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Dano Moral – Não Incidência do Imposto de Renda

Muito embora não seja assunto novo, ainda há muita controvérsia sobre a incidência do imposto de renda sobre o valor recebido a título de dano moral. A questão realmente apresenta certa complexidade. É que seu equacionamento está interligado à solução de outras questões também complexas: como a “natureza jurídica do dano moral” e o próprio “conceito de renda e proventos de qualquer natureza” os quais constituem elementos delimitadores da configuração formal do fato gerador do imposto de renda.

Natureza Jurídica do Dano Moral

Enquanto no dano patrimonial o ofendido tem um prejuízo apreciável de forma pecuniária, pois a lesão acarreta um empobrecimento mensurável, no dano moral o ofendido também tem prejuízo, porém, difícil de ser valorado sob o aspecto pecuniário, porque o dano moral resulta da lesão de um interesse imaterial que está relacionado com a intangibilidade da vida humana.

De fato, o dano moral não é aquele que lesa o patrimônio de alguém. A avaria causada deriva de uma perda de algo que não se encontra incorporado ao patrimônio da pessoa, mas atinge a sua subjetividade. A perda, o dano, o prejuízo, o detrimento, atinge a personalidade, a vida, a incolumidade física, espiritual, a honra, a imagem.

Por outro lado, a reparação no plano patrimonial sempre pode ser avaliada através de um valor correspectivo e incorpora-se à própria idéia de patrimônio. Constatado que o comportamento antijurídico do agente ofensor acarretou uma diminuição, a indenização traz a significação de restaurar, de restabelecer o equilíbrio e reintegrar a parte correspondente do prejuízo. Já para o estabelecimento da reparação do dano moral não é a noção de contrapartida pecuniária que prevalece, pois o dano moral não é suscetível de mensuração em sentido estrito.

Consequentemente, a indenização por dano material nada mais é do que reintegração em dinheiro ou ressarcimento stricto sensu e a indenização do dano moral, uma compensação ou reparação da ofensa.

Em outras palavras, na reparação de danos morais o dinheiro não desempenha a função de equivalência, como, em regra, nos danos materiais, mas exerce a função compensatória. É que os danos morais são susceptíveis somente de reparação, não de ressarcimento, na medida em que não é possível quantificar o dano exatamente em seu equivalente em dinheiro. O restabelecimento, o retorno às coisas na situação anterior à produção do dano somente é possível tratando-se do dano patrimonial. A reparação em pecúnia ao agravo de ordem moral tem por escopo proporcionar prazeres ao ofendido para tentar atenuar o mal sofrido. São os chamados prazeres compensatórios.

Nesse sentido Antonio Jeová dos Santos comentando a finalidade da indenização por dano moral e a questão da impossibilidade de se estabelecer uma perfeita equivalência entre o dano e a reparação observa:

“Uma música bonita satisfaz o sentido da audição, um belo ato produz em quem o realiza uma satisfação moral, o bom êxito científico é a origem para o sábio de gozos intelectuais. Tudo isso pode ser conseguido ou ajudado a conseguir com o dinheiro. A função deste, de par ao motivo dos danos morais produzidos e da reparação devida, cujo objeto seria o restabelecimento da situação moral anterior, pela colocação em paz das penas, das inquietações, das aflições, das feridas causadas às afeições legítimas, das dores morais produzidas pelo agravo físico ou moral, não seria a de substituir o dano por seu equivalente em dinheiro, por ser este e aquele de distinta natureza, senão a de dar à vítima um meio adequado para fazer desaparecer ou, pelo menos, para neutralizar ou, sequer seja, para atenuar os seus efeitos” (in Dano Moral Indenizável, 2ª Edição, pág. 56).

Não obstante o dinheiro obtido com a indenização não faça com que a vítima obtenha novamente o bem objeto do agravo, permite-lhe refazer, na medida do possível, sua situação emocional anterior à lesão. Por isto se diz que a reparação do dano moral, do ponto de vista do ofendido tem caráter reparatório. Sob o enfoque do ofensor é uma sanção, além da função dissuasiva futura. Serve de alerta e tem por finalidade evitar a repetição do mesmo erro. Daí o caráter dúplice de que se reveste a reparação do dano moral.

Pessoa Jurídica e o Dano Moral

As pessoas jurídicas têm direitos como: ao nome, à reputação comercial ou social, à fama, ao prestígio, à marca, à imagem, à liberdade de ação e inclusive direitos aos segredos industriais. Assim, não obstante não seja titular de honra subjetiva, toda vez que a pessoa jurídica for agravada em decorrência de ato ilícito praticado por outrem, o ofensor deverá responder reparando a pessoa jurídica agravada com indenização por danos morais. Nesse sentido, se consolidou a jurisprudência do STJ, conforme decidido no AgRg no AREsp 15.861/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, DJe 30/04/2012.

Não Incidência do Imposto de Renda

Na indenização por danos morais, como visto, há compensação em pecúnia por dano sofrido. Noutros termos, o direito ferido, como não pode ser restituído na mesma espécie, é transformado em pecúnia. Deste ponto de vista, não há ganho, mas mera compensação, reparação do bem imaterial violado. De fato, a reparação por danos morais como concebida no ordenamento jurídico vigente não visa, de modo nenhum, ensejar proveitos econômicos para o ofendido e daí não se pode falar em ganho, perda ou prejuízos.

