conhecimentos usuais interligados à natureza da prestação, os quais, porém, não se destinam a ser transmitidos, mas meramente aplicados ao caso concreto mediante idéias, concepções e conselhos baseados em estudo pormenorizado. Em suma, a empresa prestadora de serviços aplica a tecnologia, mas não a disponibiliza ao cliente e tampouco autoriza sua exploração. Não obstante neste contrato os serviços tenham conteúdo técnico especializado, não há transferência de tecnologia.
Os contratos de “assistência técnica e serviços técnicos”, são aqueles cuja prestação de serviços não têm natureza autônoma e independente, mas complementar ou acessória de outra operação, prevista no mesmo contrato ou em separado. E isto porque nestes casos a transmissão da informação não se esgota na simples cessão de direitos, mas exige complementarmente uma atividade continuada de prestação se serviços, permanentes ou periódicos, pela qual a informação tecnológica seja plenamente colocada à disposição do cessionário.
Os principais elementos distintivos entre os contratos de “know-how” e prestação de serviços e “assistência técnica” residem no seguinte:
No contrato de know-how:
– no caráter secreto das informações fornecidas ou utilizadas;
– existe transferência de tecnologia;
– o transmitente não intervém na aplicação da tecnologia cedida, de tal modo que a aplicação das informações pelos cessionário se efetua por conta própria;
– o objeto do contrato pode realizar-se instantaneamente pela mera cessão de direito de uso;
– o transmitente não garante o resultado da tecnologia cedida;
– a remuneração ocorre através do pagamento de uma porcentagem do faturamento, produção ou lucro, trata-se de um rendimento de capital, pois retribui um capital tecnológico.
No contrato de prestação de serviços:
– a prestação se serviços é objeto principal do contrato;
– a empresa se limita a utilizar a sua experiência e conhecimentos usuais da sua profissão, trata-se, em princípio, da realização de uma prestação de serviços, submetida ao regime de lucros das empresas;
– não há transferência de tecnologia, mas aplicação de tecnologia;
– a remuneração é fixada com base no custo demonstrado por critérios relativos ao trabalho desenvolvido, como por exemplo em função do número de horas despendidas;
– a OCDE qualifica a remuneração destes contratos como lucro de empresa, regulado no artigo 7º, tratando-se de serviços prestados em regime de empresa, por pessoas jurídicas ou entidades a ela equiparadas.
Contrato de assistência técnica:
– a prestação de serviços tem natureza complementar ou acessória em relação ao objeto principal do contrato;
– o objeto principal do contrato deve ser a transmissão de informação tecnológica.
Os conceitos acima são de suma importância, pois a OCDE, qualifica a remuneração dos contratos de prestação de serviços em geral, não como “royalties”, mas como lucro de empresa, tratando-se de serviços prestados em regime de empresa, por pessoas jurídicas ou entidades a ela equiparadas (art. 7º).
Além disso, os serviços de “assistência técnica” e serviços técnicos, em razão de diversos Protocolos decorrentes de convenções firmadas pelo Brasil, sujeitam-se ao regime tributário dos “royalties”, conforme o art. 12 dos referidos diplomas.
E esta equiparação da contraprestação do contrato de “assistência técnica” aos “royalties” por Protocolos de algumas Convenções, é assim exatamente pelo fato de o contrato de “assistência técnica” possuir natureza instrumental e complementar no que concerne à transmissão de informação. Não obstante, referida equiparação deve ser entendida de maneira restrita, pois somente a “assistência técnica” de natureza subsidiária ao objeto principal do contrato e intimamente ligada à transmissão de “know-how” é que deve ser entendida como remunerada através de “royalties”.
Exatamente por este motivo, Alberto Xavier comenta que: “a qualificação da remuneração por “assistência técnica ou serviços técnicos” como royalty, por complementaridade ou acessoriedade, leva também a concluir que somente podem ser qualificados como de “assistência técnica e serviços técnicos para efeito das Convenções, aqueles contratos que – seja qual for a sua denominação – tenham caráter complementar ou instrumental de contratos de transferência de capital tecnológico, não podendo de modo algum abranger os contratos em que o objeto principal seja a prestação de serviços, ainda que de conteúdo técnico, pois a remuneração destes não é, por natureza, royalty, mas rendimento de trabalho autônomo (tratando-se de serviços pessoais) ou preço constitutivo do lucro de empresa (tratando-se de serviços não especiais)” (Direito Tributário Internacional – 7º Edição, Forense p. 627).
Portanto, só se pode falar em “assistência técnica” e “serviços técnicos” (ao menos no sentido em que a expressão é utilizada pelos Protocolos de aplicação das Convenções), quando existe um nexo de complementaridade ou instrumentalidade em relação a uma outra operação que aquela visa “assistir” e que consista numa transmissão de “know-how” em si mesmo considerada.
Finalmente, esclareço que complemento o post para acrescentar respostas a algumas perguntas que me foram feitas:
Significado de OCDE.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE é um órgão internacional e intergovernamental que reúne os países mais industrializados e também alguns emergentes como México, Chile e Turquia. Por meio a OCDE, os representantes se reúnem para trocar informações e alinhar políticas com o objetivo de potencializar seu crescimento econômico e colaborar com o desenvolvimento de todos os demais países membros.
Esclareço ainda que a OCDE criou um modelo de tratado internacional contra a dupla tributação que é adotado por diversos países, mesmo aqueles que não são membros da OCDE, incluindo o Brasil.
Por isso a comparação entre o modelo da OCDE e a legislação brasileira, pois o Brasil adota o modelo em grande parte dos tratados que firma com outros países.
O Brasil não é membro da Organização, mas é parceiro, participando de Comitês e de áreas de trabalho.
A Autora é advogada, sócia da Nasrallah Advocacia, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós Graduada em Direito Tributário pelo IBET – USP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, Integrou a Comissão de Direito Aduaneiro da OAB/SP em 2018/2019. Membro da Associação dos Advogados de São Paulo. Atua no contencioso judicial e administrativo e na consultoria tributária e é consultora CEOlab.
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Boa tarde !
Tudo bem ? Acompanho o seus artigos e esse particularmente gostaria de publicá-lo em blog, claro com a sua anuência, pode ser ? Abraço
Esilda
Date: Mon, 25 Feb 2013 16:39:21 +0000 To: alciprete63@hotmail.com
Ok. Sem problemas.
ab