Como é impossível a restauração do status quo ante, o que se busca através da compensação pecuniária é dar ao lesado a possibilidade de atenuar seu sofrimento através do conforto e prazer que pode ser conferido pelo dinheiro. Ora, a indenização tem o condão, neste caso, de substituir o bem imaterial lesionado (honra, incolumidade física, dor por perda de filho). Tal compensação, por vocação – e por sua função substitutiva do direito lesado é intributável pelo imposto de renda, assim como também era intributável o direito lesado.

Não existem tributos que incidam sobre a vida, a honra, a imagem. Evidentemente não se pode tributar os valores que “reparam” a perda destes direitos. Antes da lesão destes direitos, não ganhava o Erário Público, nem o ofendido, nem ninguém. Com a compensação reparatória que ocorre com o pagamento da indenização continua o ofendido a nada ganhar. Diante disto, como poderia incidir o imposto de renda sobre os valores reparatórios?

Neste ponto surge outro aspecto a ser observado. A tributação pelo imposto de renda, na  medida que incida sobre elemento tradutor de compensação por perda de direito, acarreta manifesta diminuição desta, com o quê, reabre a lesão que haveria de ser composta.

Cumpre observar que o art. 43, I, do CTN, é taxativo ao estabelecer que o imposto de renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;  II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais …”.

De se salientar que, se o tributo em questão fosse simplesmente “sobre a renda”, a solução seria mais fácil, eis que tudo que não coubesse dentro do conceito de renda estaria excluído da tributação ou da área de incidência. A indenização por danos morais evidentemente não estaria envolvida na tributação, pois conforme visto é a “substituição” de um direito imaterial lesionado, não pode, certamente, ser entendida por produto do capital ou do trabalho, ou da combinação de ambos, além do que não provêm de fonte patrimonial pré-existente.

Mas a incidência não se limita a “renda”, estende-se aos proventos de qualquer natureza, que segundo o CTN são acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

No entanto, não se pode pretender que a reparação em pecúnia configure a noção de provento, pois não há como falar em acréscimo patrimonial quando a indenização configura mera reparação. A impossibilidade técnico-jurídica de subsumir o fenômeno aos conceitos do Código Tributário Nacional exclui definitivamente a possibilidade de qualificação da indenização como renda ou provento.

Segundo Lúcia Valle Figueiredo “é importante deixar claro que, ainda que se trate de indenização por dano moral (cuja mensuração por evidente é difícil), seja ela atribuída à pessoa jurídica, não importa, trata-se de indenização, acolhida por norma individual (a decisão jurisdicional), portanto, insuscetível de se constituir em renda para efeito de tributação.”  (in Regime Tributário das Indenizações, Dialética, pág. 225).

Assim, não há fundamento constitucio­nal para a exigência do imposto de renda sobre indenização por dano moral, que configura  hipótese  de não-incidência.

Cumpre ressaltar que as normas que regem o imposto de renda têm reconhecido expressamente em algumas situações a não-tributabilidade pelo imposto de renda das indenizações decorrentes de danos entre eles os morais.

Com efeito, verifica-se do art. 39 do RIR/ 99, no Capítulo II, no Capítulo “Rendimentos Isentos ou não Tributáveis”, que não entrarão no cômputo do rendimento bruto: (a) a indenização reparatória por danos físicos, invalidez ou morte, ou por bem material danificado ou destruído, em decorrência de acidente, até o limite fixado em condenação judicial, exceto no caso de pagamento de prestações continuadas (XVI);  (b) a indenização por acidente de trabalho (XVII).

Fazendo analogia com as normas que regem os seguros, observamos que, no que se refere às indenizações decorrentes de lesões relativas à vida, à incolumidade física, a legislação do imposto de renda igualmente reconhece a não tributação pelo imposto de renda das indenizações pagas por morte de segurado quando o beneficiário é pessoa física, bem como quando o segurado é sócio de pessoa jurídica beneficiária do seguro (RIR/99, art.  39, XLIII e art. 445).

E nem poderia ser de outra forma exatamente por não se configurarem tais valores como renda ou proventos de qualquer natureza, mas meros ingressos, pois não há “riqueza nova”, nem “acréscimo patrimonial”, mas mera compensação obtida com a perda ocorrida.

Assim, seja pessoa física ou jurídica que sofra dano moral, quando indenizada, tal reparação não deve ser tributada pelo imposto de renda, por se tratar de hipótese de não incidência tributária.

O STJ já consolidou o entendimento quanto à não incidência do imposto de renda sobre danos morais, conforme  REsp 1150020/RS, Relatado pela Ministra Eliana Calmon,  DJe 17/08/2010:

“TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – ART. 43 DO CTN – VERBAS INDENIZATÓRIAS – DANOS MORAIS E MATERIAIS – AUSÊNCIA DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL – IMPOSTO DE RENDA – NÃO INCIDÊNCIA. 1. O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN). 2. Não incide imposto de renda sobre as verbas recebidas a título de indenização quando inexistente acréscimo patrimonial. 3. Recurso especial não provido”.

Contudo, a Receita Federal entende que a indenização por dano moral deve ser tributada, como, por exemplo, está consignado na Solução de Consulta nº 450 de 07/12/2009 (Disit 8). Assim, é prudente que o beneficiário entre com uma ação para assegurar o seu direito de não pagar imposto de renda sobre dano moral.

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    • Sim. Há Súmula do STJ nesse sentido:
      Segue uma decisão de 2013 tratando do tema:

      TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. "Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais" (STJ, Súmula 498). Agravo regimental desprovido.
      (AgRg no Ag 1351911/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013)

    • TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. "Não incide imposto de renda sobre a indenização por danos morais" (STJ, Súmula 498). Agravo regimental desprovido.
      (AgRg no Ag 1351911/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013)